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Zoológico de São Paulo reabre com 'quarentena eterna' de bichos

Após 90 dias, animais voltam a ser exibidos em SP; espaço tem medição de temperatura e desinfecção de calçados

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Tigre-de-Bengala branco deitado sobre grama do zoológico de SP

Tigre-de-Bengala branco deitado sobre grama do zoológico de SP Adriano Vizoni/Folhapress

São Paulo

Logo de manhã, com a escassa presença de gente por ali, quem canta alto e agudo no São Francisco, o maior lago do Zoológico de São Paulo, são os irerês, aves cujo nome, de origem tupi, tenta imitar a sua voz.

Assim como as marrecas-caneleiras e caboclas, elas fogem do frio do Sul. Nesta temporada, estima-se que 4.000 aves visitem o zoológico, uma ilha de mata atlântica cravada na populosa zona sul paulistana.

Com cerca de 2.000 animais, de 242 espécies, entre elefantes, leões, araras e macacos, os irerês talvez passem despercebidos aos olhares menos atentos de quem percorre o Zoo de São Paulo, o maior do país, cuja reabertura se deu na segunda-feira (13).

Aves migratórias como os irerês, a marreca-cabeleira e a marreca-cabocla se juntam às aves do Zoo de SP na hora da alimentação
Aves migratórias, como os irerês, a marreca-caneleira e a marreca-cabocla, se juntam às aves do Zoo de SP em lago - Adriano Vizoni/Folhapress

Nesta etapa, somente a área aberta, de quase 60 mil m², terá acesso liberado. Após 90 dias de portas cerradas, a instituição não demitiu nem reduziu salários da equipe (39% da folha de pagamento vêm de recursos públicos e 61% são provenientes de receita própria).

A falta de público devido à pandemia trouxe crise a zoológicos mundo afora e gerou uma onda de discussão sobre o futuro desse tipo de espaço.

Em São Paulo, filas para ingressos, com preços de R$ 25 a R$ 55, são demarcadas para garantir o distanciamento social. A temperatura de quem entra é medida. Máscaras são obrigatórias, assim como passar pelo sistema de desinfecção do solado de calçados.

Álcool em gel é distribuído em totens espalhados pelo parque, que funciona das 10h às 16h, exceto aos sábados, domingos e feriados, quando deve abrir uma hora antes. O número de visitantes agora é limitado a 6.500 por dia.

“Fico feliz com a reabertura”, diz a empresária Raquel Tardelli Calarota, 41, de Ribeirão Preto (SP). Ao lado dos dois filhos, já esteve em outras ocasiões no zoo da capital. “Os do interior não têm estrutura. Os animais ficam deprimidos, em espaços pequenos”, conta.

Num momento em que humanos se sentem “enjaulados” devido à pandemia do novo coronavírus, a reabertura de zoológicos trouxe à baila questões éticas relacionadas à vida de animais selvagens em cativeiro. Questiona-se, por exemplo, se a reclusão dos animais seria a melhor maneira de mantermos contato com eles.

Para Pedro Ynterian, 80, esses lugares são obsoletos e representam um contrassenso. “O movimento repetitivo dentro de jaulas, aliado ao fluxo constante e ao barulho de pessoas, transforma a vida de animais de zoológicos em uma verdadeira tortura”, diz. “A procriação de animais em cativeiro deveria ser proibida.”

Ynterian é dono do Santuário de Grandes Primatas, afiliado ao projeto GAP, movimento de proteção aos primatas não humanos (chimpanzés, gorilas, orangotangos e bonobos), entidade presente em cerca de 20 países. No santuário criado por ele há 22 anos em Sorocaba (SP), vivem 250 animais, sobretudo primatas, oriundos de tráfico, abandono, circos e zoológicos.

Os santuários no Brasil não são espaços de exibição, como ocorre nos Estados Unidos, mas, sim, de acolhimento de espécies com histórico de maus-tratos. “Não existe visita indiscriminada para entretenimento humano”, avisa Juliana Camargo, da Ampara Animal, entidade que atua em defesa de animais domésticos e silvestres.

O Zoológico de São Paulo informa que educação ambiental, conscientização e fortalecimento da conexão entre humanos e animais são os principais pilares da instituição, que, desde 2018, é um instituto de ciência e tecnologia.

Diz ainda que a reabertura é uma oportunidade para reforçar uma ruptura com conceitos antigos, atrelados à recreação, ao lazer e ao entretenimento, fatores que não se justificam nos dias de hoje.

O zoo está envolvido em uma série de ações de pesquisas e conservação da fauna silvestre, explica a bióloga Mara Marques, 53. Cita as que ocorrem com cinco espécies de animais ameaçados de extinção: mico-leão-preto, mico-leão-dourado, mico-leão-da-cara dourada, tamanduá-bandeira e arara-azul-de-lear.

O trabalho envolve reprodução e, em alguns casos, soltura, além de uma base de estudos sanitários, voltada para seres humanos e animais.

Os planos de educação ambiental não se limitam ao zoo. “Existem atividades em outras partes do país, como o cerrado, onde desenvolvemos o projeto Raposinha Vai à Escola, direcionado à proteção da raposa-do-campo, espécie endêmica daquela região”, diz.

Autor da lei 17.321, de 18 de março deste ano, a qual proíbe a criação de novos zoológicos e aquários na cidade, o vereador Xexéu Tripoli (PSDB) afirma que os zoos continuam sendo um espaço de exibição animal para entretenimento humano e que neles “não existe educação ambiental”.

Ele defende a redução de visitantes, o fim de passeios noturnos e a interrupção de procriação e aquisição de animais exóticos, os quais, continua o vereador, deveriam ser transferidos para áreas maiores, fora da exposição pública. “O foco”, diz, “deveria voltar-se à fauna silvestre, ao promover a procriação e a soltura”.

Porém, a inexistência de uma política ambiental nesse panorama de descaso governamental, segundo Ynterian, do GAP, inviabiliza o retorno de animais silvestres ao seu habitat, cada vez mais ameaçado de destruição no país.

Em setembro, com a chegada da primavera, espera-se que os irerês e outras aves migratórias de vida livre deixem o zoo paulistano e rumem para casa, onde vão fazer mais barulho por uma causa nobre: a de procriação em meio à natureza.

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