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STF

Chefe do PCC pegou carona nos vícios e nas ironias do poder

Artigo usado para soltar André do Rap foi gestado pelo centrão e assinado por Bolsonaro

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Brasília

Ao sair pela porta da frente da penitenciária de Presidente Venceslau, em São Paulo, André de Oliveira Macedo pegou carona nas ironias da política nacional. Considerado um dos principais traficantes do país, o chefão do PCC foi beneficiado por uma longa cadeia de vícios do poder.

O dispositivo da lei usado como base para soltar André do Rap foi um subproduto das tensões entre o presidente Jair Bolsonaro, o ex-ministro Sergio Moro e os caciques do Congresso que agora participam de banquetes no Palácio da Alvorada.

O ministro Marco Aurélio Mello mandou o traficante para a rua com base numa mudança recente no Código de Processo Penal. Desde o fim do ano passado, o parágrafo único do artigo 316 diz que um juiz deve rever a necessidade de prisão preventiva de um suspeito a cada 90 dias. Se isso não for feito, a prisão pode ser considerada ilegal e o sujeito pode ganhar a liberdade.

O artigo foi produzido pelos parlamentares como uma resposta aos excessos das prisões sem condenação produzidas pela Lava Jato. Num lance com cara de travessura, o texto foi incluído no pacote anticrime que Moro propagandeava como um endurecimento da lei contra a corrupção. Na véspera do último Natal, a regra foi sancionada por Bolsonaro.

André de Oliveira Macedo, conhecido como André do Rap, líder do PCC, ao ser detido em Angra dos Reis
André de Oliveira Macedo, conhecido como André do Rap, chefe do PCC, ao ser detido em Angra dos Reis - Arquivo pessoal

Num resumo bruto, o chefe da megaquadrilha de tráfico de drogas foi solto com base num ajuste fabricado sob medida pelos políticos e com o autógrafo de um presidente que se orgulhava de um discurso repressivo contra a bandidagem comum.

Debaixo de tiros dos apoiadores que já se consideravam traídos pelo acerto entre o governo e a tal velha política, Bolsonaro ganha mais esse alvo nas costas. Ex-aliada, a deputada estadual Janaina Paschoal (PSL-SP) desenhou a nova irritação: “A população apoia a luta contra o crime, mas ELE NÃO!”, escreveu.

Sob o barulho produzido pela militância, o episódio abre uma trilha política delicada para o presidente. Bolsonaro pode se sentir tentado a explorar o episódio para se defender e retomar sua retórica violenta sobre a segurança pública. Para isso, porém, ele precisaria contrariar seus aliados do centrão que gestaram a lei e produziria um conflito em potencial com um tribunal que o tem na mira.

O Bolsonaro de seis meses atrás agitava apoiadores do governo no cercadinho do Palácio da Alvorada com ataques diretos a decisões tomadas por ministros do STF (Supremo Tribunal Federal). Considerada impopular dentro da própria corte, a canetada de Marco Aurélio seria um alvo fácil para o presidente, mas o instinto de proteção de seu poder e de sua família o incentiva a baixar as armas.

A fase paz e amor de Bolsonaro com o tribunal deixou, até agora, caminho livre para um personagem diretamente interessado no assunto. O governador paulista, João Doria (PSDB), explorou o caso para fazer propaganda a favor de um discurso duro de combate ao crime.

O tucano criticou abertamente Marco Aurélio. Afirmou que a soltura de André do Rap representa uma “condescendência inaceitável com criminosos”, comemorou a decisão de Luiz Fux que determinou a volta do traficante para a prisão e soltou um slogan óbvio: “Lugar de bandido é na cadeia”. Além dessas nuances políticas, o chefe do PCC também teve a sorte de ganhar na loteria do STF e se aproveitou das fragilidades do próprio tribunal.

Embora a lei esteja ali para evitar abusos, Marco Aurélio fez uma interpretação peculiar do texto para ignorar questões básicas –como o fato de o traficante ser considerado perigoso, comandar uma facção violenta e ter ficado foragido por mais de cinco anos. O presidente do Supremo destacou esses pontos ao cassar a decisão do colega e mandar André de volta à prisão –possivelmente tarde demais.

Fux inaugura sua gestão no comando do tribunal de maneira azeda. De saída, ele precisará contornar tensões com o próprio Marco Aurélio –um divergente convicto que nunca teve vergonha de alfinetar os demais integrantes da corte.

Na última semana, o ministro reclamou por não ter sido designado por Fux para fazer o discurso de despedida de Celso de Mello. Neste sábado (10), ele disse à CNN que o presidente do STF assumiu uma “postura de censor” ao cassar sua decisão.

O episódio também deixa Fux às voltas com um segundo episódio famoso de fuga em seu currículo no Supremo. Em 2017, ele foi o autor de uma liminar que barrou a extradição de Cesare Battisti. No fim do ano seguinte, o tribunal divulgou uma decisão do próprio ministro que mandava prendê-lo. A publicidade do caso deu tempo ao italiano para fugir para a Bolívia.

O sumiço de André do Rap envolve ainda uma ironia geográfica que até parece inventada. Ao sair da cadeia, ele disse às autoridades que iria para sua casa, em Guarujá (SP). Por coincidência, o município do litoral paulista é o local de descanso de Jair Bolsonaro neste feriado prolongado.

Mas o chefe do PCC mudou de destino, possivelmente para pegar um avião particular em direção ao Paraguai. Segundo o UOL, a base para essa fuga foi Maringá (PR) –cidade natal do ex-ministro Sergio Moro.

Lancha que seria utilizada por André do Rap em Angra dos Reis
Lancha que seria utilizada por André do Rap em Angra dos Reis - Arquivo pessoal
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