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Precisamos ser mais rápidos que o racismo ao educar nossos filhos

Olhar atento ao que nossos filhos veem e consomem ajudará no desafio de construir equidade social

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Natalia Paiva

É mãe da Serena (3 anos e 8 meses) e do Martín (9 meses). Trabalha com políticas públicas e tecnologia. Como hobby, compartilha livros infantis em @aloucadoslivrosinfantis.

Você sabia que estudos mostram que crianças começam a aprender sobre características raciais antes mesmo de aprender a andar?

Segundo a Academia Americana de Pediatria , os pais são seus mais influentes professores, num processo muito similar ao do aprendizado linguístico; e, entre os dois e os quatro anos, elas já internalizam vieses raciais.

De acordo com um estudo publicado no principal periódico da Associação Americana de Psicologia, aos seis anos elas tanto já entendem que há uma hierarquia racial como podem elas mesmas se engajarem em estereótipos racistas diretos.

Em um outro estudo com crianças de três anos, conduzido por professores da Universidade do Texas, nos Estados Unidos, pesquisadores mostraram fotos de diversas crianças e perguntaram de quem elas queriam ser amigas; um terço das crianças negras disseram que queriam ser amigas apenas das crianças negras, ao passo que 86% das crianças brancas disseram querer ser amigas apenas das iguais a elas.

O que isso significa para quem quer criar filhos antirracistas? Parafraseando o rapper Emicida, em entrevista recente ao programa Roda Viva, que “a gente precisa chegar primeiro”.

Como disse a educadora Beverly Daniel Tatum, o racismo nos envolve como a poluição —às vezes é mais aparente, às vezes mais imperceptível, mas estamos o tempo todo respirando-a.

O mundo nos alimenta e aos nossos filhos constantemente com estereótipos racistas ou com ausências —basta pensar quantas vezes vemos pessoas negras, e de quais maneiras, na literatura, na TV, no cinema, na publicidade, nas artes visuais.

Se Joel Zito Araújo fez um famoso estudo sobre como a telenovela tratou as populações negras do Brasil ("A Negação do Brasil"), qual seria a cara de um raio-x sobre o que nossos filhos consomem na escola e no ambiente doméstico?

uma mãe abraça seu filho, que tem na roupa ícones negros como Itamar Assumpção, Silvio Almeida, Mariele Franco, Milton Santos, entre outros
Luisa Amoroso

Posso compartilhar o que temos feito aqui em casa para tentar “despoluir” um pouco o ar que nossos filhos respiram; ou, de outra maneira, para que eles aprendam a se proteger e a ajudar a transformar o mundo num lugar “ambientalmente” mais adequado para todo mundo.

Literatura infantil pode ser uma grande aliada para ampliar o imaginário tanto de crianças como de pais, naturalizando a potência e o protagonismo negros e educando sobre diversidade.

Uma autora de quem gosto particularmente é a teórica feminista bell hooks, cujos livros infantis de alta qualidade estética e narrativa trazem personagens negros ao centro, celebram a diversidade e focam a autoestima negra. Apenas dois têm tradução no Brasil, ambos pela Boitatá. O que nos leva a uma triste constatação: ainda há pouca diversidade na literatura infantil editada no Brasil pelos principais selos (um cenário ainda pior quando se trata de literatura não traduzida).

Pensando nisso, eu mesma, como mãe negra interessada em literatura, infância e questões raciais, comecei a escrever os livros que gostaria que meus filhos lessem; no centro estão crianças e bebês negros fabulando sobre o mundo ao redor e em relações de afeto com seus pais.

O processo, uma parceria com a editora baiana Solisluna e a ilustradora Luisa Amoroso, foi e está sendo mais complexo do que se poderia imaginar: debates longos sobre tom da pele, textura do cabelo, roupas, ambiente doméstico, cenário, representatividade, colorismo. Tudo compõe uma peça que vai servir para o pequeno leitor decodificar o mundo, então é preciso responsabilidade, cuidado e afeto.

Além disso, tentamos treinar o olhar em casa também por meio dos brinquedos. Quase todas as bonecas aqui em casa são negras com diversas tonalidades de cor de pele e texturas de cabelo – afinal, como diz Sueli Carneiro, não é só a branquitude que é diversa e multicromática.

Há pequenos negócios especializados, como o Preta Pretinha e o Era Uma Vez o Mundo; comprar deles também é apoiar a existência de pequenos negócios tão necessários. Outra coisa que introduzimos aqui em casa é massinha de modelar com diversas tonalidades de cor de pele.

Adicionalmente, também passamos de maneira intencional a diversificar o acervo de imagens aos quais nossos filhos têm acesso, investindo em arte brasileira feita por artistas negros —desde reproduções a originais a preços mais acessíveis.

Um privilégio, claro; mas escolhemos usar nosso privilégio para que nossos filhos crescessem cercado de imagens poderosas de pessoas negras produzidas por artistas como Robinho Santana, Mulambo, Rosana Paulino, Tiago Sant’Ana, Eder Oliveira, Dalton Paula, Walter Firmo, Edgar Azevedo, Renan Benedit.

Para quem quer efetivamente criar filhos antirracistas e não tem experiência vivida, não tem jeito: é preciso investir em letramento racial. É necessário buscar entender o que é racismo, seu papel na construção da sociedade brasileira e a maneira como ele opera.

“Como Ser Antirracista”, de Ibram X. Kendi (Alta Books), e “Pequeno Manual Antirraciscta”, da Djamila Ribeiro (Companhia das Letras), são bons pontos de partida. Assim você estará mais preparado para ajudar seus filhos a enfrentarem talvez o maior desafio do século, ao lado das mudanças climáticas: construir uma sociedade com equidade de fato.

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