Reparação do rompimento da Samarco levará ainda dez anos, diz presidente da Renova

André de Freitas diz que pandemia afetou reconstrução de Bento Rodrigues e que marca de cinco representa incômodo e motivação

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São Paulo

Cinco anos após o maior desastre sociambiental já ocorrido no Brasil, o rompimento da barragem de Fundão, da mineradora Samarco, em Mariana (MG), a previsão é que os trabalhos de reparação durem, ao menos, o dobro desse período, segundo André de Freitas, presidente da Fundação Renova, criada pela Vale e BHP Billiton, acionistas da Samarco.

O desastre deixou 19 mortos. Mais de 500 mil pessoas em 45 cidades de Minas Gerais e do Espírito Santo sofreram os impactos, direta ou indiretamente, depois que a lama tóxica chegou ao rio Doce.

Agora, Freitas diz que há atrasos em algumas áreas, um problema que foi agravado pela pandemia do novo coronavírus. O reassentamento dos moradores de Bento Gonçalves é um deles. Atualmente, apenas um terço dos funcionários trabalha na reconstrução da vila, arrasada pelo rompimento da barragem em 5 de novembro de 2015.

Em outra frente, a recuperação da bacia do rio Doce, o presidente da Renova diz que as águas voltaram à condição anterior ao desastre ambiental. Apesar da falta de concordância do Ministério Público Federal com o diagnóstico da fundação e da Anvisa, o problema agora é a poluição que já existia antes, diz Freitas.

O presidente da Fundação Renova falou à Folha sobre o andamento da recuperação da área e dos pontos de desacordo com o MP sobre as questões ambientais e o pagamento das indenizações devidas aos moradores da região.

*

Qual a qualidade da água da bacia rio Doce hoje?
A qualidade da água voltou. Isso é atestado por nosso sistema de monitoramento, que é o mais sofisticado do Brasil e um dos melhores do mundo. São 92 pontos de monitoramento, e nós olhamos 80 diferentes parâmetros químicos e biológicos.

Graças ao trabalho do Instituto Mineiro de Gestão das Águas [Igam] podemos afirmar que a condição da água voltou ao que era antes do rompimento [da barragem]. A água do rio Doce pode e vem sendo consumida, desde que passe por um processo de tratamento convencional, como a água de qualquer outro rio do Brasil.O desafio ambiental que o rio Doce tem hoje não tem nada a ver com o rompimento, é o esgoto. Nossa estimativa é que todos os anos são lançados 140 milhões de m³ de esgoto na bacia do rio Doce.

Mas há um desacordo entre o Ministério Público e a Fundação Renova em relação à qualidade da água e do pescado.
Temos uma nota técnica da Anvisa, que é muito rigorosa, dizendo que o peixe pode ser consumido, e estabeleceram apenas alguns percentuais. Mas, de novo, não tem nada a ver com rejeitos. Um dos grandes desafios que temos nesse processo de reparação é separar o que são os impactos do rompimento e o que são outras realidades do rio, que atravessa uma região que tem séculos de ocupação humana, garimpo, que usa mercúrio, e esgoto. E não dá para jogar os temas da sociedade brasileira no processo de reparação.

Então quando o Ministério Público diz que a nota técnica da Anvisa não é suficiente para garantir a segurança ele está apontando para um problema que não tem relação com o desastre da Samarco, mas, sim, para um problema de poluição?
Aí tem que falar com o Ministério Público. Não posso falar por eles. Nossa leitura é que a Anvisa é super-rigorosa. Confiamos muito no trabalho que a agência faz. Teria que conversar com o Ministério Público para saber por que eles não acreditam na Anvisa.

E qual sua opinião?
Minha opinião é que os dados de qualidade do pescado que estão na nota técnica da Anvisa mostram que o peixe do rio Doce pode ser consumido. Eu mesmo já comi o peixe do rio Doce, mais de uma vez. O que tem nos estudos de saúde feitos até hoje é que as áreas com rejeito e sem rejeito são iguais. Não existe uma questão de saúde ligada ao rejeito. Não há proibição para a pesca no rio Doce, no Espírito Santo. Em Minas há apenas uma restrição de pesca de espécie nativa, mas não tem nada a ver com a qualidade do pescado.

A recomendação da Anvisa é restringir o consumo do pescado a 200 g para adulto e 50 g para crianças. Então há uma restrição.
Sim, 200 g por dia é uma quantidade razoável. Não tem a ver com o rejeito. Na nossa leitura isso atesta a qualidade da água com relação ao rompimento da barragem de Fundão.

O peixe que você comeu tinha mais de 200 g?
Que eu me lembre não. Mas tem uma questão de limite diário. Se você comer todo dia 200 g... Não é uma ingestão única. Não pesei.

A Fundação Renova tentou cortar o auxílio de 7.000 atingidos. A Defensoria Pública e o MP apontam que há casos de artesãos afetados que não são contemplados, e há um problema no cadastramento das pessoas. Quais as evidências de que elas não foram atingidas?
Até hoje foram pagos mais de R$ 2,6 bilhões em indenizações e auxílios financeiros para mais de 321 mil pessoas. Quem conseguia comprovar que foi impactado pelo rompimento da barragem foi indenizado e vem sendo indenizado. Há um grande desafio que são os casos das pessoas que não têm como comprovar que sofreram danos. Os casos sem comprovação deveriam ser a exceção. O próprio Código Civil fala que quem não tem comprovação de dano não deve ser indenizado.

Para alguns casos conseguimos construir validações alternativas, mas em alguns casos você não consegue fazer. Então fomos estudar outros desastres pelo mundo e trouxemos algo que, na tradução, se chama Justiça Possível. A lógica é que tem uma hora que a técnica [para identificar os direitos] não dá conta de validar algumas realidades. Isso resultou numa decisão da 12ª Vara Federal que estabeleceu um mecanismo pioneiro para a indenização dessas pessoas com baixíssimo poder de comprovação. Houve uma delimitação de casos que existem para serem indenizados.

Esse sistema começou a rodar, criamos uma plataforma online supersimples onde o atingido ou o advogado dele entra, acessa o sistema e tem direito à indenização. E nesse processo já foram indenizadas quase 300 pessoas em dois municípios. Nesse modelo conseguimos abarcar outras categorias [além dos pescadores] e dar uma resposta para que as pessoas sigam com suas vidas.

Como fazer para evitar que pessoas atingidas escapem a esse processo?
No nosso cadastro, a porta de entrada foi desenhada para durar oito meses. Agora, com esse processo, acreditamos que conseguiremos pagar muito mais gente e a conta deve passar de R$ 5 bilhões em indenizações.

Há alegações de pessoas que se sentiram ameaçadas com o corte dos pagamentos durante a pandemia. Qual foi a preocupação da fundação em pagar essas pessoas durante esse período?
O auxílio financeiro emergencial existiu no período pós-rompimento. A cada pedido a gente avalia quais casos fazem sentido ou não. Toda a lógica é de começo, meio e fim, de retomada das atividades. E chegou um momento, muito antes da pandemia, em que se percebeu que havia vários auxílios sendo pagos de maneira indevida. São R$ 1.800 em média que as pessoas vêm recebendo há quase 50 meses.

Aí temos que fazer o correto do ponto de vista de reparação. O que está sendo pago de maneira indevida deve ser terminado. Avaliamos que eram cerca de 7.000 casos em 14 mil auxílios. Na hora de implementar, uma decisão judicial concordou com o caráter indevido desses auxílios mas pediu um processo de saída mais longo. Então os auxílios continuam sendo pagos normalmente hoje e existe um processo muito mais longo de saída.

Qual vai ser o ponto em que a reparação do rompimento da barragem vai estar completa, se é que isso é possível?
São 15 anos de trabalho [no total; quatro já se passaram]. Tem muita coisa feita. Em setembro, passamos o marco de R$ 10 bilhões investidos, mas tem muita coisa pela frente. Temos pelo menos dez anos pela frente. Pensando no esforço de reparação temos grandes investimentos em reparação e entrega em 20, 21 e 22. Temos 42 programas de reparação e vamos entregando paulatinamente. O grosso da reparação vem acontecendo agora e temos 21 e 22 com patamares muito similares. São R$ 10 bilhões de reparação, acreditamos que serão mais R$ 10 ou R$ 12 bi.

O que essa marca de cinco anos representa?
Para mim, é tanto um incômodo quanto uma motivação. O incômodo vem porque apesar de termos muitas entregas feitas estamos atrasados em algumas frentes. E motivação porque cada entrega te motiva mais —esse primeiro pagamento das indenizações, as duas primeiras casas construídas em Bento Rodrigues. Os cinco anos representam esses dois polos.

Quantas casas foram entregues em Bento Rodrigues?
Antes da pandemia tínhamos a previsão de terminar 2020 com 85% do reassentamento reconstruído. Veio a pandemia, tivemos que parar a obra e ela foi voltando paulatinamente. Era para ter 3.000 trabalhadores lá, mas temos mais ou menos mil. Isso não é economia, vai custar mais. É uma realidade que tivemos que nos ajustar.

Mudamos o foco no reassentamento e vamos terminar o ano com 95% da infraestrutura construída, ruas pavimentadas, esgoto, água, iluminação. Isso permite que a gente entre com força total nessa outra fase, que são as casas. Há 37 sendo construídas. Duas estão prontas e devemos terminar o ano como cinco. Com a parte da infraestrutura resolvida aí é foco total na entrega das casas em 2021.

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