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Justiça proíbe despejo de cadelinhas Branquinha e Pretinha dos Correios do RS

Ação popular foi movida por funcionários em Porto Alegre

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Juliana Lisboa
Porto Alegre

Foi em meados de 2021 que integrantes da chefia dos Correios de Porto Alegre, descontentes com a presença de duas cadelas em uma unidade operacional da cidade, decidiram despejá-las: mandaram destruir as casinhas de ambas e o envio delas para um abrigo qualquer, desde que fosse longe de lá.

Não imaginavam eles, porém, que as duas cadelinhas de raças indefinidas, chamadas carinhosamente de Branquinha e Pretinha, tinham ganhado ali, nos mais de dez anos de convivência, um punhado de amigos humanos dispostos a lutar por elas —mesmo que fosse preciso ir aos tribunais. O que aconteceu.

Dois funcionários tomaram a frente em uma batalha judicial e, com ajuda de um advogado especializado, ingressaram com uma ação popular na Justiça Federal para mantê-las ali. Conseguiram, desde então, duas decisões provisórias favoráveis (1º e 2º instâncias) e, na última quarta (16), uma decisão de mérito.

A cadela Branquinha passa o dia circulando pelas instalações do complexo dos Correios, em Porto Alegre
A cadela Branquinha passa o dia circulando pelas instalações do complexo dos Correios, em Porto Alegre - Juliano Dutra/Arquivo Pessoal

"Tentaram retirá-las do seu local de moradia à força e conduzi-las para um abrigo", diz Sidney Galgaro, um dos servidores que ingressaram na Justiça.

Por meio de nota, os Correios informaram que se manifestarão em juízo.

A juíza da 9ª Vara Federal de Porto Alegre, Clarides Rahmeier, decidiu na última quarta-feira dar ganho de causa aos amigos das cadelinhas e determinou que ambas permaneçam onde estão. Para a magistrada, depois de tantos anos convivendo naquela unidade dos Correios, elas criaram laços efetivos com os funcionários e uma mudança poderia ser prejudicial a elas.

Como se trata de decisão de primeiro grau, ainda cabe recurso.

Na briga judicial com os funcionários, os chefes dos Correios alegam que o local é inapropriado para o convívio de animais, pelo risco de atropelamento dos veículos que acessam o pátio e, ainda, a possibilidade de ataques a transeuntes.

Também alegaram que as duas cadelas não estavam há tanto tempo assim no local e, assim, não tinham vínculos tão fortes que não pudessem ser quebrados.

Ao longo do processo, porém, mais de 40 funcionários prestaram depoimento para atestar que ambas estão ali havia mais de dez anos. Chegaram entre 2010 e 2013 e, assim, eram de casa. Eram tratados carinhosamente por todos, numa espécie de guarda compartilhada.

"Elas circulam por todo o complexo, mas passam a maior parte do tempo junto ao pórtico de entrada, onde estão suas casinhas e recebem alimentação", conta.

"Cuidam do seu território, latindo para outros cachorros que por ventura passem na rua em frente. Com os funcionários e visitantes, são dóceis e fazem festa para os que lhes dão atenção", afirma diz Sidney Galgaro.

Galgaro relata que, além de não causarem prejuízo à empresa, os animais tornam o ambiente mais agradável. Durante a coleta de depoimentos para compor o processo, ele conta que "funcionários mencionaram a alegria de serem recebidos por elas na chegada ao trabalho."

"Aqui elas têm toda a liberdade para andar e ficar no pátio inteiro", relata Juliano Dutra, um dos funcionários dos Correios autores de uma ação popular que conseguiu na Justiça a permanência das fêmeas no local.

Um dos argumentos utilizados na ação é a de que os dois animais são comunitários, pertencentes ao local onde vivem.

O Rio Grande do Sul conta com uma lei estadual (n° 15.254/19) que dispõe sobre animais comunitários, definidos no texto como "aquele que estabelece com a comunidade em que vive laços de dependência e de manutenção".

Pretinha também é querida pelos funcionários dos Correios e permanecerá no local após a decisão judicial
Pretinha também é querida pelos funcionários dos Correios e permanecerá no local após a decisão judicial - Juliano Dutra/Arquivo Pessoal

A lei permite o abrigamento dos animais comunitários, com a colocação de casinhas em vias públicas, escolas públicas e privadas, órgãos públicos e empresas públicas e privadas, desde que haja autorização e responsável pelo local. A legislação foi mencionada no processo como base para deliberações.

Na decisão, a juíza ressalta que a "sentença acompanha os recentes julgados que vêm sendo proferidos no Brasil e no contexto internacional, ao se reconhecer que animais são seres sencientes, com sentimentos, e com direitos perante a lei."

Ela cita ainda que a distinção leva em consideração "a quase total ausência de prejuízos aos Correios em manter as duas cadelas Pretinha e Branquinha nas dependências da empresa pública."

De acordo com o advogado dos funcionários, Rogério Rammê, os servidores forneceram declarações que comprovam o fato de os animais serem cuidados e alimentados nas dependências do complexo há cerca de uma década.

Ele festeja a decisão e destaca o precedente aberto. "Estamos muito felizes com o julgamento do caso. Foi feita justiça aos direitos de Pretinha e Branquinha, além de ser um precedente importantíssimo para todos que lutam pelos direitos dos animais em nosso país."

O entendimento do advogado é de que a decisão privilegia o bem-estar físico e psicológico dos cães.

As cadelas Branquinha e Pretinha vivem há cerca de dez anos nas instalações do complexo dos Correios, em Porto Alegre
As cadelas Branquinha e Pretinha vivem há cerca de dez anos nas instalações do complexo dos Correios, em Porto Alegre - Juliano Dutra/Arquivo Pessoal

Pareceres de médicos veterinários presentes nos autos do processo indicaram que a remoção dos animais, ambos com idade avançada, geraria estresse e sofrimento, uma vez que haveria quebra do vínculo afetivo criado com os responsáveis pelo seu cuidado e a mudança do ambiente em que vivem.

Além de levarem comida, Galgaro ressalta que "há uma caixinha para gastos com veterinário, em que todos contribuem de acordo com suas possibilidades". Já o advogado lembra que não há histórico do envolvimento das cachorras em acidentes ao longo dos anos em que estão no local.

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