Aquário do Pantanal fica pronto com quase uma década de atraso

Local abre para visitas em maio; projeto foi paralisado por denúncias de corrupção e custou mais que o dobro do planejado

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Obras do Aquário do Pantanal, de Campo Grande, terminaram, mas local só abre para o público em maio Chico Ribeiro/Divulgação

São Paulo

Era maio de 2011 quando o governo do Mato Grosso do Sul anunciou a autorização para construção do propagandeado maior aquário de água doce do mundo, antes conhecido como Aquário do Pantanal. Quase 11 anos depois, nesta segunda-feira (28), a imponente obra finalmente será inaugurada, rebatizada de Bioparque Pantanal. A abertura para o público geral, porém, ainda levará mais tempo e só ocorrerá em 1º de maio.

Os anos foram marcados por uma operação do MPF (Ministério Público Federal) que apontou irregularidades na atrasada construção, denúncias de corrupção envolvendo o ex-governador André Puccinelli (MDB), sob o governo do qual a obra foi lançada e começou, e um preço final muito superior à licitação inicial.

Além disso, os animais passaram anos em aquários provisórios, aos cuidados de equipes de pesquisa que buscavam a correta adaptação dos bichos. Alguns, inclusive, ameaçados de extinção.

O projeto do edifício circular é de Ruy Ohtake, filho da artista Tomie Ohtake e renomado idealizador de prédios da capital paulista. O arquiteto morreu em 2021 e sem ver a abertura do aquário à população —segundo ele mesmo, muito afeita às suas obras.

O aquário, localizado no parque das Nações Indígenas, em Campo Grande, tem 32 tanques (24 internos e oito externos) destinados aos peixes do Pantanal, que compõem cerca de 80% das espécies das instalações. Há também animais da Amazônia, da América do Norte, da África, da Ásia e da Oceania, que foram importados para viverem no local.

Visão interna de uma área do aquário
Aquário do Pantanal, rebatizado de Bioparque Pantanal, em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul - Edemir Rodrigues/Divulgação

A obra que, inicialmente, era orçada e foi licitada por R$ 84,7 milhões e com duração de 900 dias acabou custando mais de R$ 200 milhões aos cofres do Mato Grosso do Sul, segundo a administração atual, do governador Reinaldo Azambuja (PSDB), e teve atraso de quase uma década.

Em meio à demora e ao aumento de custos, uma operação do MPF chamada Lama Asfáltica apontou, em uma série de denúncias nos últimos anos, possíveis irregularidades em contratações relacionadas à construção do aquário e a outras obras e fatos que envolviam o governo Puccinelli, que chegou a ser preso preventivamente.

Em setembro do ano passado, em uma entrevista à rádio Capital 95 FM, Puccinelli afirmou que a prisão preventiva foi ilegal e não tinha motivação. "Não tenho condenação nenhuma até agora. Então, condena primeiro, pelo menos em primeira instância. Naquele momento, foi um ato político", afirmou o ex-governador. Ao Portal Correio do Estado, sobre as acusações da Lama Asfáltica, Puccinelli disse que era inocente.

Nas denúncias do MPF relacionadas ao aquário, a procuradoria aponta que a empresa que inicialmente deveria fazer a obra transferiu ilegalmente e "com o expresso apoio do Governo do Estado de Mato Grosso do Sul, por intermédio da Agesul [Agência Estadual de Gestão de Empreendimentos]", todos os deveres e direitos para uma outra companhia, pressionada por esta e pela Agesul. Novamente segundo o MPF, haveria a certeza entre os envolvidos no caso de uma "pactuação, entre o Governo do Estado de Mato Grosso do Sul/Agesul e a então executora da obra, de um termo aditivo de valor".

Foram 5 aditivos contratuais ao todo, um dos fatores que levou ao aumento de custo do projeto. Além disso, citando a CGU (Controladoria-Geral da União) o MPF aponta que cerca de dois terços dos serviços planejados inicialmente na construção foram "reprogramados". Isso significa tirar do projeto uma série de itens e incluir outros que, diz a procuradoria, "não passaram por licitação".

Em meio a tudo isso, as obras foram paralisadas por anos e só retomadas em 2019.

Mas a história não acaba por aí. A operação Lama Asfáltica foi colocada em xeque por decisões judiciais recentes, que se seguiram à declaração de parcialidade do ex-juiz Sergio Moro pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

Em dezembro do ano passado, a Quinta Turma do TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região) declarou a suspeição do juiz federal Bruno Cezar da Cunha Teixeira —que cuidava das ações relacionadas à Lama Asfáltica— em uma das ações envolvendo o ex-deputado federal Edson Giroto (MDB) —que foi secretário estadual de Obras Públicas e de Transportes no governo Puccinelli— e anulou todos os atos decisórios desde o recebimento da denúncia.

A decisão veio após a defesa de Giroto alegar que Teixeira teria agido com "excesso de eloquência acusatória", com "postura claramente inquisitória ou acusatória" durante o depoimento de três testemunhas da defesa. O magistrado, à época, negou as acusações e disse não existir comprometimento de sua imparcialidade.

Com a decisão do TRF-3, foram suspensos os processos relacionados ao ex-governador, que já é pré-candidato ao governo estadual do Mato Grosso do Sul.

"Não é minha competência julgar, mas todos nós reprovamos a forma como se conduziu a construção do Aquário do Pantanal, hoje com novo nome, Bioparque Pantanal", afirmou por email à Folha Reinaldo Azambuja, que recentemente declarou que não deve se candidatar a nenhum cargo eletivo nas eleições deste ano.

O governador relembra das suspeitas de malversação de recursos e diz que, entre construir um aquário e um hospital, escolheria o segundo.

De toda forma, segundo ele, o processo licitatório e as obras do aquário foram retomadas após autorização da Justiça. "A obra foi concluída e agora está sendo entregue à população", disse Azambuja. "E o que nós aprendemos com tudo isso? A necessidade de planejamento, seriedade, transparência e responsabilidade na gestão pública. A melhor e mais necessária obra não é aquela da preferência do gestor, mas sim aquela que atenda às necessidades da população, que promova o bem coletivo."

Como está a água?

Enquanto todos os problemas jurídicos se desenrolaram, os peixes já estavam na água. Considerando que a obra era para ter sido entregue em 2013, já havia milhares de animais esperando, em um espaço provisório, que a nova casa fosse concluída.

O biólogo Heriberto Gimênes Junior acompanha os peixes nos tanques provisórios desde 2015 e chegou a duvidar, em alguns momentos, que o aquário um dia realmente fosse sair. Segundo o ictiólogo, o pensamento era de que, "independente do aquário, o nosso laboratório vai funcionar".

Foi isso que acabou virando o espaço provisório: o laboratório de Ictiologia que, mesmo com a conclusão do aquário, será mantido pelo Imasul (Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul), segundo Gimênes Junior, coordenador técnico. Os pesquisadores que ali trabalham conseguiram reproduzir 63 espécies. "Tem bichos que vemos aqui que acompanhamos desde o ovinho e já estão com três anos dentro do tanque", diz.

O especialista afirma que, mesmo em instalações provisórias, os peixes não sofreram e que o período sem um aquário definitivo foi usado para estudo de protocolos de manejo (comportamento, alimentação, reprodução) dos animais.

Gimênes Junior conta, por exemplo, da complexidade de adaptação e reprodução em cativeiro do cascudo-viola (Loricaria coximensis), peixe endêmico do rio Coxim e criticamente em perigo de extinção.

O novo aquário agora conta com 187 espécies só do Pantanal. Somadas às de outras áreas do mundo, o local tem cerca de 220 espécies de animais.

O cascudinho ameaçado é, dentro do aquário, um dos animais preferidos do biólogo. "Entra nisso a parte da conservação de espécies. Isso é um dos pilares de um aquário público. A conservação, a educação ambiental, o bem-estar e o lazer", diz.

Mas a queridinha do aquário é a Jussara, uma simpática arraia (Potamotrygon falkneri) que costuma comer na mão dos pesquisadores.

E, mal estreou, a casa nova já tem novos moradores. O coordenador do laboratório conta que já aconteceu a primeira reprodução no aquário. E se trata de uma nova espécie de lambari, que ainda não foi descrita. Ela foi descoberta há pouco tempo por cientistas em uma expedição em afluentes do rio Correntes, entre os estados do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul.

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