Sem apoio da prefeitura, blocos de SP anunciam intenção de desfilar no feriado de Tiradentes

Gestão municipal alega que não há mais tempo hábil para organizar festa na rua

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São Paulo

O Carnaval fora de época vai acontecer durante o feriado de Tiradentes, de 21 a 24 de abril. Durante estes dias, em São Paulo, acontecem desfiles das escolas de samba no sambódromo do Anhembi. Também foram anunciados blocos no vale do Anhangabaú, no centro de São Paulo, em um evento organizado pelo Acadêmicos do Baixo Augusta.

No Ibirapuera, na zona sul, a festa será celebrada pelo Carnaval Viva a Rua, realizado pelo coletivo Pipoca, e vai reunir nomes como Elba Ramalho, Monobloco, Orquestra Voadora, Geraldo Azevedo e Luedji Luna.

A cantora Anitta se apresenta pela primeira vez com seu bloco na avenida Pedro Álvares de Cabral, no parque Ibirapuera, em São Paulo
A cantora Anitta se apresentou, em 2020, pela primeira vez com seu bloco na avenida Pedro Álvares de Cabral, no parque Ibirapuera, em São Paulo - Eduardo Knapp/Folhapress

Mas, a cidade deve ter outras celebrações. É o que indica um manifesto divulgado, nesta segunda-feira (4), e assinado por seis coletivos de blocos de rua de São Paulo, são eles Abasp (Associação das Bandas Carnavalescas de São Paulo), Arrastão dos Blocos, Comissão Feminina, Fórum dos Blocos, Ubcresp (União dos Blocos de Carnaval de Rua do Estado de São Paulo) e Ocupa SP.

Ao todo, os grupos representam mais de 420 blocos da capital. Na carta, eles anunciam a intenção de ir para rua durante o feriado prolongado. "Nossa festa vai tomar forma e acontecer nas ruas, esquinas, vielas e praças de nossa cidade como sempre aconteceu."

No entanto, em nota, a Prefeitura de São Paulo diz que o Carnaval de rua foi cancelado no início do ano e o decreto permanece em vigor. "Tanto é que os próprios blocos se anteciparam e optaram pelo cancelamento", diz a gestão de Ricardo Nunes (MDB).

Além disso, diz o poder público, não há mais tempo hábil para organizar os desfiles na rua, "evento que exige meses de planejamento antecipado".

"A Prefeitura espera que a entidades que representam os blocos de carnaval de rua respeitem as decisões anteriores e, assim, evitem eventos sem o aval e a organização por parte do poder público para não colocar as pessoas em risco absolutamente desnecessário", completa a nota.

Por outro lado, coletivos afirmam que, durante os piores períodos da pandemia, respeitaram as orientações sanitárias e ficaram em casa. "Nos dias atuais, o cenário sanitário parece promissor e estável", diz a carta, que aponta que festivais, campeonatos esportivos, eventos religiosos e de negócios estão acontecendo normalmente.

O manifesto diz ainda que "o sambódromo já está com a festa marcada e não há justificativa para proibir o Carnaval de rua livre, diverso e democrático, nesse abril de 2022." Os coletivos dizem ainda que contam com a lei a seu favor, uma vez que "a garantia da manifestação livre é um direito constitucional".

"A situação passou todos os limites da hipocrisia, tá tudo liberado, mas não se fala em Carnaval de rua, a prefeitura não fez o menor esforço de dialogar com os blocos", diz Lira Ali, integrante do Coletivo do Arrastão dos Blocos.

De acordo com Ali, mais de cem blocos estão dispostos a tomar as ruas da cidade. "Temos conversado sobre como iríamos sair. No geral, temos pensado em formatos menores, com menor divulgação e com a colaboração entre os blocos." Ela afirma ainda que os coletivos têm diálogo junto a organizações de catadores dos territórios onde os blocos desfilariam.

"Se eles conseguirem pegar as latinhas, a gente reduz a problemática do lixo e vamos nos organizar como sempre fizemos", diz ela que critica a organização da Prefeitura de São Paulo sobre a festa de rua mesmo em momentos pré-pandêmicos: "A cada ano que passa tem mais regra e mais coerção, sendo que a essência do Carnaval é a liberdade."

Ali afirma ainda que apesar da imensa vontade de sair nas ruas, muitos ainda estão em fase de discussão para entender se devem ou não sair nas ruas. "Mesmo quem não vai sair defende que todos devem ter direito de sair", diz ela.

Além de integrante do Coletivo do Arrastão dos Blocos, Ali também participa do bloco Vai Quem Quer, que ainda deve definir se vai sair ou não. "Todo mundo tá louco para sair, o Carnaval é a nossa religião e a gente não saiu nos dois últimos carnavais."

Os desfiles das escolas não ocorreram em 2021 e também não aconteceram na data original, em fevereiro de 2022, em decorrência da variante ômicron, que superlotou a rede pública de saúde no fim do ano passado e no início deste, com altas taxas de transmissão do vírus da Covid-19. Por isso, foi adiado para o feriado de abril.

Durante o feriado de fevereiro, em São Paulo, festas privadas aconteceram normalmente em diferentes pontos com ingressos que custaram até R$ 1.500. Na capital paulista, blocos improvisados ocorreram de forma tímida nas ruas, diferente do Rio de Janeiro, onde foliões lotaram as ruas do centro da capital fluminense.

Historiador e pesquisador da cultura popular brasileira, Bruno Baronetti analisa que a festa mais popular do país é o momento em que a população pode sair às ruas.

Baronetti compara que eventos privados já estão acontecendo e foi anunciado a retirada de máscara, "mas quando a gente fala de samba e festividade da população pobre e negra vem a discussão que foi o Carnaval que trouxe a Covid para o Brasil."

Para ele, a pandemia serviu para evidenciar um preconceito antigo em relação ao feriado do Carnaval. "O povo na rua nunca agradou os donos do poder. Sabemos que sátiras vão acontecer, assim como críticas, e isso incomoda tanto as autoridades quanto a classe média que não quer ver festa na porta de sua casa", diz ele.

O historiador lembra ainda que a rua é, tradicionalmente, vista pela sociedade como o "lugar de circulação de atividades produtivas. Quando se está fazendo uma atividade lúdica na rua, sempre vai ter esse ruído."

"Ocupar o espaço público é um ato de resistência política hoje em dia", diz ele. "Vamos continuar nessa luta. Há uma mensagem política que defendemos que qualquer pessoa que queira se manifestar pode fazer isso com segurança porque vivemos num país democrático."

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