Descrição de chapéu Rio de Janeiro

Família tenta provar inocência de adolescente morto com cinco tiros na Vila Cruzeiro

Ele foi um dos mortos na segunda operação mais letal do Rio de Janeiro

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Rio de Janeiro

Vanessa Silva, 35, diz conviver com duas dores desde a última terça-feira (24). A primeira tem a ver com o luto pela morte de João Carlos Arruda Ferreira, seu sobrinho de 16 anos que foi uma das 23 pessoas mortas durante uma operação policial na Vila Cruzeiro.

A segunda dor ela diz sentir ao ver o nome do estudante ser associado à criminalidade. Segundo a auxiliar de serviços gerais, o adolescente era um jovem tímido, tranquilo e sem qualquer envolvimento com o tráfico, o que contraria a versão inicial da Polícia Militar.

Criança com camisa da escola posa para foto
João Carlos Arruda Ferreira, 16, morreu durante operação policial na Vila Cruzeiro, na última terça-feira (24) - Arquivo pessoal

"Ontem mesmo, eu estava vendo os comentários na internet sobre a situação do João e uma pessoa disse que, se estava junto com bandido na mata, então era bandido. Eu queria responder, mas não tive força."

João não tinha anotações criminais, segundo a Polícia Civil. Também não constava num documento interno da PM que lista o nome e os antecedentes de dez das pessoas mortas na ação do Bope (Batalhão de Operações Especiais da PM), em conjunto com a PRF (Polícia Rodoviária Federal). ​

A família do adolescente diz que, por volta das 9h desta terça, o jovem estava com o irmão, o mototaxista Washington Patrício, 29, no Morro dos Mineiros, favela próxima à Vila Cruzeiro. Quando uma passeata de moradores contra a operação passou por eles, os dois se perderam um do outro.

Parte desse grupo seguiu em direção a uma área de mata que fica no alto de um morro na divisa entre o bairro da Penha e o Complexo do Alemão. O objetivo do grupo, diz Vanessa, era socorrer pessoas que haviam sido baleadas durante o confronto e que estariam na mata.

João, então, teria acompanhado o grupo até a localidade. "Só que, na mata, o pessoal disse que o blindado entrou dando tiro. Essa foi a hora do corre-corre. O pessoal entrou no mato e foi quando o João se perdeu de todo mundo."

Segundo ela, o adolescente foi encontrado baleado com cinco tiros em uma outra área, distante trinta minutos de onde teria havido o corre-corre.

Socorrido por um mototaxista, o jovem chegou a ser levado com vida para a UPA (Unidade de Pronto-Atendimento) do Complexo do Alemão, mas não resistiu aos ferimentos.

A família agora busca saber o que aconteceu entre o instante em que João estava na mata com os moradores e o momento em que foi encontrado baleado. "A gente só quer saber o que aconteceu e quem foi que fez isso."

Em nota, a PM diz que todos os aspectos relacionados à operação estão sendo investigados pela Polícia Civil. Além disso, a corporação diz que a corregedoria acompanha e colabora integralmente com todos os procedimentos.

Enterro com cruzes no chão
Divone Ferreira, mãe de Gabrielle Ferreira da Cunha, 41, é consolada no enterro da filha, baleada em comunidade vizinha à Vila Cruzeiro - André Borges - 25.mai.2022/AFP

Vanessa conta que João acumulou perdas ao longo da vida. Primeiro morreu o pai, que ele nem chegou a conhecer, depois a mãe e dois irmãos.

A paixão do jovem, diz ela, eram os passarinhos que ele criava em gaiolas. "Tanto que o irmão achou a gaiola dele no meio do mato, porque o João subiu com ela", diz Vanessa, que não contou ao filho de seis anos sobre a morte do sobrinho. O menino quer ser policial quando crescer.

"Como eu falo para o meu filho o que aconteceu com o João?", questiona ela. "Já é difícil criar um filho dentro da comunidade, ainda mais quando é preto, porque está sujeito a tudo. Tenho um filho de 18 anos que é motáxi e ele já sofreu covardias por ser preto e da comunidade. Isso me revolta e me dá medo."

Ouvidor-geral da Defensoria Pública, Guilherme Pimentel diz que o racismo de fato ajuda a explicar a violência policial em favelas. "A gente observa nessas operações uma continuidade histórica do nosso passado de colonização escravocrata. O que a gente vê não são operações de segurança pública, mas sim verdadeiras caçadas humanas dentro de favelas e periferias."

Ele diz que a operação na Vila Cruzeiro violou uma série de direitos. "Tudo o que a gente recebeu desde o início da manhã de terça-feira (24) apontava para uma verdadeira crise humanitária", afirma ele. "Foi uma violação generalizada de direitos."

Além das vítimas fatais e dos feridos, Pimentel diz que muitos moradores perderam o direito à educação, já que 19 escolas da rede pública tiveram que fechar as portas. Também houve quem não conseguiu sair de casa para trabalhar ou ir a consultas médicas. "O dano é incalculável."

Os representantes da Defensoria Pública estão acolhendo famílias que perderam entes queridos nos confrontos. Segundo Pimentel, o órgão vai promover assistência jurídica a elas, tanto para acompanhar as investigações quanto para pedir eventuais reparações.

A família do estudante João Carlos é uma das que estão sendo acompanhadas. Vanessa, a tia do jovem, diz que dói ver a reputação do sobrinho ser posta em xeque.

"Ele está sendo julgado junto com os criminosos e a gente sabe que é uma pessoa inocente. A nossa luta é incansável e vai até o final para provar que ele é inocente, que ele era uma criança."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.