Descrição de chapéu tecnologia machismo

Medo de 'esquerdomachos' divide mulheres sobre app progressista

Lefty, ferramenta de paquera lançada em setembro, afasta usuárias que querem escapar de pretendente só desconstruído no discurso

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São Paulo

Lançado há pouco mais de um mês, o Lefty, aplicativo brasileiro de relacionamentos para pessoas de esquerda, tem dividido mulheres desse lado do espectro político.

O motivo: receio em relação aos "esquermachos" ou "feministos", termos utilizados pela auxiliar de farmácia Camila Vieira, 21, moradora do Grajaú, no extremo sul de São Paulo.

As expressões se referem a homens identificados como progressistas que se dizem defensores dos direitos de minorias, especialmente das mulheres, para atrair o sexo oposto, mas se contradizem em suas atitudes.

Camila é uma mulher negra de cabelos curtos e cacheados. Ela usa um vestido preto com decote em V e segura seu celular.
Camila Vieira, 21, é uma das mulheres de esquerda que utilizam aplicativos de relacionamentos e se dividem sobre o uso ou não do Lefty - Gabriel Cabral/Folhapress

Lançado pela startup Similar Souls do Brasil, o Lefty tem o intuito de "acelerar o processo e conectar pessoas que possuem ideias e valores semelhantes, como respeito à diversidade de identidade de gênero, raça e religião, o interesse pelas diferentes expressões de arte e cultura, a defesa da natureza, a busca do bem-estar social e dos direitos humanos", como expica, em nota, a plataforma.

Disponível para aparelhos Android, o app tem mais de 10 mil downloads já realizados.

Segundo a psicologa Larissa Queiroz, que escreve no blog feminista Não Me Kahlo, "os esquerdomachos são bem versáteis, falam sobre arte, política, filosofia, relações não monogâmicas, futebol e feminismo–daí o 'feministo'. Eles defendem coisas que se parecem muito com as coisas que você defende".

"Até aí, tudo bem. Mas e quando o cara é tudo isso e é, também, extremamente abusivo?", questiona. "Vocês vão sair e ele vai elogiar você, mas vai dar a opinião dele também, sem você pedir, mas vai. E quando você tentar contrapor, ele vai dizer que você não entendeu o que ele disse, até porque ele é um feminista", diz Queiroz.

"Ele vai olhar a notificação do seu celular, ele vai perguntar quem foi o cara que você curtiu a foto. Ele vai se incomodar porque seu amigo gay beijou outro cara na festa. Vai dizer que foi para chamar atenção, mas que não tem nada contra, ele até tem amigos que são gays. São várias contradições", completa a profissional.

Camila Vieira se declara uma mulher de esquerda. "Tão de esquerda quanto feminista", ressalta. Desde meados de 2020, ela utiliza o Tinder, o mais conhecido dos aplicativos de paquera, com uma pequena pausa para viver um relacionamento que acabou no início deste ano.

Para ela, sair com alguém com pensamentos próximo ao seu é mais confortável, mas não um requisito. Seu único temor é se deparar com o tal esquerdomacho.

"Eu acho até legal que apoiem certas causas benéficas para as mulheres, mas, ao mesmo tempo, são muito chatos. Eles querem saber mais que nós, que passamos por situações de desconforto diariamente. Isso continua sendo um pouco machista", declara a assistente de farmácia.

Camila viu o anúncio de lançamento da plataforma Lefty, mas só o pensamento de ter que lidar com homens como os que descreveu a fez passar longe da loja de aplicativos de seu aparelho.

A funcionária pública Barbara Luna, 30, moradora do centro de São Paulo, também é uma usuária assídua de apps de namoro. Durante muito tempo, ela, assim como Camila, utilizou o Tinder, plataforma que considera hostil.

"Tinha muita agressividade na hora de flertar, muitos caras agressivos no sentido de não querer meninas assim ou assado, às vezes até ofendendo. E, na hora do flerte, uma agressividade no sentido de partir para assuntos sexuais sem perceber se havia espaço para isso", declara.

Atualmente, Barbara, que declara ser de esquerda, utiliza o Bumble, plataforma em que o usuário pode personalizar suas preferências por espectro político. Ela afirma que os homens de esquerda costumam ser mais respeitosos, mas fica atenta pela má fama deles.

"Eu acho que eles têm essa imagem ruim justamente por conta de uns que se aproveitarem do discurso para flertar, sendo que não praticam o que falam. Então sempre rola uma desconfiança de 'o discurso tá bonito, mas vamos ver se a atitude é isso mesmo'. Fico atenta", diz ela.

Apesar disso, Barbara afirma que o pretexto do Lefty lhe agrada e vai testar o aplicativo.

A administradora Gabriela de Paula, 20, moradora de Guarulhos, na Grande São Paulo, diz que, "embora tenha toda essa questão de os ditos esquerdomachos serem meio estranhos ou agirem por certa conveniência, eles ainda são mais suportáveis que muito homem de direita".

Gabriela, que se diz progressista, utiliza plataformas de encontro há mais de um ano e afirma só sair com homens que se posicionem à esquerda. Assim que soube da existência do Lefty, ela, como Barbara, ficou interessada em instalar e conhecer.

"Até porque com eles [homens de esquerda] a gente já sabe o que esperar devido ao estereótipo. Diferente de homens de direita, que na maioria das vezes são totalmente imprevisíveis", afirma Gabriela.

O problema, para ela, está na superficialidade que acompanha alguns homens progressistas, mas ela alerta que nem todos seguem o arquétipo.

"No geral, os esquerdomachos se acham mais cultos e mais evoluídos, quando ainda continuam com preceitos machistas. Eles pagam de desconstruídos, mas o conhecimento que eles buscam acaba sendo seletivo e as pautas que defendem são por conveniência. Não são todos, mas eles estão por aí e não são poucos", declara a jovem.

Ferramentas como o Lefty, que buscam unir pessoas de um mesmo nicho, têm se tornado cada vez mais populares no país. Em 2019, foi lançado o PTinder, página também voltada para a esquerda. Já na última sexta-feira (14), o Denga, primeiro aplicativo de relacionamentos para pessoas negras desenvolvido no Brasil, foi ao ar.

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