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Interior do RS dá trabalho para mais da metade de seus presos

Convênios com prefeituras vêm ganhando cada vez mais adesão; detentos recebem salário e remição de pena

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Santa Cruz do Sul (RS)

O Homem na Estrada, história contada em música pelos Racionais MC's, retrata a vida de não apenas um, mas de milhares de brasileiros privados de liberdade que vislumbram um recomeço longe do mundo do crime. No Rio Grande do Sul, iniciativas envolvendo a Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe) e municípios têm criado oportunidades de trabalho prisional como forma de ressocialização dessas pessoas.

Na área de abrangência da 8ª DPR (Delegacia Penitenciária Regional), o investimento e qualificação do eixo de tratamento penal é uma das prioridades. Além das possibilidades de qualificação e de atividade laboral dentro dos presídios, convênios com prefeituras vêm ganhando cada vez mais adesão e admiração não somente dos gestores públicos, mas também da comunidade.

Homem de costas usa colete azul, calça jeans e boné vermelho enquanto varre uma rua no ninterior do Rio Grande do Sul
O apenado Lucio (nome fictício), 46 anos, varre praças em Venâncio Aires (RS); ele esperou 1 ano e 8 meses para ter a oportunidade de trabalhar, o que considera um recomeço - Alencar da Rosa

Os presídios femininos dos municípios de Lajeado e Rio Pardo, os presídios masculinos de Venâncio Aires, Santa Cruz do Sul e Lajeado e o Instituto Penal de Monitoramento Eletrônico possuem, ao todo, 905 apenados exercendo algum tipo de atividade laboral. Representam 56% do total.

O trabalho pode ser desde uma simples atividade de limpeza e conservação da casa prisional até serviços gerais do município, com recebimento de salário. Ambas as alternativas são realizadas após autorização judicial.

Conforme dados do Depen (Departamento Penitenciário Nacional), o número total de custodiados no Brasil é de 661.915 em celas físicas e 175.528 em prisão domiciliar.

"Os presos em celas físicas são aqueles que, independentemente de saídas para trabalhar e estudar, dormem no estabelecimento prisional. Já os presos em prisão domiciliar são os que cumprem pena em casa e podem ou não usar equipamentos de monitoração eletrônica", explica a assessoria de comunicação do Departamento.

Quanto ao número de apenados em atividade laboral, são 161.247 presos que estão em celas físicas e 7.778 que estão em prisão domiciliar, totalizando 169.025 —20% trabalham. O Rio Grande do Sul é o segundo estado com maior número de apenados em trabalho prisional, com 25.807, perdendo apenas para São Paulo, que tem 35.296.

A psicóloga e coordenadora técnica da 8ª DPR, Pauline Schwarzbold, explica que as prefeituras que possuem interesse em utilizar mão de obra prisional assinam convênio com o Estado.

"Estipula-se número de pessoas que irão trabalhar e valor do salário a ser pago. A carga não pode ser superior a oito horas diárias", diz.

Pela lei, a pessoa privada de liberdade recebe no mínimo 75% do salário mínimo nacional, sendo que disso, 10% é reservado ao Fundo Penitenciário. Além do salário, o apenado que executa uma atividade prisional tem remição de pena garantida na legislação.

"A cada três dias trabalhados, um dia remido", explica Pauline. Normalmente, os apenados passam por treinamento. "Alguns já possuem o conhecimento prático ou habilidade para a função, outros precisam aprender."

Segundo Pauline, normalmente, quem está vinculado aos convênios de trabalho assinados entre prefeituras e estado está em regime semiaberto, pois facilita o deslocamento entre o presídio e o local de trabalho, já que não precisam estar escoltados.

Quanto às pessoas em monitoramento eletrônico, todos que possuem emprego comprovado têm direito a deslocar-se para o trabalho. "O monitorado precisa manter atualizado seu endereço e seguir a rota de deslocamento informada, além dos horários."

A oportunidade do trabalho prisional faz parte do grupo de políticas públicas que busca garantir direitos às pessoas em cumprimento de pena e proporcionar a eles condições de uma reinserção social que evite reincidência.

"É uma oportunidade de serem produtivos, de ocuparem o seu tempo e também de se organizarem para a saída, tendo aprendido algo a mais que lhes possibilite conseguir um emprego", declara a psicóloga.

Além disso, no trabalho realizado durante o cumprimento das penas, muitos acabam desenvolvendo habilidades que sequer sabiam que tinham, aumentando a autoestima.

Com a utilização de tornozeleira eletrônica, Lucio (os nomes dos apenas são fictícios para preservá-los), 46, de regime aberto da Penitenciária Estadual de Venâncio Aires, trabalha com serviços de limpeza e manutenção de praças no Centro de Venâncio Aires, a 130 km de Porto Alegre.

A nova etapa, tendo esperado um ano e oito meses pela oportunidade, chegou também com o interesse de estudar. A volta às lições do ensino médio, segundo ele, é uma forma de recuperar um pouco do tempo perdido.

Também atuando em serviços gerais em outra praça pública da cidade está José, 47. Foram pouco mais de 17 anos em regime fechado. Agora, ele cumpre pena no semiaberto, com monitoramento eletrônico. O salário que recebe, após um ano e três meses procurando serviço, dá para ele pagar aluguel, luz e água.

A tornozeleira eletrônica impõe um limite, em metros, para que o apenado se locomova. Quando ele realiza um trabalho fora dessa "fronteira", o mapa é aberto, mas ele tem horário monitorado para chegar em casa.

O secretário do Meio Ambiente de Venâncio Aires, Nilson Lehmen, pasta responsável pelo convênio, afirma que a iniciativa tem sido muito satisfatória e bem vista pela comunidade. "O trabalho que ele desenvolve no setor público acaba refletindo na sua própria vida, uma vez que já está inserido no convívio social."

Pacto pela paz

Em Santa Cruz do Sul (RS), o incentivo ao trabalho prisional vem ao encontro do Programa Pacto Santa Cruz pela Paz, projeto que fomenta dois eixos: repressão ao crime e prevenção.

O secretário municipal de Governança e Relações Institucionais de Santa Cruz, coronel Everton Oltramari, defende o trabalho de apenados.

"Ao contrário do que muitos pensam e dizem, que bandido bom é bandido morto, ou que bandido tem que apodrecer na cadeia, no Brasil não existe pena de prisão perpétua nem de morte. Essas pessoas que cometeram um deslize em algum momento da vida devem cumprir suas penas de forma rigorosa, mas também digna, e elas vão acabar voltando para o convívio social em algum momento."

Em 2021, foi feito o primeiro convênio para utilizar a mão de obra prisional em parques, praças, pinturas de vias, entre outros.

"Fizemos um evento teste, escolhemos alguns para trabalhar na recuperação das casinhas típicas da Oktoberfest e ficou muito legal. Vimos que dá certo e agora, a partir do próximo ano, vamos ampliar."

Em novembro deste ano, foi assinado também um convênio com o Poder Judiciário para receber pessoas que são condenadas com prestação de serviços à comunidade.

"A partir do ano que vem, vamos ajudar a construir mais duas salas de aulas, uma biblioteca nova e mais um pavilhão de trabalho. E vamos também fazer parcerias com o Sistema S para oferecer cursos de qualificação para os apenados", diz o secretário.

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