Descrição de chapéu yanomami

Morre mãe de crianças yanomamis internadas com desnutrição grave

Mulher, que também sofria de desnutrição, estava hospitalizada; outros três indígenas morreram de malária no território indígena nesta sexta (27)

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Boa Vista

A mulher yanomami internada num hospital em Boa Vista (RR) com desnutrição grave, mãe de duas meninas também desnutridas, internadas no Hospital da Criança Santo Antônio, morreu nesta sexta-feira (27), em mais uma evidência do tamanho da crise de saúde na maior terra indígena do Brasil.

A informação sobre a morte da mulher foi confirmada à reportagem pela diretora-geral do Hospital da Criança, Francinete Rodrigues,.

A história da família foi contada pela Folha em reportagem publicada na quarta-feira (25).

Criança yanomami internada com desnutrição grave no Hospital da Criança Santo Antonio em Boa Vista
Filhas da indígena que morreu –a mais nova, no colo do pai, e a mais velha, deitada na rede à frente– estão internadas com desnutrição grave no Hospital da Criança Santo Antonio em Boa Vista (RR) - Lalo de Almeida - 25.jan.2022/Folhapress

A realidade da mãe, das filhas e do pai –que passou a ser o cuidador das crianças no hospital– é a mesma de centenas de outros yanomamis vítimas do quadro de desassistência em saúde em seu território.

Marcelo passava os dias em enfermaria no Hospital da Criança onde estão crianças yanomamis com desnutrição grave, entre elas suas filhas –Marina, a mais velha, e a caçula, ainda sem nome.

As meninas estão muito magras, especialmente a caçula, que apresentava dificuldade em ganhar peso no hospital. Seu corpo franzino, frágil e com os ossos marcados na pele impede uma definição sobre a idade da criança. Ela passava os dias no colo do pai, com alimentação intravenosa.

A mãe das duas também tinha desnutrição grave, e por isso foi encaminhada a outro hospital.

A equipe do Hospital da Criança foi avisada da morte da mulher na tarde de sexta. O marido recebeu a notícia de profissionais da Casai (Casa de Saúde Indígena) no começo da noite.

Ele então foi para a Casai para providenciar o transporte do corpo à comunidade. Marcelo acompanharia esse transporte, para participação do ritual relativo ao enterro.

Funcionários da Casai passaram a fazer o acompanhamento das duas irmãs no Hospital da Criança.

A família é da comunidade Oroxofi, na região de Kataroa, perto da fronteira com a Venezuela.

"É a época da fome", disse Marcelo à Folha quando a reportagem esteve na enfermaria, onde os indígenas dormem em redes, numa tentativa de aproximação a seus hábitos. A tradução foi feita por Richard Duque, que atua como tradutor no hospital.

MAIS MORTES

Equipe da Funai (Fundação Nacional do Índio) detectou outros três óbitos de yanomamis na sexta, no próprio território, segundo técnicos do governo federal que acompanham a situação.

Dois adultos e um adolescente morreram de malária, numa comunidade com forte impacto do garimpo ilegal de ouro, conforme os técnicos. Os garimpeiros se aproximam cada vez mais da aldeia e dos indígenas. A comunidade fica na região de Surucucu, uma das mais afetadas pela crise de saúde.

Aviões da FAB (Força Aérea Brasileira) foram acionados para remoção dos corpos e transporte até as comunidades de origem, segundo técnicos do governo. O destino se dá conforme os pedidos feitos pelos indígenas.

Profissionais que atuam na região dizem que passou a ser comum o deslocamento de indígenas, num processo de fuga do garimpo ilegal. Com o aumento das mortes por malária, os corpos precisam retornar a comunidades de origem, em atendimento ao desejo dos yanomamis.

No Hospital da Criança, na sexta, oito crianças yanomamis estavam internadas em leitos de UTI. Cinco precisaram de intubação, em razão da fraqueza para respirar decorrente do quadro de desnutrição grave.

Os yanomamis estão em grande número na UTI, em enfermarias –onde redes são dispostas para uma adaptação a seus costumes– e principalmente na ala de emergência dedicada a casos de infecção respiratória.

Os quadros de desnutrição grave são visíveis. As crianças estão muito magras, desidratadas e doentes. Muitas delas não têm as mães como acompanhantes, pois as mulheres também estão desnutridas e internadas em outros hospitais da rede pública.

O Hospital da Criança Santo Antônio integra a rede municipal de saúde e é referência no atendimento infantil. Não há em Boa Vista outra unidade de saúde da rede pública dedicada a crianças.

O hospital é fundamental para a crise de saúde envolvendo os yanomamis, e vem recebendo cada vez mais pacientes, em linha com a desassistência em saúde na terra indígena durante o governo Jair Bolsonaro (PL).

Desde a declaração do estado de emergência em saúde pública pelo governo Lula (PT), no último dia 20, o Santo Antônio passou a acolher ainda mais pacientes, resgatados nas aldeias.

Em 2022, houve 703 internações de crianças yanomamis, o que significa quase duas por dia. Pela UTI, passaram 65 indígenas, ou cinco por mês. Vinte e nove crianças yanomamis morreram no Hospital da Criança em 2022.

A situação foi pior do que a verificada nos anos anteriores, segundo gestoras da unidade de saúde. Os dados de 2021 não foram sistematizados.

Somente neste mês, até a última quarta (26), 96 crianças yanomamis foram internadas na unidade. Quase metade permanece no hospital.

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