"A culpada por tudo é a pobreza, minha filha. Não há nada mais a se preocupar neste país", disse, em 1992, o padre Jaime Crowe à então desempregada Rosângela Cardoso, durante uma missa realizada na Paróquia Santos Mártires, no Jardim Ângela, zona sul de São Paulo.
Naquela década, o Ângela, assim chamado por seus moradores, foi considerado um dos locais mais violentos do mundo pela ONU (Organização das Nações Unidas) por sua alta taxa de homicídios.
Lá, o irlandês travou, por mais de 30 anos, uma guerra santa contra a desigualdade, que dizia ser o principal agente da violência. "Ele salvou a vida de muitos. Era padre, mas era santo", declara Rosângela Cardoso, hoje assistente administrativa.
Padre Jaime chegou ao Brasil em 1969, em plena ditadura militar. A missão dada pela Igreja era uma: destruir o fantasma comunista que assombrava o país. Logo que chegou, percebeu outros problemas a serem exorcizados, o principal sendo a desesperança.
Em 1986, iniciou seus trabalhos pastorais no Jardim Ângela, fundando a Paróquia Santos Mártires. Denunciava as jovens vidas ceifadas pela violência, especialmente do tráfico e da polícia, que assolava o bairro.
Semanalmente, o irlandês gostava de caminhar pela comunidade. Observava, respirava fundo e agradecia por todas as vidas ali ainda presentes.
A preocupação social de Jaime Crowe o tornou referência e atraiu aliados, como dom Paulo Evaristo Arns.
Em 1995, eles estavam juntos na primeira edição da Caminhada Pela Vida e Pela Paz. Marco na luta por justiça social em São Paulo, o evento foi pensada por padre Jaime para denunciar os mortos em decorrência da violência do Estado.
Por seu trabalho, reconhecimentos não faltaram na vida do representante católico, como o Prêmio USP (Universidade de São Paulo) de Direitos Humanos e o Prêmio de Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns.
Há dois anos, após seguidos problemas de saúde, Jaime Crowe deixou, entristecido, sua paróquia e o bairro ao qual foi devoto para viver ao lado da família em Limerick, na Irlanda. Na última segunda-feira (20), ele morreu, aos 77 anos, após um ataque cardíaco.
Figuras como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os ministros Silvio Almeida e Fernando Haddad prestaram homenagens ao padre, lembrado também em missa extraordinária realizada na paróquia por ele fundada.
"Padre Jaime estará sempre presente em nossas lutas por um mundo mais justo e fraterno. Obrigado por todos seus ensinamentos e por sua solidariedade para com nosso povo", diz o ex-deputado estadual Simão Pedro, amigo do padre.
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