Descrição de chapéu Folhajus

Justiça do Paraná nega rever condenação no caso Evandro

Pedido foi feito por Beatriz Abagge com base em áudios que indicam que ela e a mãe foram torturadas para confessar crime; defesa vai recorrer

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Curitiba

O Tribunal de Justiça do Paraná negou nesta quinta-feira (16) a possibilidade de revisão criminal de Beatriz Cordeiro Abagge, condenada no caso Evandro. A defesa dela pedia a revisão com base em fitas de áudios que indicam que, em 1992, ela foi torturada para dizer que havia matado o menino Evandro Ramos Caetano, 6, na cidade de Guaratuba.

Beatriz e sua mãe, Celina Cordeiro Abagge, foram acusadas pelo Ministério Público de serem mandantes de sequestro e homicídio do menino, que desapareceu em abril de 1992. A acusação sustentava que a criança havia sido sacrificada em um ritual para "abrir os caminhos" para a política e os negócios da família Abagge.

Procurado pela Folha, o advogado de Beatriz, Antonio Figueiredo Basto, não quis comentar a decisão dos desembargadores, mas informou que vai recorrer.

Beatriz e Celina Abagge lançaram livro em 2021 relatando torturas - Divulgação

O Ministério Público disse, em nota, que se manifestou pelo não acolhimento do pedido porque não houve perícia oficial sobre os áudios novos trazidos pela defesa.

Esse entendimento foi acatado por 3 votos a 2 pelos desembargadores da 2ª Câmara Criminal. "Não temos condição de verificar se essas fitas novas espelham efetivamente a verdade dos fatos. Porque, assim como a fita originalmente foi alterada, como se alega, também não temos certeza que a fita nova não foi eventualmente objeto de alguma alteração", declarou o desembargador Mauro Bley, relator do caso, no julgamento.

"Há necessidade de este material ser objeto de análise por todas as partes envolvidas. Tecnicamente, prova é aquilo que passa pelo crivo do contraditório. Caso contrário, é indício", disse o magistrado. De acordo com Bley, a revisão criminal é possível quando se verifica a existência de provas novas, desde que "necessariamente judicializadas".

"Não significa que nós estamos fechando a porta para a possibilidade de desconstituição [da sentença condenatória]. Estou dizendo apenas que a prova, que é importante, e até chocante, ela deve ser judicializada, inclusive para apuração de eventual crime de tortura praticado pela Polícia Militar", disse o relator.

Os desembargadores José Maurício Pinto de Almeida e Mário Helton Jorge seguiram a posição do relator. Já Simone Cherem e Kennedy Greca de Mattos, juízes substitutos em 2º grau, votaram a favor do pedido da defesa de Beatriz.

A mãe de Beatriz, Celina, hoje com 85 anos, estava presente na sessão, acompanhando o julgamento. Já Beatriz comentou o resultado do julgamento em rede social: "Meus votos de consideração ao brilhante voto da desembargadora Simone Cherem e do desembargador Kennedy Mattos. Aos demais desembargadores tenho a dizer que minha família não precisa de elogios e sim de Justiça", escreveu ela.

Em 2011, Beatriz foi condenada pelo 2º Tribunal do Júri a 21 anos e 4 meses de prisão, pela morte do menino. Em 2012, a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça manteve a condenação. Celina não chegou a ser julgada —a acusação contra ela prescreveu pelo fato de já ter mais de 70 anos.

Os áudios com as confissões serviram de base para a condenação. Em 2021, contudo, versões das fitas com trechos inéditos que indicam que as confissões ocorreram sob tortura foram reveladas pelo jornalista Ivan Mizanzuk.

Mizanzuk investigou o caso por anos. A apuração virou um podcast e, depois, uma série de televisão exibida em 2021 na Globoplay, "O Caso Evandro". Trechos da série foram exibidos pelo advogado de Beatriz nesta quinta-feira, durante o julgamento do pedido de revisão.

O advogado Figueiredo Basto entende que as fitas originais foram subtraídas dos autos. "Se não se pode conhecer da revisão para tortura, é possível conhecer para anular o processo pelo uso da prova ilícita [fitas editadas]. É possível também reconhecer que a tortura, e aí não precisa de nenhum tipo de produção antecipada de prova, atinge frontalmente a Constituição da República", argumentou aos magistrados.

"Ninguém fez nada durante este tempo todo. E agora está embaixo do nosso nariz. Houve um erro grosseiro, foi a maior fraude investigatória da Justiça do Paraná", continuou o advogado de Beatriz.

Em 2021, Beatriz e Celina lançaram um livro, "Malleus: Relatos de Injustiça, Tortura e Erro Judiciário", em que contam sua versão da história, desde o momento em que foram detidas pela polícia em casa, em Guaratuba, até os anos que passaram numa penitenciária na região de Curitiba.

Outras cinco pessoas foram denunciadas na época pela morte do menino Evandro, além de Beatriz e Celina. O artesão Davi dos Santos Soares e o pai de santo Osvaldo Marcineiro, condenados em 2004, também buscam a revisão criminal hoje. Também condenado em 2004, o pintor Vicente de Paula Ferreira morreu na prisão, em 2011. Francisco Sérgio Cristofolini e Airton Bardelli dos Santos, funcionários da Serraria Abagge, onde teria ocorrido o ritual, foram absolvidos em 2005.

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