Descrição de chapéu Cracolândia drogas

Com cracolândia na porta, shopping das motos no centro de SP vê público sumir

Vendas caíram 70% desde que usuários se instalaram no local, dizem lojistas; proprietário avalia fechar centro de compras

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Templo do motociclismo instalado no maior polo do planeta dedicado ao comércio de motocicletas e acessórios. É desta forma que lojistas descrevem o Shopping Moto e Aventura e os quarteirões no entorno, em Campos Elíseos, região central da cidade de São Paulo. Apesar dos atrativos para aficionados pela vida sobre duas rodas, o lugar está cada vez mais vazio.

O público começou a sumir no final do ano passado, quando a cracolândia se instalou na porta do shopping. As vendas despencaram 70%, relatam comerciantes. Lojas encerraram atividades e, agora, o próprio centro de compras pode fechar suas portas.

Motos no corredor do shopping. De dentro é possível ver a concentração de usuários de crack
Uma das entradas do Shopping Moto e Aventura, na alameda Barão de Limeira, fica em frente à rua dos Gusmões, onde se instalou a cracolândia, no centro de SP - Gabriel Cabral/Folhapress

Pelos corredores, vitrines vazias ou cobertas com papelão parecem ser maioria nos dois pisos superiores. No térreo, modelos raros de Harley-Davidson e de outras marcas icônicas, alguns avaliados em cerca de R$ 500 mil, seguem expostos para quase ninguém ver. Tudo muito diferente do tempo em que o lugar, com 65 lojas e 300 funcionários, atraía visitantes.

Hoje o shopping funciona com cerca de 40% das suas lojas fechadas —25 espaços para locação estão vagos. Esse processo de esvaziamento vem ocorrendo desde a crise econômica de 2015 a 2018, passando pela pandemia de Covid, mas atinge o ponto mais grave com a chegada da cracolândia ao local, segundo os comerciantes e a administração.

Proprietário do imóvel e idealizador do Moto e Aventura, o empresário José Renato Bonventi, 56, diz que o estabelecimento de 22 anos passou a dar prejuízo.

"Estou num dilema porque o custo do prédio fechado também é alto, IPTU, mais a depreciação do imóvel, que ninguém vai querer comprar", diz Bonventi. "Lógico que eu cogito fechar o shopping, mas seria uma pena jogar fora um negócio vitorioso."

"Está faltando alguém falar se a cracolândia vai ficar aqui para sempre e aí, pronto, fechamos, vamos embora", afirma o empresário.

Alexis Vargas, secretário executivo de projetos estratégicos da Prefeitura de São Paulo, afirma que a resposta para Bonventi é "não". "Eu respondo isso agora: a cracolândia não vai ficar lá para sempre", disse Vargas à Folha na última quinta (6).

Responsável por coordenar as ações da gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) na cracolândia, Vargas explica que desde o último dia 3 a prefeitura antecipou da noite para a tarde a limpeza das ruas dos Gusmões, em frente ao shopping, e Conselheiro Nébias, locais onde o consumo de crack passou a ser mais frequente nos últimos meses.

Além disso, diz o secretário, houve ampliação da presença da GCM (Guarda Civil Metropolitana) no local. As ações fazem parte de uma nova estratégia para dispersar os usuários e dificultar o comércio de drogas.

No início da tarde de quarta (5), a reportagem acompanhou a limpeza na rua dos Gusmões. Uma hora após a saída das equipes da prefeitura, a via estava completamente tomada por dependentes químicos novamente.

Alguns poucos frequentadores do shopping hesitavam ao tentar sair pela porta que dá de frente para a concentração de usuários. Um funcionário da segurança orientava a saída pelo lado oposto, na avenida São João.

O fluxo, como é chamada a aglomeração de usuários de drogas da cracolândia, por décadas esteve fixado em um terreno próximo à estação Júlio Prestes, apelidado de praça do Cachimbo, a um quilômetro da porta do shopping. Mas passou a mudar de endereço nos últimos meses, em meio a ações que envolvem operações policiais, limpeza constante de vias e reurbanização de áreas degradadas. A antiga praça do Cachimbo, com tendas que abrigavam traficantes, agora é um conjunto de quadras esportivas cercado por prédios residenciais.

A peregrinação de usuários levou a cracolândia para locais onde, até então, só se ouvia falar do problema. É o que conta Raphael Sarris, 31, vendedor de uma loja de roupas para motociclistas.

"Em janeiro eu percebi que os clientes começaram a perguntar se aquilo [aglomeração] aqui em frente era a cracolândia", disse Sarris. "Logo pensei que eles [clientes] não voltariam tão cedo, e não voltaram mesmo."

É na praça de alimentação que o esvaziamento da região fica evidente. Só dois dos oito restaurantes que chegaram a funcionar no local antes do início da pandemia permanecem no local.

"Nós tomamos um golpe com a pandemia e, agora, tomamos outro, ainda mais forte", afirma Mario Rossi, 44, dono de um restaurante que há oito anos funciona no local.

Não é só a perda de clientes que preocupa quem tem comércio no shopping e arredores. Alguns desistiram até mesmo de trabalhar no local após terem sido vítimas de abordagens agressivas, furtos e roubos.

"A minha funcionária pediu demissão porque estava com medo", conta Patrícia Monteiro, 48, dona de uma loja de ferramentas. "Já fui roubada, meu filho já foi assaltado, a gente fica sem saber o que fazer."

Há 17 anos trabalhando na região, a representante comercial Carolina Rodrigues, 37, afirma que suas vendas para comerciantes da área caíram 70%. "Vendo para as lojas, mas não estão repondo seus estoques."

Além de perder vendas, Rodrigues diz que perdeu a tranquilidade de andar sozinha na rua. "Agora eu espero o colega da loja em frente para ir para o metrô", conta. "Se você está sozinha e não dá dinheiro quando te pedem, você é xingada e ameaçada."

De acordo com o secretário executivo de projetos estratégicos da prefeitura, o novo modelo de operação na região já produz efeitos.

"A gente teve uma redução de 33% no número de usuários, no período da tarde, e de 75%, pela manhã", afirma Vargas. "Não estou dizendo que saíram do bairro. Saíram da concentração. Concentrações menores são mais fáceis para fazer a assistência. Cada vez que reduz a concentração, a gente tem maior sucesso nas buscas por acolhimento", diz.

A SSP (Secretaria da Segurança Pública) do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos), por sua vez, afirma que "a situação apontada pela reportagem é de extrema preocupação da atual gestão".

Em nota, a pasta afirma que o vice-governador, Felicio Ramuth, e o delegado da 1ª Seccional, Jair Ortiz, receberam os representantes da Associação das Ruas das Motos, ouviram suas demandas e os informaram sobre ações em curso para tornar o centro mais seguro. A secretaria afirma que trabalha para asfixiar financeiramente o tráfico e prender autores, com patrulhamento da Polícia Militar e investigação da Polícia Civil.

No primeiro bimestre deste ano, ainda de acordo com a SSP, 1.157 suspeitos foram presos na região central da capital, o que representa um aumento de 53% na comparação com o mesmo período do ano passado.

Governo do estado e prefeitura afirmam também que está em curso um processo para instalação de câmeras de monitoramento no centro da cidade.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.