Comissão Arns expõe relatos de violência e medo na zona rural do Pará

Documento entregue ao governo Lula traz depoimentos de ameaças, ataques e homicídios em região dominada por grileiros e garimpeiros

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Terra Indígena Parakanã, no Pará; local é marcado por invasões para extração de árvores

Terra Indígena Parakanã, no Pará; local é marcado por invasões para extração de madeira Comissão Arns/Divulgação

São Paulo

Em viagem ao Pará, a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns encontrou "clima geral de medo e crônica insegurança" incitados por forte atuação de milícias rurais.

O diagnóstico está em relatório elaborado pela organização entre os dias 15 e 20 de abril deste ano e entregue ao governo federal nesta quinta-feira (1°). A visita da comissão ocorreu em resposta a apelos de defensores de comunidades vulneráveis do estado.

A expedição buscou reunir informações sobre a violência nas regiões sul e sudeste do Pará, "sob constante ameaça da ação ilegal e predatória de grileiros, garimpeiros e madeireiros", para formular ações de enfrentamento ao atual estado de periculosidade, diz o documento.

Procurado, o governo do pará afirmou ter, de janeiro a dezembro de 2022, reduzido em mais de 80% os crimes envolvendo conflitos agrários no estado, comparando ao mesmo período de 2019.

Agora, a gestão de Helder Barbalho (MDB) diz aguardar apresentação do relatório produzido pela Comissão Arns para coletar subsídios que contribuam na atuação de seu sistema de segurança pública.

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Casa incendiada por pistoleiros em Anapu, no Pará, em imagem de abril - Comissão Arns

O percurso da comissão começou em Marabá. Depois, foram vistoriadas as cidades de Eldorado dos Carajás, Anapu, Altamira e, finalmente, Belém. Nas localidades, foram ouvidas ao menos cem pessoas. Elas narraram sensação de desesperança, segundo a comissão, e, diante da inação do poder público, disseram não saber a quem recorrer.

Incêndio de casas, derramamento de agrotóxico sobre comunidades inteiras, violação da privacidade por meio de drones, ataques de bandos armados, ameaças, desaparecimentos repentinos e homicídios aparecem em diversos relatos.

O território, mostra o documento, é permeado por diversos tipos de conflito, sendo mais graves os que opõem assentados e grileiros. Também "preocupam as empresas com interesses econômicos nas regiões ocupadas por habitantes tradicionais, como indígenas, quilombolas e ribeirinhos".

A impunidade aos infratores também chamou atenção dos formuladores do relatório. Há, segundo eles, muitas notícias de assassinatos, agressões e ameaças não solucionados pela Justiça. "Crimes de homicídio e ameaças não são investigados até o final [...] Quando episodicamente condenados, muitos assassinos e agressores não cumprem pena", afirmam.

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará diz ter a Polícia Civil intensificado apurações de crimes relacionados a conflitos agrários e cumprimento de mandados de prisão pendentes.

Segundo a comissão, retrocessos nas políticas de segurança pública, caso do incentivo armamentista promovido pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), afetaram a região nos últimos anos.

Há décadas o Pará tem sido palco de episódios de violência contra trabalhadores rurais e defensores de direitos humanos. Como exemplos notórios, são citados no relatório a execução de 19 pessoas em Eldorado de Carajás, em 1996, e os assassinatos da missionária norte-americana Dorothy Stang, em 2005, e de Gabriel Sales Pimenta, advogado de trabalhadores rurais morto em Marabá, em 1982.

O último caso rendeu ao Brasil condenação na Corte Interamericana de Direitos Humanos, em junho de 2022, por não responsabilizar criminalmente os homicidas.

Levantamento do Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostra que, em 2022, o Pará possuía sete das 30 cidades mais violentas do país. Todas em sua zona rural.

Para realizar a viagem, a Comissão Arns articulou uma parceria com a Comissão Pastoral da Terra e obteve escolta da Polícia Rodoviária Federal, por meio do Ministério da Justiça, a fim de percorrer o trajeto com segurança.

Um dos integrantes da delegação foi Belisário dos Santos Jr., ex-secretário de Justiça de São Paulo. Ele credita à débil fiscalização de órgãos como Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e ITERPA (Instituto de Terras do Pará) parte dos homicídios.

"Estivessem os órgãos mais presentes, algumas mortes seriam evitadas. A indefinição sobre posse de terras pode ser atribuída a eles. Sem definição, os poderosos prevalecem."

A reportagem também pediu posicionamento do Incra e aguarda resposta.

PROPOSTAS PARA PACIFICAÇÃO

A comissão Arns elaborou uma lista com propostas aos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário para apaziguar o conflito, com destaque para os seguintes pontos:

  • Necessidade de revitalização do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos;
  • Ação conjunta do Ministério Público do Estado e da Polícia Civil para solucionar homicídios;
  • Investigação de milícias rurais pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado) do Ministério Público Estadual;
  • Restruturação e treinamento das Delegacias de Conflitos Agrários;
  • Efetivo cumprimento de sentenças penais condenatórias;
  • Engajamento da alta administração estadual para combater a insegurança pública;
  • Fortalecimento da Ouvidoria de Segurança;
  • Atenção para os casos de criminalização de defensores de direitos humanos;
  • Operação local de desarmamento e fiscalização;
  • Criação de promotorias agrárias criminais;
  • Atuação mais efetiva e imparcial dos órgãos de terras.

Os formuladores dizem esperar que o conteúdo do relatório e as recomendações elaboradas sejam prontamente acatadas. Eles citam a COP30, em 2025, prevista para ocorrer em Belém, como oportunidade de o Brasil mostrar empenho na resolução de conflitos agrários.

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