40% dos fuzis são apreendidos em ações com mortes no RJ

Especialistas temem que premiação criada por Cláudio Castro gere mais ações letais

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Rio de Janeiro

Cerca 40% das apreensões de fuzis realizadas no Rio de Janeiro ocorreram em ações policiais letais. Especialistas temem que a premiação pela recuperação de armas do tipo estabelecida pelo governador Cláudio Castro (PL) nesta segunda-feira (21) provoque um aumento nas mortes provocadas por agentes do estado.

Dados do ISP (Instituto de Segurança Pública) mostram que, de janeiro de 2017 a março de 2022, dos 2.316 fuzis apreendidos pela polícia, 918 foram recolhidos em ações que tiveram mortes. No total, foram 1.267 vítimas em supostos confrontos com forças de segurança —17% das 7.400 mortes causadas por agentes do estado no período.

Apresentação de fuzis e munição apreendidos em paiol do tráfico de drogas durante operação no Complexo da Maré - Fernando Frazão - 19.jul.2019 / Agência Brasil

Os números fazem parte de cruzamento feito pela Folha com base em microdados do ISP obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação. Dados posteriores a março de 2022 não estão disponíveis de imediato.

O governador assinou um decreto que prevê o pagamento de R$ 5.000 de prêmio a policiais por cada fuzil apreendido. Os dados do ISP associados aos critérios adotados por Castro para delimitar a bonificação reforçam, para especialistas, a interpretação de que ela vai estimular indiretamente o aumento dos confrontos.

Um dos critérios apontados como indicativo de confronto é o fato de se premiar apenas policiais que constem no registro de ocorrência das apreensões. Ou seja, agentes que atuaram na investigação, mas que não foram a campo para efetivar a retirada das armas, não vão receber o benefício.

O governo fluminense afirma que o objetivo da premiação é retirar armas de alto calibre para reduzir a letalidade no estado. Segundo o Palácio Guanabara, investigadores costumam participar das operações de apreensão.

As regras também não premiam o trabalho investigativo ao exigir que a arma apreendida seja capaz de produzir tiro. A limitação não beneficia trabalhos como o que mirou o ex-PM Ronnie Lessa, acusado de matar a vereadora Marielle Franco. Na ocasião, os agentes acharam na casa de um amigo dele peças desmontadas capazes de confeccionar 117 fuzis.

Para o governo, apreensões do tipo são exceção no dia a dia dos policiais.

"Qual é o método de retirada de fuzis premiado? É aquele que vai pegar a arma já municiada pronta para atirar. Em virtude do esvaziamento do investimento na investigação criminal, o esforço sempre foi tirar esse armamento já das mãos dos criminosos em favelas. E esse fuzil muitas vezes vem manchado de sangue. Às vezes, de inocente", disse o coronel da reserva Robson Rodrigues, ex-chefe do Estado Maior da Polícia Militar.

O sociólogo Daniel Hirata, coordenador do Geni/UFF (Grupo de Estudos de Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense), afirmou temer uma "corrida atabalhoada" com operações policiais em busca do prêmio.

"Esse mecanismo do sistema de metas e bonificações, por fundamento, orienta a ação dos atores submetidos a ele. É necessário pensar sobre os efeitos que podem causar esse direcionamento. No caso da apreensão de fuzis, tenho receio de que isso aumente o tipo de operação feita para apreensão de fuzis", disse ele.

Especialistas comparam a premiação à chamada "gratificação faroeste", instituída na gestão Marcello Alencar (1995-1998). Ela premiava policiais por "atos de bravura", o que na prática estimulava o confronto e a morte em supostos confrontos.

"Sem programa de redução de letalidade policial, sem meta, a gente teme essa corrida de apreensão de fuzis a qualquer custo. É uma gratificação faroeste de maneira não direta. Se vai ganhar R$ 5.000, independente da quantidade de mortes para essa apreensão, há a valorização da atuação policial que não é o mais eficiente, inteligente. Nem o que deveria ser fomentada", afirmou o cientista político Pablo Nunes, coordenador do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC).

A redução da letalidade violenta (o que inclui as mortes em confronto) também é um dos indicadores do Sistema Integrado de Metas na segurança pública. Porém, o percentual de redução exigido tem sido cada vez menor. Para o segundo semestre deste ano, a meta é de queda de 1% —uma queda nos homicídios pode compensar aumento na letalidade policial, por exemplo.

"Tudo o que o governo Cláudio Castro tem feito, mesmo o que é em resposta à ADPF 635 [ação no STF sobre as operações da polícia fluminense], são respostas para fortalecer a lógica de combate, não importando se vai gerar mortes ou não. É quase um escárnio quando diz que está dando resposta à condenação pela Corte Interamericana dos Direitos Humanos", disse Nunes.

Entre as justificativas usadas por Castro para assinar o decreto está a condenação do estado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso das duas chacinas de Nova Brasília em 1990.

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