"Era Apenas um Presente para o Meu Irmão – A Barbárie de Queimadas" não é só um livro sobre o crime que chocou o país em 2012. É sobre a busca por manter viva a indignação com o estupro de cinco mulheres, duas delas também assassinadas, perpetrado por dez homens em uma pequena cidade no interior da Paraíba.
No episódio, o homem que depois foi condenado como mentor da ação, Eduardo Pereira, convidou as mulheres para a festa de aniversário de seu irmão, Luciano, planejando oferecer o crime sexual como seu "presente de aniversário" —daí o título do livro.
"Uma premissa da minha literatura sempre foi mostrar como as violências podem afetar tanto um indivíduo como toda uma sociedade", diz o autor, Bruno Ribeiro. "Alguns tipos de violência você até aprende a viver com elas, mas deixam marcas e cicatrizes que nunca sairão de você."
Ribeiro se mudou com a família para Campina Grande (PB), cidade próxima a Queimadas, quando ainda era criança. "Meu pai me enviou o link da notícia e me lembro do horror que eu senti", diz.
Tinha vontade trabalhar na história, mas a ideia inicial era fazer um roteiro de ficção para o cinema. Conforme foi avançando na apuração, ao observar a mobilização de algumas mulheres, especialmente das irmãs de uma das vítimas assassinadas, sentiu-se tocado e resolveu escrever um livro-reportagem.
"Sempre me pareceu muito absurda essa normalização dos crimes. O ‘apenas’ do título se refere justamente ao desdém com que tratavam o estupro. Os caras realmente acreditavam que iriam se safar."
Começou a escrever sem saber se um dia chegaria a ser publicado. Ao tomar conhecimento de um concurso literário da editora Todavia, submeteu o trabalho, que em 2020 foi escolhido vencedor por unanimidade. Foi convidado pela editora a escrever mais sobre o caso.
"Um dia me ligaram, avisaram que eu ganharia o prêmio, mas disseram que a história poderia render mais. Topei escrever", conta. Com isso, teve a chance de incluir os desdobramentos mais recentes da história, como a fuga da prisão do mentor do crime e o assassinato de outro deles.
Descrito como um "Dogville" do agreste, o livro é dividido em partes. Na primeira, faz uma ambientação da cidade, com características geográficas, de clima, população. Na segunda, reconstitui a noite do crime e reúne depoimentos, mantendo a linguagem original, o que dá um tom de documentário e transporta o leitor para o palco dos acontecimentos.
A terceira parte fala mais dos reflexos do crime na vida das famílias envolvidas, e a quarta descreve o ambiente político de Queimadas. Na quinta e na sexta, o próprio autor aparece na história. "Explorei várias formas, etapas e códigos da não ficção. O relato oral, a entrevista, o repórter policial", diz.
Por se tratar de um episódio real em uma cidade pequena, especialmente no caso de um crime bárbaro, o revés é esbarrar na dor de tantas famílias envolvidas. Entre dez criminosos e cinco vítimas, todo mundo conhece alguém que sofreu com a história. Segundo ele, essa foi a parte mais difícil do trabalho.
Ainda assim, não pensou em desistir. Queria despertar a atenção das pessoas para uma violência que acontece em todo lugar. "Queimadas é só um recorte do Brasil. Talvez tenha ganhado visibilidade porque em cidades pequenas casos assim chamam mais atenção, mas estupros coletivos acontecem com frequência no Rio de Janeiro, em São Paulo, e ninguém fica sabendo", diz Ribeiro.
O autor não queria que o crime fosse visto como uma coisa exótica de uma cidadezinha no sertão da Paraíba. Aconteceu lá, mas poderia ter sido em tantos outros lugares país afora.
Ribeiro é publicitário de formação, mas logo enveredou para a literatura. Lançou o primeiro de seus sete livros em 2014 e fez um mestrado em escrita criativa. Até então, suas principais referências eram em ficção, mas, depois de cursar uma cadeira de não ficção com a escritora argentina María Sonia Cristoff, teve certeza de que gostaria de seguir esse caminho.
Agora, com a obra em mãos, Ribeiro quer ver a justiça fazer a sua parte e os culpados pagarem pelos crimes que cometeram.
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