Descrição de chapéu violência Presídio e morte

Além das grades: famílias estigmatizadas são fontes de denúncia de irregularidades nas prisões

Elas desempenham também um papel crucial nos presídios, fornecendo alimentos, roupas, remédios e colchões

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Brasília

No dia 27 de setembro um grupo de familiares aguardava na Papuda, no Distrito Federal, para visitar os detentos. Predominantemente composto por mulheres, a maioria mães, esposas e irmãs, algumas chegaram bem cedo com o cobal —termo utilizado para os alimentos que entregam aos presos.

Chegar antes das 14h, no entanto, não assegurava automaticamente que os familiares conseguiriam desfrutar das duas horas de visita a que têm direito a cada 15 dias. O processo, que se iniciava bem próximo do início da visita, demandava a realização de três etapas: retirada de senha, verificação do cobal e passagem pelo scanner.

Bruna Oliveira, esposa de um preso da Papuda (DF) e líder do coletivo Mães e Esposas em Luta - Pedro Ladeira/Folhapress

Já dentro das instalações era preciso buscar pelo cobal, que era entregue para uma verificação inicial para, posteriormente, ser recuperado após passar pelo scanner.

Nem todas as pessoas conseguiram entrar. A reportagem testemunhou um policial penal barrando uma familiar por não vestir o que ele julgava ser uma roupa adequada. Ela não teve o direito de se trocar.

Adicionalmente a esses percalços, a orientação prévia de familiares de presos era usar o banheiro e evitar consumir água, uma vez que o local de visitação não dispõe de instalações sanitárias.

Os relatos foram obtidos durante a visita da reportagem ao detento Jessé Silvério, retratado na segunda reportagem da série Presídio e Morte, e que se encontra com a saúde debilitada.

A visita começou às 14h, mas só foi possível entrar às 14h30. O depoimento foi registrado na qualidade de visitante, o que foi autorizado pela família, tendo em vista que a VEP (Vara de Execuções Penais) se recusou a autorizar o pedido de entrevista.

A repórter usou roupa e chinelos brancos, como exigido, e passou pelo scanner segurando os chinelos na mão.

"Eu não sou bandida, vagabunda, mas sou tratada como se tivesse cometido um crime. Boa parte dos policiais enxerga a gente como bandido, acha que a gente apoia o erro de quem está lá dentro. Familiar de preso é trabalhador, vota, eu não tenho nenhuma passagem pela polícia. Já vivi nesse meio, mas nunca cometi crime e trabalho desde os 12 anos", disse Bruna Oliveira, líder do coletivo Mães e Esposas em Luta.

O marido dela está no sistema prisional.

Esses mesmos familiares, que são estigmatizados e criminalizados nas penitenciárias, são também a principal fonte de denúncias sobre violações dos direitos humanos no âmbito do sistema prisional. Além disso, desempenham um papel crucial na operacionalidade dos presídios, fornecendo alimentos, vestuário, medicamentos, kits de higiene e até mesmo colchões.

"São as famílias que lutam contra o sistema opressor, que denunciam as violações. Ao contrário de cumprirem pena em conjunto com o preso, deveriam ser protagonistas de políticas públicas que visam melhorias. Elas têm um papel fundamental na ressocialização do preso", avalia Felipe Zucchini, da Defensoria Pública do Distrito Federal.

O descaso com familiares de detentos transcende os limites físicos das prisões, manifestando-se fora dos estabelecimentos prisionais. Juliana de Farias, professora visitante no Programa de Pós-graduação em Sociologia da UnB (Universidade de Brasília), afirma que existe uma criminalização de familiares.

"Em muitas situações, esses familiares são estigmatizados e, consequentemente, acabam perdendo o emprego quando as pessoas têm conhecimento da prisão de algum membro da família. É muito complicado, o próprio tratamento que muitas instituições de estado dão a essas famílias demonstra essa elasticidade do processo de criminalização", diz Farias, que critica, por exemplo, as revistas vexatórias feitas ainda hoje nos corpos das mulheres.

Durante visita ao Maranhão em novembro deste ano, a Folha também conversou com vários familiares de presos que relataram situações parecidas com as do Distrito Federal.

Vanessa (nome fictício) tem um irmão no sistema prisional. Ela optou por não revelar seu rosto pelo receio de possíveis retaliações.

"O olhar da sociedade é de que também somos criminosos, e adoecemos junto com eles. Algumas crianças que vão visitar os pais acabam ficando doentes. Ao presenciarem eles sendo algemados, passaram a ter pesadelos, medo do pai, e em alguns casos até desenharam a imagem do pai algemado na escola", disse.

Os familiares de detentos são também os responsáveis por uma verdadeira peregrinação por órgãos que têm potencial de contribuir para a transformação dessa realidade.

Procuram apoio na Defensoria Pública, no Ministério Público e no Tribunal de Justiça, entregando cartas e reivindicações na esperança de modificar aspectos como práticas de tortura, fornecimento de água inadequada para consumo e qualidade precária da alimentação. Também pedem que seja ampliado o tempo de visita.

Uma demanda expressiva que tem ganhado destaque no Distrito Federal e em Goiás, por exemplo, é a reintrodução da visita íntima para todos os detentos casados.

Bruna, assim como diversas outras mulheres, está privada desse contato desde 2019.

"A falta de visita íntima é mais uma das violações… o único direito que o preso deveria perder é o de liberdade, o resto deveria ser mantido. Se a gente quer piorar as condições na prisão é só interferir na visita íntima. Esse, inclusive, é um tema que tem recorte de gênero, porque nas prisões femininas estamos muito mais longe de conseguir a visita íntima. As condições das mulheres são muito mais complicadas que as dos homens", afirma Camila Prando, advogada e professora da UnB.

De acordo com a Diretoria-Geral de Administração Penitenciária de Goiás, a proibição é importante para o avanço das questões de controle do cárcere.

Já o Distrito Federal afirma que a visita ocorre apenas para as pessoas privadas de liberdade que não cometeram falta disciplinar nos últimos seis meses e que participam de programas de ressocialização.

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