Descrição de chapéu Chuvas no Sul

Com filas na estrada, moradores de Porto Alegre fogem da falta de água rumo à praia

Com estações de tratamento paralisadas, 85% da população de Porto Alegre não tem água nas torneiras nesta terça (7)

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Porto Alegre

Com cinco estações de tratamento paralisadas em Porto Alegre devido às enchentes, moradores da capital gaúcha apelam para a última alternativa viável para chegar a um lugar com água nas torneiras.

"Saí por impulso. Assim que soube que não teria água, eu não poderia ficar", disse Edgardo Oriola, 75, argentino radicado em Porto Alegre há mais de 40 anos.

Morador do bairro Tristeza, ele deixou a cidade com a esposa e seguiu rumo a Xangri-lá, no litoral norte do Rio Grande do Sul, onde tem casa de veraneio. Lá, encontrou a filha e a neta, que deixaram Porto Alegre já no fim de semana.

Na foto, uma fila de carros e caminhões se alinha em apenas um lado da estrada. A outra mão segue livre.
Trânsito intenso no único acesso a Porto Alegre por Alvorada (RS), pela RS-118, nesta terça-feira (7) - Miguel Noronha/Agencia Enquadrar/Folhapress

"Administro condomínios, controlei gota por gota o reservatório de cada condomínio. Terminados os seus reservatórios, não se sabe quando volta a água potável", disse. Nesta terça-feira (7), aproximadamente 85% da população de Porto Alegre não tem acesso a água.

Edgardo, assim como outros porto-alegrenses, está seguindo a sugestão do prefeito Sebastião Melo (MDB) de que pessoas com residência ou possibilidade de se estabelecer nas praias deixem a capital enquanto a situação hídrica não se normaliza.

O casal enfrentou um trânsito intenso para sair de Porto Alegre. O trajeto entre as avenidas Ipiranga e Bento Gonçalves até o trecho da RS-040 na saída da zona central de Viamão, por exemplo, de pouco menos de 20 km, demorou cerca de uma hora para ser percorrido.

Depois o ritmo do trânsito ficou alternando entre fluxo sem interrupções e duas paradas "arranca e pára" de aproximadamente 20 minutos, e melhorou próximo às entradas das cidades litorâneas.

Natural de Buenos Aires, Edgardo relembrou enchentes no bairro de La Boca, na zona sul da capital argentina. "As casas sempre foram construídas sobre palafitas porque o rio Riachuelo transbordava. Sempre convivemos com esse bairro alagado. Desde pequenininho, há 70 anos, nós já fazíamos doações", disse Edgardo. "Mas como isso aqui, não, isso aqui é um estado inteiro. É um cataclisma."

Ele diz acreditar que houve negligência para que uma cidade como Porto Alegre enfrente uma crise deste porte. Caso haja um problema de abastecimento em Xangri-lá, Edgardo conta que tem um plano emergencial: seguir mais 45 minutos de viagem até Torres, na divisa com Santa Catarina, para garantir o acesso a água.

A água engarrafada nos mercados também vai rareando. Moradora de Xangri-lá e vizinha de Edgardo, Paola Loewe conta que ainda há água nas prateleiras, mas cada vez em menor quantidade. "Não estão reabastecendo. Então, em breve, talvez mude esse cenário aí."

O empresário Alexandre Arena Filho, 29, está no bairro Assunção, também na zona sul de Porto Alegre, e em um primeiro momento não pretendia deixar a cidade. Agora, vê a viagem como inevitável.

Um dos motivos é a falta de perspectiva para que a situação se estabilize na cidade, além da previsão de mais chuvas para o final da semana. A ideia, ele diz, deve ser retornar com uma tia a Capão da Canoa (RS), onde a família mora.

"Lá, a princípio, a situação está normal, e eu não vou ter essa sensação de que a qualquer momento meu bairro vai inundar igual a Cidade Baixa [bairro central de Porto Alegre] ontem [segunda-feira, dia 6]."

Alexandre diz que não imaginava que passaria por uma situação dessas, "mas agora que aconteceu eu não estou chocado". Ele questiona se a proporção do desastre seria a mesma caso o resultado das últimas eleições para prefeito e governador fossem diferentes, por exemplo.

"Estou ponderando o que poderia ter sido. Será que outros candidatos teriam feito algo para prevenir? Será que a enchente e a catástrofe eram inevitáveis? Tudo muito hipotético, mas estou com raiva, refletindo sobre isso", afirmou.

Seguindo para a casa da irmã, que é professora em Capão da Canoa, a jornalista Laísa Mendes, 30, deixava o bairro Petrópolis, um dos mais altos da capital gaúcha. Mesmo distante das enchentes, a região não escapou de ser afetada pelo desabastecimento.

"Mesmo com a falta de água, eu pretendia ficar em Porto Alegre para ajudar como voluntária, mas os estabelecimentos perto da minha casa já não tinham água nem outros mantimentos para vender há um tempo", contou. "Quando meu amigo ofereceu carona, não pensei duas vezes em pegar minhas gatas e ir para a casa da minha irmã em Capão Novo [balneário em Capão da Canoa]."

De férias do trabalho, Laísa diz que planeja ficar na praia por pelo menos duas semanas. "Assim consigo ficar próxima da minha mãe e irmã e também não serei mais uma pessoa consumindo os poucos recursos que ainda existem em Porto Alegre."

Moradora do bairro Praia de Belas, a professora Tissiane Dolci monitorava o avanço da enchente próximo ao parque Marinha do Brasil, mas diz que foi pega de surpresa pela água que começou a sair dos bueiros e pela interrupção da casa de bombas do bairro Menino Deus.

Após a explosão de dois postes de energia próximos, a síndica do prédio em que ela mora pediu para que os moradores deixassem o local. O edifício ficou ilhado e foi preciso abrir caminho pelo muro do prédio vizinho para saídas emergenciais.

A prioridade foi retirar o pai idoso, que tem Parkinson. A solução, ela disse, foi uma vaga em uma clínica no bairro Belém Novo, na zona sul, mais seguro do que outros pontos da cidade. Segundo Tissiane, os vizinhos fizeram um mutirão para descer os idosos no prédio sem luz.

Assim como muitos porto-alegrenses, ela diz que alugou um local para ficar na praia. "A gente reservou por sete dias esperando que a gente consiga voltar nesse tempo."

Ela viajou nesta terça, após relatos de amigos que contaram que a viagem de Porto Alegre ao litoral demorou até sete horas na segunda (6), com muito tráfego também de ambulâncias e veículos do Exército. Hoje, ela conta, o trânsito estava melhor. "A sensação ontem era de que a cidade estava sitiada, que a gente estava num filme de de apocalipse tentando sair."

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