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Operação Água Espraiada leva Berrini à beira do colapso, isola casas e falha com moradia popular

Duas décadas após avanço, São Paulo busca ajustes para evitar estagnação de uma das suas áreas mais valiosas

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Imagem mostra o rio com o horizonte repleto de prédios dos dois lados e uma ponte ao centro

A ponte estaiada Octavio Frias de Oliveira sobre o rio Pinheiros; lei que regula o desenvolvimento da região está sob análise da Câmara Municipal de São Paulo - Eduardo Knapp - 22.mar.2023 / Folhapress

São Paulo

Vitrine de uma São Paulo futurista no início dos anos 2000, o eixo das avenidas Engenheiro Luiz Carlos Berrini, Doutor Chucri Zaidan e Jornalista Roberto Marinho trouxe a reboque do seu inegável bem-sucedido plano de desenvolvimento urbano defeitos que agora, 23 anos após a sua concepção, provocam estagnação.

Casas abandonadas entre muralhas de condomínios residenciais, prédios empresariais tecnológicos em vias onde pedestres não se arriscam a caminhar à noite, milhares de moradias irregulares e trânsito infernal são algumas das consequências desses desacertos.

Ajustar o rumo de uma das mais valiosas porções do quadrante sudoeste da cidade depende de mudanças na lei que define as regras para uso e ocupação desse território, a Operação Urbana Consorciada Água Espraiada. É ao menos essa a posição representada pela maioria dos votos de vereadores que há uma semana aprovaram em primeiro turno um projeto de lei com esta finalidade.

Casa de Esquina com prédios no entorno
Cercada por prédios, casa está à venda em zona exclusivamente residencial dentro da Operação Urbana Água Espraiada, na rua Gabrielle D'annunzio, no Campo Belo (zona sul) - Zanone Fraissat/Folhapress

Pistas do que deverá mudar surgiram em uma das audiências públicas anteriores à votação na Câmara e no próprio texto da lei, mas a proposta final só deverá ser conhecida na segunda votação, prevista para ocorrer até o início de julho.

Em linhas gerais, o que a Câmara deverá fazer é permitir que empreendimentos imobiliários no perímetro da operação tenham benefícios semelhantes aos garantidos pelas versões mais recentes do Plano Diretor e da Lei de Zoneamento, ambos revisados em 2023.

No emaranhado de regras para uso e ocupação do chão paulistano, operações urbanas criam exceções. No caso da Água Espraiada, a gestão da ex-prefeita Marta Suplicy (PT) permitiu que o mercado levantasse prédios com área construída quatro vezes maiores do que a metragem dos terrenos. Em 2001, quando a proposta foi aprovada, isso representava um importante ganho de potencial construtivo em comparação com a maior parte da cidade.

Dividida em cinco grandes setores, a operação atraiu rapidamente investidores para o seu trecho mais desenvolvido, no entorno da Berrini. Os demais avançaram em ritmos distintos e um deles, o que segue o córrego Água Espraiada até perto do bairro Jabaquara (zona sul), foi praticamente ignorado pelo mercado.

Além do esgotamento de áreas na Berrini, a operação perdeu ainda mais competitividade quando o Plano Diretor de 2014 e a Lei de Zoneamento de 2016, da gestão Fernando Haddad (PT), passaram a oferecer vantagens para que os maiores edifícios da cidade ocupassem os entornos de estações do metrô e de corredores de ônibus por toda a capital.

As revisões dessas leis permitiram construções ainda maiores nos eixos de transporte. Estima-se que prédios poderão chegar perto de dez vezes o tamanho dos terrenos, caso incorporem unidades de habitação social e lojas nas fachadas, entre outras exigências.

Operações mais recentes, como a recém-aprovada Bairros do Tamanduateí, já consideram a equiparação de potencial construtivo com os eixos em alguns pontos, segundo o vereador Rodrigo Goulart (PSD), relator das principais pautas urbanísticas em discussão na Câmara.

Transportar os mesmos benefícios para Água Espraiada poderia revigorar a sua atratividade, diz o arquiteto e urbanista Marcelo Ignatios, consultor para desenvolvimento urbano e ex-superintendente da SP Urbanismo, a empresa da prefeitura que rege operações urbanas.

O texto que sairá da Câmara, porém, poderá liberar estoques de potencial construtivo em setores já saturados. "Existe um limite para se construir e ultrapassá-lo pode levar ao colapso de uma região", diz. "Liberar mais potencial construtivo perto da Berrini seria matar a galinha dos ovos de ouro."

Os tais ovos de ouro também podem ser chamados de Cepacs (Certificados de Potencial Adicional de Construção), nome oficial dos títulos negociados na Bolsa de Valores que dão direito ao seu detentor de construir na área da operação urbana.

A prefeitura é a responsável por leiloar lotes de Cepacs e o dinheiro arrecadado deve ser investido em obras para estruturar o perímetro da operação. Isso viabilizou, por exemplo, a construção da avenida Jornalista Roberto Marinho e a ponte estaiada Octavio Frias de Oliveira.

Mas o desinteresse pelos estoques de áreas ainda disponíveis emperrou a arrecadação para a continuidade da operação, sobretudo quanto à produção de habitação de interesse social. Estima-se um déficit de mais de 5.000 moradias para famílias de baixa renda, de um total de 8.000 previstas no perímetro.

A falta de moradia digna coexiste no território com grandes casas vazias ou subutilizadas, além de alguns terrenos baldios. São imóveis ou conjuntos de lotes pequenos demais para atender o lote mínimo em que Cepacs podem ser utilizados para construção. Sem eles, o que vale é a regra da Lei de Zoneamento.

Isso se torna um problema para casas em quadras classificadas como zonas exclusivamente residenciais, que comportam imóveis com apenas dez metros de altura, ocupadas por uma única família e sem permissão para serem utilizadas como comércio. A mudança de uso do imóvel também depende das Cepacs, cujo valor passou de R$ 3.200 por metro quadrado no leilão mais recente, em 2022, e pode custar ainda mais com a flutuação de mercado.

"Ninguém quer comprar nem alugar uma casa no meio desse monte de prédios e eu precisaria comprar quase R$ 160 mil em Cepacs para mudar o uso, mas eu não tenho", diz o aposentado Ruy Paiva, 62, proprietário de uma casa fechada há dez anos no Campo Belo.

O cenário é diferente num trecho do bairro do Brooklin que está fora da operação Água Espraiada. Com as novas regras de zoneamento em vigor, quadras classificadas como eixos de transporte tiveram dezenas de casas demolidas para dar lugar a prédios.

Para analista de seguros Marcos Fábio, 49, que nasceu no bairro, a decisão de vender ou não a casa onde vive com a família depende de alguma das frequentes propostas que recebe chegar ao que ele considera justo, cerca de R$ 18 mil por metro quadrado. "Eles não querem vir para o Brooklin? Que paguem o preço", diz.

Como a operação urbana vira investimento em obras

  • A prefeitura coloca à venda, na Bolsa de Valores, certificados que dão ao comprador o direito de aumentar o tamanho ou mudar o uso das construções na área da operação
  • Isso valoriza os terrenos, pois quanto maiores os prédios, mais apartamentos, escritórios e comércios podem ser construídos e vendidos
  • O dinheiro arrecadado com a venda desse potencial construtivo deve ser usado em obras para melhorar a infraestrutura da região

Desequilíbrio atrapalha a operação Água Espraiada

  • A operação está dividida em cinco grandes setores e cada uma deles tem um limite de metros quadrados de potencial construtivo
  • O mercado comprou o estoque disponível na região mais cobiçada, perto da avenida Luiz Carlos Berrini, mas teve menor interesse sobre o restante
  • Sem demanda, a prefeitura deixa de arrecadar e perde capacidade de investir em obras viárias e de habitação na área da operação, por exemplo

Lotes esquecidos entre prédios perdem valor

  • Alguns terrenos não podem receber aumento de potencial construtivo porque estão abaixo do tamanho mínimo, de 1.000 m², conforme o trecho da operação
  • Esses lotes podem ficar presos à Lei de Zoneamento e perdem valor nos casos em que a lei impede a construção de grandes prédios, como nas zonas residenciais
  • Alterar o uso do imóvel também depende da compra dos certificados que permitem adicionar área construída ao tamanho do lote
  • O custo é alto e, em muitos casos, famílias proprietárias desses imóveis esquecidos não conseguem fazer a alteração de uso, tampouco acham compradores para suas casas
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