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O que ainda deve ser feito para proteger os povos da Amazônia após a tragédia yanomami

Embora as medidas para fortalecer o Estado de Direito sejam necessárias, os direitos indígenas também devem ser priorizados, preservados e ampliados

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Robert Muggah

Lecturer, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)

The Conversation

A morte persegue moradores da reserva yanomami, o maior território indígena do mundo. A área abrange aproximadamente 8 milhões de hectares no norte do Brasil —uma área semelhante ao tamanho da Suíça. No início de 2023, a Polícia Federal ocupou a região como parte de uma operação para combater a mineração ilegal de ouro. Há décadas, garimpeiros têm saqueado as terras yanomami em busca de ouro e estanho.

Descrevendo a situação como um "genocídio" no início de 2023, o presidente Lula prometeu expulsar cerca de 40 mil mineradores após visitar a região. No meio do ano passado, a Polícia Federal afirmou que 75% dos mineradores haviam sido removidos. Até o mês passado, as autoridades relataram que mais de mil "operações" envolvendo mais de 30 entidades federais foram realizadas apenas no estado de Roraima. No entanto, apesar dessas expulsões, muitos mineradores e grupos criminosos retornaram, e a violência e as doenças continuam persistentes.

Os esforços do governo para proteger os povos indígenas precisam ser permanentes e crescentes, sob o risco de estagnarem-se, perderem eficiência, e permitirem a volta do cenário pavoroso que lá se encontrava no início de 2023. Na época, as expectativas de melhoria do cenário cresceram muito com a criação do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), a reestruturação da Funai e a nomeação de líderes indígenas para cargos-chave.

Milhares de indígenas de várias etnias marcham pela esplanada dos ministérios até o Congresso Nacional. O ato é parte da mobilização do Acampamento Terra Livre, que acontece ao longo de toda essa semana em Brasília, como parte da luta do povos originários pelos seus direitos
Indígenas de várias etnias marcham pela Esplanada dos ministérios até o Congresso Nacional em ato do Acampamento Terra Livre, em Brasília - Pedro Ladeira - 23.abr.24/Folhapress

Pouco depois de assumir o cargo, o presidente pediu a aceleração da demarcação de terras, o fim das invasões de territórios indígenas e a ampliação do acesso à assistência social, incluindo à saúde e à educação. Apesar do aumento nos gastos, rapidamente ficou evidente que o governo federal carecia de um plano abrangente para cumprir esses objetivos. A resistência do poderoso setor agropecuário brasileiro e os estragos deixados pelo antecessor de Lula, o ex-presidente de extrema direita Jair Bolsonaro, complicaram ainda mais a situação.

As comunidades indígenas do Brasil enfrentam ameaças de violência extrema há séculos. Em 2024, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) relatou 208 assassinatos violentos no ano anterior, superando o recorde anterior de 182 assassinatos, estabelecido em 2020. Entre 1998 e 2022, o Ministério da Saúde registrou que quase 4.000 indígenas foram assassinados em todo o Brasil. Aproximadamente 55% destas mortes violentas ocorreram na Amazônia Legal. Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), os indígenas são o segmento mais vitimado da população brasileira quando se trata de conflitos de terra, disputas por recursos hídricos e atos de resistência.

Líderes indígenas, defensores e ativistas são rotineiramente alvos de uma constelação de proprietários de terras, madeireiros, agricultores, pecuaristas, garimpeiros, milícias e grupos criminosos. Em 2023, por exemplo, a CPT registrou pelo menos 276 casos de invasões de terras e centenas de ameaças, ataques violentos e crimes ambientais em mais de 200 territórios indígenas, desde o Amazonas e Mato Grosso do Sul, na Amazônia, até a Bahia e Paraná.

Incidentes particularmente graves ocorreram no território indígena Arariboia, no Maranhão, onde 81 pessoas foram assassinadas entre 1991 e 2023 enquanto defendiam seu território contra a exploração madeireira ilegal. Os Yanomami em Roraima e em outros estados também sofrem com a presença combinada de garimpeiros e grupos criminosos organizados, como o PCC (Primeiro Comando da Capital). A lenta demarcação de terras e a presença estatal desigual, e em alguns casos predatória, nessas regiões aumentam ainda mais sua vulnerabilidade.

Isso não significa que as autoridades nacionais tenham negligenciado o problema. Pelo contrário, as autoridades brasileiras intensificaram as operações de segurança militarizadas em territórios indígenas. Por exemplo, a polícia federal e estadual, as forças armadas, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e a Funai lançaram uma intervenção em larga escala para desmantelar a infraestrutura ilegal no Território Indígena Yanomami em abril de 2024.

Da mesma forma, a Operação Sonho Distante 3 em São Félix do Xingu, Pará, teve como alvo grupos criminosos no Território Indígena Kayapó em junho de 2024. Outra intervenção nos Territórios Indígenas Apyterewa e Trincheira Bacajá, também no Pará, visou remover ocupações ilegais de terras que haviam se expandido desde 2023. E em março de 2024, o STF (Supremo Tribunal Federal) aprovou regulamentos que concedem poderes policiais à Funai, a fim de aumentar suas capacidades de atuação em campo.

Ainda assim, cresce a frustração com a incapacidade do governo federal de proteger adequadamente os povos indígenas. Uma preocupação particular é o progresso lento do governo Lula na demarcação de terras indígenas, especialmente nos 37 territórios em áreas de alto risco. Outro ponto de tensão é a incapacidade do presidente de vetar o PL 2903 —uma proposta legislativa que busca restringir os direitos indígenas— que é fortemente apoiada pelos setores do agronegócio e da pecuária.

Mesmo após o STF declarar o projeto inconstitucional —especialmente as medidas que restringem a capacidade dos povos indígenas de reconhecer formalmente seus territórios ancestrais— o Congresso ainda não rejeitou a legislação. E, apesar de declarar uma emergência nacional de saúde e lançar a operação de R$ 1,2 bilhão no território Yanomami este ano, as autoridades têm enfrentado dificuldades para mostrar melhorias mensuráveis na redução da violência ou no aprimoramento da saúde e bem-estar de muitas populações indígenas, muitas das quais sofrem de envenenamento por mercúrio.

As autoridades federais e estaduais podem adotar várias medidas para reverter a situação. No nível mais básico, o presidente precisa lançar uma estratégia nacional abrangente para proteger os povos indígenas e fortalecer instituições relevantes, como o MPI e a Funai.

Embora as medidas para fortalecer o Estado de Direito sejam necessárias, os direitos indígenas também devem ser priorizados, preservados e ampliados, especialmente em relação à segurança territorial, segurança alimentar, geração de renda, saúde e saneamento. Outra prioridade é acelerar a demarcação de terras, juntamente com esforços para expandir a detecção, interrupção e redução de crimes ambientais, focando em policiais corruptos, milícias e grupos do crime organizado. Por fim, o governo precisa alinhar as estratégias de clima, natureza e desenvolvimento com a proteção dos direitos indígenas, inclusive no que diz respeito à exploração e extração de petróleo e minerais, que são temas controversos.

Katherine Aguirre, pesquisadora do Instituto Igarapé, colaborou com o artigo.

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