Descrição de chapéu Governo Bolsonaro

STF pode antecipar destino da Escola sem Partido ao julgar lei semelhante de AL

Ação contesta lei estadual que institui o Escola Livre, iniciativa similar à discutida no Congresso

Reynaldo Turollo Jr. Natália Cancian
Brasília

O plenário do STF (Supremo Tribunal Federal) prevê julgar no próximo dia 28 uma decisão que suspendeu uma lei estadual de Alagoas semelhante ao projeto do Escola sem Partido, que está em tramitação na Câmara dos Deputados e tem a simpatia do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL).

Apesar de valer apenas para o caso de Alagoas, a expectativa é que a decisão do plenário do Supremo indique o entendimento da corte sobre o tema. O resultado poderá estabelecer parâmetros para um eventual julgamento do Escola sem Partido federal, caso o projeto seja aprovado no Congresso e acabe questionado no Supremo.

Aprovada em 2016, a lei estadual, batizada de Escola Livre, proíbe “a prática de doutrinação política e ideológica” nas instituições alagoanas sob o princípio do “direito dos pais a que seus filhos menores recebam a educação moral livre de doutrinação política, religiosa ou ideológica”.

Em outro trecho, a norma estipula que “ao tratar de questões políticas, socioculturais e econômicas, [o professor] apresentará aos alunos, de forma justa, com a mesma profundidade e seriedade, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas das várias concorrentes a respeito, concordando ou não com elas”.

A lei de Alagoas foi suspensa em março de 2017 por decisão monocrática (individual) do relator das ADIs (ações diretas de inconstitucionalidade) que a contestam, o ministro Luís Roberto Barroso. O plenário poderá referendar ou não a decisão do relator.

Uma das justificativas de Barroso para suspender o Escola Livre é que cabe apenas à União legislar sobre diretrizes e bases da educação. O ministro também cita os direitos à educação e ao pluralismo de ideias e à liberdade de ensinar.

“A permanente preocupação do professor quanto às repercussões políticas de seu discurso em sala de aula e quanto à necessidade de apresentar visões opostas o levaria a deixar de tratar temas relevantes, a evitar determinados questionamentos e polêmicas, o que, por sua vez, suprimiria o debate [...], comprometendo-se a liberdade de aprendizado e o desenvolvimento do pensamento crítico”, escreveu Barroso na liminar, citando estudos acadêmicos.

As ADIs, que tramitam em conjunto, foram ajuizadas no Supremo pela Contee (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino), pela CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação) e pelo PDT. Para a Contee, com os dispositivos genéricos da lei, “qualquer um poderia exigir a punição do docente que ensinar aos alunos os princípios do evolucionismo darwiniano e a anatomia da genitália humana”. 

Instada a se manifestar, a Procuradoria-Geral da República opinou pela inconstitucionalidade da norma de Alagoas. “O meio utilizado pela lei impugnada, ou seja, limitação à liberdade de ensino, não é adequado para o fim a que a norma se propõe, porquanto a proteção constitucional à livre consciência é incompatível com quaisquer formas de censura estatal prévia”, sustentou a PGR.

Já o deputado estadual Ricardo Nezinho (MDB), autor da proposta, disse ter estranhado a reação em torno da lei. Segundo ele, a proposta, inspirada no Escola sem Partido, foi encaminhada por uma comissão de pais e professores e não recebeu represálias durante a tramitação na Assembleia.

“Esse projeto tramitou na Casa por um ano e ninguém pediu para fazer audiência pública. O Escola Livre dá uma flexibilidade, não tem nada de mordaça. O que coíbe é o exagero. Um professor de extrema-direita que quer falar de extrema-direita, fale, mas fale também de centro e extrema-esquerda. Não tem vedação. É um projeto altamente democrático”, disse à Folha.

Em meio ao debate, o governador Renan Filho (MDB) chegou a vetar o projeto. A Assembleia, por sua vez, derrubou o veto, permitindo que a lei entrasse em vigor.

MUNICÍPIOS

A decisão do plenário do STF sobre Alagoas também poderá balizar o entendimento sobre leis municipais.

A Folha mostrou nesta segunda-feira (12) que, ao mesmo tempo em que ganham espaço nos debates, leis municipais que vetam a abordagem de gênero nas escolas têm sofrido reveses em alguns tribunais estaduais e em decisões provisórias no STF. A proibição de mencionar gênero é uma parte do projeto Escola sem Partido, que é mais amplo.

Em outubro, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo suspendeu uma lei parecida com o Escola sem Partido sancionada em Santos (SP).

A norma instituía “proteção às crianças de textos, imagens, vídeos e músicas pornográficas” e dizia que “pais têm direito a que filhos menores recebam a educação moral e religiosa de acordo com suas convicções” e que professores têm de apresentar às famílias previamente o material adotado em aula.

Autor da medida, o vereador Antonio Carlos Banha (MDB) disse que a proposta visa proteger os direitos da criança, com base no Estatuto da Criança e do Adolescente, evitando que sejam expostas a pornografia.

“É preciso deixar consignado que o objetivo não é afrontar ou melindrar a criatividade do professor, mas sim resgatar a interação da família com a escola, trazendo os pais para a unidade de ensino para melhor participar da educação de seus filhos”, afirmou o vereador em nota.

Um grupo de cerca de 200 promotores e procuradores assinaram uma nota técnica em que defendem que projetos de lei do Escola sem Partido são constitucionais e visam, entre outros aspectos, assegurar o direito dos pais de dirigir a educação religiosa e moral dos filhos.

“Se os pais ensinam aos seus filhos que 'isso é pecado', mas na escola eles aprendem com seus professores que 'pecado não existe' —ou vice-versa—, qual a chance de os filhos respeitarem seus pais? E, se não os respeitam, qual a chance de haver alguma harmonia no seio da família?”, argumenta o grupo.

A posição, porém, não representa o entendimento institucional do Ministério Público, que vem contestando normas do tipo. A Procuradoria Federal de Direitos do Cidadão também vem defendendo que esse tipo de norma é inconstitucional. 

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