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Brasil aumenta recursos para educação, mas gasta mal

Ministro erra, porém, ao colocar dilema entre educação básica ou superior

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Renan Pieri

Nesta quarta-feira, 15 de maio, manifestações de trabalhadores, alunos e instituições ligadas às universidades públicas se espalharam pelo país contra o contingenciamento de gastos promovido pelo Ministério da Educação em consonância com a área econômica do governo Bolsonaro.

Possivelmente, essas foram as maiores manifestações de rua desde o movimento que antecedeu o impeachment da presidente Dilma Roussef, em 2015. A história começou na semana passada, quando o ministro Abraham Weintraub anunciou que universidades com mau desempenho sofreriam cortes de gastos de 30% dos gastos discricionários, ou seja, aqueles que não consistem em pagamento de salários, seguridade social, dentre outras despesas obrigatórias da administração pública.

Crianças em atividade em escola pública em Balneário Camboriú (SC)
Crianças em atividade em escola pública em Balneário Camboriú (SC) - Bruno Santos - 26.mai.17/Folhapress

Publicou também um vídeo argumentando que o contingenciamento permitiria maiores investimentos na educação infantil, no aumento de vagas em creches. Ao final, corrigiu-se dizendo que todas as universidades federais seriam afetadas pelo contingenciamento.

Mas, em linhas gerais, o que faz sentido e quem tem razão nessa história toda? É complicado! O contingenciamento se deve, na verdade, ao fato de o orçamento do governo federal ter sido construído sob uma projeção de crescimento do PIB de 2,5% em 2019.

Como o PIB deve crescer menos de 1,5% neste ano, é natural que o governo faça contingenciamentos (que possivelmente virarão cortes caso a economia não se recupere) nas áreas em que isso é legalmente permitido.

Se fosse uma empresa, o governo faria uma análise de custo-benefício de suas diferentes áreas e a partir disso enxugaria o quadro de funcionários das áreas menos produtivas. Como não é o caso e a Constituição obriga o pagamento dos benefícios previdenciários e dá estabilidade aos funcionários públicos concursados, resta a redução de despesas discricionárias que se concentram em educação, saúde e gastos sociais.

Espera-se que este cenário de escassez melhore com a aprovação de uma reforma da Previdência, pois isso permitiria que o governo reduzisse os gastos com custeio e aumentasse os investimentos em educação. 

Todo esse processo, portanto, poderia ter sido comunicado pelo governo como uma questão contábil. Um assunto duro, mas técnico. Mas não foi o que ocorreu! Ao anunciar o contingenciamento, o MEC pôs em discussão o desempenho das universidades federais e um suposto dilema entre gastar com educação infantil ou superior. Mas será que gastamos muito em educação?

O Brasil é um país que tem se esforçado para destinar mais recursos à educação. Entre 2000 e 2015, os dados do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) mostram que o percentual gasto em educação com relação ao PIB aumentou de 4,6% para 6,2%.

Gastamos mais como porcentagem do PIB que a média do clube dos países ricos da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Entre 2000 e 2015, o gasto por aluno foi de R$ 2.587 para R$ 7.273 (em valores de 2015). Todavia, isso não significa que gastamos muito em educação, pois nosso PIB é menor que o dos países da OCDE.

Segundo os dados da edição de 2015 do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), o gasto por aluno no Brasil é menos da metade da média da OCDE. Adicionalmente, o gasto acumulado por aluno entre 6 e 15 anos no Brasil é de somente 42% da média da OCDE. 

Se já nos esforçamos para garantir recursos para a educação, a questão está em como alocamos esses gastos. E aí está o problema! Gastamos muito mal. O gasto por aluno no Brasil é maior que o de outros países de renda média que tem desempenho melhor que o nosso no Pisa, como Chile e México.

A literatura que estima a relação entre gastos educacionais e desempenho dos alunos nos exames de proficiência nos aponta que os municípios brasileiros que destinam mais recursos para a educação não necessariamente têm melhor desempenho.

Vejamos, por exemplo, o caso de Brejo Santo, município do Ceará. Este teve Ideb igual a 7,9 em 2017. Já o município de São Paulo, que tem PIB per capita cerca de quatro vezes maior que o município cearense, teve Ideb igual a 6,0 em 2017.

Além disso, como bem apontou o ministro Abraham, nosso gasto é desproporcionalmente maior com educação superior. Em 2015, gastamos R$ 6.381 por alunos da educação básica enquanto o dispêndio foi de R$ 23.215 por aluno da educação superior. Em um país onde metade das escolas da educação básica não tem biblioteca ou sala de leitura, parece um contrassenso priorizar a educação superior. 

Mas o ministro erra ao colocar o dilema entre gastar com educação básica ou superior. Como sociedade, podemos viabilizar o aumento de recursos para a educação básica discutindo maneiras de reduzir gastos públicos menos produtivos, como os gastos com custeio da máquina pública.

É verdade que R$ 1 gasto em creches tem retorno maior que R$ 1 gasto com um aluno de graduação. Porém, o retorno do dinheiro gasto com educação superior é possivelmente maior do que o da verba alocada para subsídios a grandes empresas ou para o fundo partidário que financia as campanhas políticas.

O contingenciamento também poderia vir acompanhado de propostas que permitissem às universidades aumentarem suas receitas. Não seria melhor cobrar mensalidades dos alunos que podem pagar e não cortar as bolsas de pós graduação que viabilizam o avanço da ciência? As universidades não poderiam arrecadar com cobrança por cursos lato sensu e não diminuir os recursos para a manutenção de laboratórios?

São questões que precisam ser colocadas e discutidas. O que não podemos fazer é continuar fingindo que esses dilemas não existem! 

Renan Pieri é doutor em Economia, professor de economia do Insper e especialista em avaliação de políticas educacionais

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