Escola cívico-militar em RO afasta professores que queriam ir a reunião do sindicato

Governo de Rondônia não se pronunciou sobre o caso; estado já mandou recolher livros e depois recuou

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Brasília

Uma escola cívico-militar em Rondônia, gerenciada pela PM (Polícia Militar), mas com professores da rede estadual de educação, determinou a dispensa de dez professores por eles terem indicado interesse em participar de assembleia do sindicato da categoria.

O caso ocorreu no colégio Tiradentes da PM, em Porto Velho, na última quinta-feira (19). A direção da unidade argumentou que, por terem se organizado para a atividade, os docentes não teriam perfil para a escola. Há docentes no grupo que atuavam na unidade havia mais de 20 anos. Segundo eles, o episódio é inédito. 

A Constituição garante a livre associação a sindicatos, assegurando, inclusive, o direito de greve. Não há exceção para escolas com gestão compartilhada com a PM, ainda mais por se tratar de servidores concursados para o magistério estadual. 

O Sintero (Sindicato dos Trabalhadores em Educação no Estado de Rondônia) havia convocado uma assembleia para esta quinta-feira (20) para tratar de temas de interesse da categoria. Os professores da rede não estão em greve.

Os docentes haviam avisado com antecedência a direção da escola e, ainda na quarta-feira (19), o diretor da escola, o capitão da PM Jeferson Bezerra Pires, encaminhou ofício para a secretaria de Educação de Rondônia comunicando a "devolução de servidores".

A professora Talita Pereira, 60, leciona na escola há 15 anos e foi incluída na lista de profissionais devolvidos à secretaria de Educação para alocação em outra unidade. Ela não quer mudar de escola.

"Nunca aconteceu algo parecido, inclusive já participei de greves anos atrás", diz ela, que é professora de matemática. "Eu não estou satisfeita, quero voltar para lá porque sempre fiz meu trabalho bem feito, tenho vários projetos que elaborei com meus alunos que foram reconhecidos".

O colégio é uma das cerca de 120 escolas com gestão compartilhada que inspiraram o projeto do governo Jair Bolsonaro de expansão de unidades cívico-militares. O MEC (Ministério da Educação) inicia neste ano projeto piloto para transformar 54 escolas em formato parecido.

No início do mês, a Folha revelou que o governo de Rondônia havia distribuído uma ordem para recolhimento de livros que seriam inadequados. A pasta voltou atrás após questionamentos à medida.

O governador de Rondônia, coronel Marcos Rocha, é filiado ao PSL, ex-partido do presidente Jair Bolsonaro. A expectativa é que Rocha acompanhe Bolsonaro em seu novo partido.

A reportagem conversou com outros dois professores que pediram para não serem identificados, com medo de represálias. De acordo com um deles, a direção da escola tratou o caso como um motim, e os professores afastados foram criticados aos alunos da escola nesta quinta. 

Ao diretor professores reclamaram de possível assédio moral. A Folha entrou em contato com a escola e com o diretor da unidade, o capitão Pires, mas não teve retorno. 

O documento ressalta que os profissionais "não apresentaram, por ora, o perfil exigido pelo sistema de ensino militar". Para o capitão, que assumiu a direção da escola no ano passado, os servidores cedidos ao colégio pelo estado devem possuir um perfil condizente com "valores, ética e lealdade profissional".

O Sintero divulgou texto em que afirma que a atitude "não condiz com o Estado Democrático de Direito" e deve ser revista. "O Sintero repudia a atitude da escola militar por se tratar de uma ação ditatorial, arcaica e opressora, em que, motivada por uma ação política, fere o direito constitucional dos profissionais".

Professores relataram à reportagem que estiveram com o secretário de Educação, Suamy Vivecanda, para tratar do assunto. O secretário teria dito a eles que não teria o que fazer.

Folha entrou em contato com Vivecanda, mas ele não respondeu as mensagens. No sábado (22), a secretaria de Educação de Rondônia afirmou, em nota, que está "apurando os fatos para tomar as providências cabíveis".

Unidades militares ganharam evidência nos últimos anos por causa de indicadores educacionais positivos e por atacarem o problema da indisciplina. Por outro lado, educadores se opõem à militarização da educação.

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