Governo Bolsonaro patina em repasses para colocar internet nas escolas

Governo Bolsonaro entregou em 2019 16% dos recursos prometidos, e não empenhou verba prevista para 2020

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Brasília

No momento em que a educação online ganha relevo por causa da pandemia do novo coronavírus, o governo Jair Bolsonaro (sem partido) patina no apoio à implementação de internet nas escolas públicas do país.

O MEC (Ministério da Educação​) anunciou no ano passado que 70 mil escolas seriam beneficiadas com dinheiro federal para instalar conexão ainda naquele ano, com o investimento de R$ 224 milhões.

Porém, só 16% desse recurso, equivalente a R$ 37 milhões, foram de fato pagos em 2019. Isso permitiu atingir 10.876 escolas, segundo a pasta.

Nenhum centavo dos R$ 135 milhões previstos no orçamento deste ano chegou a ser empenhado. O empenho é a primeira etapa da execução orçamentária, uma espécie de reserva do dinheiro para um fim determinado.

O MEC afirma que preferiu executar neste ano, até agora, apenas o orçamento pendente do ano anterior para chegar a novas 38 mil escolas. A pasta não informou quanto do volume previsto em 2019, dos chamados restos a pagar, foi liberado neste ano para essa finalidade.

Redes de ensino consultadas pela Folha indicam que escolas contempladas no programa ainda em 2019 não receberam de fato os recursos.

Mesmo que todas as unidades indicadas pelo MEC recebam o dinheiro, o saldo de atendimento atingiria 70% do que foi prometido pelo governo.

O cenário indica precariedade na gestão da pasta. O MEC só empenhou os recursos para o programa no fim do ano, inviabilizando o uso do dinheiro em 2019.

Como a Folha mostrou em junho, cerca de 60% dos recursos gastos pela pasta neste ano são de verbas não executadas no ano passado.

O FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), órgão do ministério responsável pelos repasses, ainda sofre com escassez de equipe. Isso tem colaborado com a frágil dinâmica dos repasses, segundo relatos de integrantes do fundo.

Os recursos fazem parte do programa federal chamado Educação Conectada. Criado em 2018, ele transfere dinheiro diretamente para as escolas. As próprias unidades devem comprar equipamentos de infraestrutura de rede e adquirir pacotes de internet.

Em 2018, na gestão Michel Temer (MDB), 23.266 escolas haviam sido contempladas a partir do investimento de R$ 78,6 milhões, quase o dobro do liberado pelo atual governo no ano passado.

Com o MEC mergulhado em crise, troca de ministros, de equipes e paralisia, o governo Bolsonaro só retomou o programa no 2º semestre de 2019. Foi uma das apostas do ex-ministro Abraham Weintraub, que chegou a fazer ao menos quatro eventos para divulgá-lo.

Em novembro passado, o próprio Bolsonaro participou de solenidade no Palácio do Planalto, em Brasília, para o anúncio de que 70 mil escolas seriam contempladas.

Este foi um dos dois únicos eventos relacionados à educação com a presença do presidente (o outro tratou de escolas cívico-militares).

"Quando as aulas recomeçarem em 2020, nossas crianças terão uma novidade: internet em banda larga", escreveu Weintraub nas redes sociais, também em novembro. "Antes, escola pública com internet era exceção. Com o governo Bolsonaro passará a ser a regra!".

Quase metade das 141 mil escolas do país não contava com internet banda larga em 2018, segundo dados do Censo escolar mais recente. A situação é mais precária nas regiões Norte e Nordeste.

Na rede estadual de Alagoas, por exemplo, das 89 escolas eleitas para o programa em 2019, só 43 estão com os recursos liberados. Na rede do Rio Grande do Norte, foram contemplados 408 escolas em 2019, nenhuma recebeu dinheiro no ano passado, e 26 receberam neste ano.

O presidente da Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação), Luiz Miguel Garcia, diz que o MEC deveria antecipar os processos do programa para haver condições de enfrentar a situação causada pela pandemia.

"Isso vai ser fundamental para fazer processo híbridos de oferta educacional, também por tecnologia, para os alunos", diz.

Com a pandemia, redes de ensino têm planejado retorno às aulas de forma escalonada e com a manutenção de atividades online.

O MEC tem sido ausente no apoio às secretarias de ensino durante a pandemia. Não há linhas específicas de financiamento nem acompanhamento e avaliação do que está sendo feito pelo país.

Também há, por outro lado, dificuldades nas próprias redes para o cumprimento das exigências burocráticas para o recebimento desses recursos.

A execução do programa tem maior complexidade, uma vez que as escolas precisam, por exemplo, ter orçamentos dos serviços, dificuldade acentuada sob a pandemia.

A Folha apurou que há cerca de 10 mil escolas com atrasos nos procedimentos.

Em nota, o MEC afirma que, além de executar o orçamento não gasto de 2019, os empenhos do recursos previstos para 2020 só são realizados após as redes selecionarem as escolas, o que era esperado até julho, e os diretores elaborarem um plano de aplicação financeira.

Somente escolas sem pendências em prestações de contas com o FNDE podem receber os recursos, segundo o MEC.

Ao contabilizar também as escolas contempladas em 2018, o MEC afirma que 81% das escolas públicas municipais e estaduais estarão cobertas —com alcance a 13% das escolas rurais.

"Esse número deve avançar significativamente em 2020", diz a pasta, ao ressaltar que novas regras do programa para este ano inseriram escolas rurais.

Para Felipe Poyares, assessor de Relações Governamentais do Movimento Todos Pela Educação, não executar os recursos, com milhões sem acesso às atividades remotas, é inaceitável. “O ministério poderia ter criado alternativas para melhorar a conectividade dos professores e alunos nesse momento”, diz.

Ele sugere ao MEC, por exemplo, centralizar a negociação com as teles pra ganhar escala e reduzir preços

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