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Cristovam Buarque

Em livro sobre seus últimos dias, Gilberto Dimenstein se faz imortal

Publicado no fim de novembro, volume relata a proximidade da morte com o humor e a inteligência típicos do jornalista

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Cristovam Buarque

Professor emérito da Universidade de Brasília, foi senador, governador do Distrito Federal e ministro da Educação (governo Lula)

Seis meses depois de sua morte, Gilberto Dimenstein voltou. Tão vivo quanto antes: bem humorado, solidário, compreensivo, generoso e ainda mais sensível que antes do 29 de maio em que partiu. Chegou pelo correio em seu livro “Os últimos melhores dias de minha vida”; de surpresa, cortesia da Editora Record. Ao abrir o envelope mergulhei em uma conversa com ele.

O livro tem a qualidade de um belo texto com a história verdadeira e fiel de um jornalista saudável que sonha estar doente, descobre um câncer agressivo e faz sua reportagem final: descreve seus últimos meses, a luta em busca de cura, a aceitação aliviada do destino inevitável, até a véspera de sua partida, depois das despedidas, sua última refeição e recolhimento ao sono.

Sou admirador de suas reportagens e livros, de sua luta pelos direitos das crianças e educação para todos, acompanhei seus empreendedorismos sociais, mas não estava preparado para a grandeza de seu livro: a maneira como enfrentou, conviveu e aceitou a morte; a força para escrever esta monumental reportagem e para a imortalidade que o livro lhe dará.

Gilberto está vivo nas páginas de seu livro, com todas as qualidades de antes em vida, e com a grandeza ampliada pela capacidade de observar sua própria morte e perceber que chegou a hora da passagem para o depois, e reportar a marcha até deitar-se e morrer.

Ao mergulhar no Gilberto, pelas páginas deste tocante e grandioso livro, não imaginava receber a lição profunda de como caminhar para a única certeza de cada um de nós: o mesmo destino, alguns com mais ou menos dores, mais ou menos tempo para preparação, mais ou menos crenças no que virá depois, mas que nos negamos a estar prontos.

Ele que tanto lutou pelo direito e a dignidade das crianças, com este livro promoveu o direito de todos à morte com dignidade.

Ao saber que seus dias seriam poucos, Gilberto perdeu suas ansiedades de trabalho, produção, desejo de deixar marcas para o futuro, e passou a ver uma flor desabrochando no seu jardim, o sol se pondo no horizonte, os filhos dialogando perto, o amor da Anna ao lado, o neto brincando no chão ou no colo.

Os sentidos e sentimentos se aguçaram, os quadros adquiriram mais tonalidades, as músicas mais acordes, a memória trouxe mais lembranças das coisas que fez e dos erros que cometeu. Esta é a grande lição do livro: ao saber que vamos morrer logo, vivemos mais intensamente os últimos melhores dias da vida; desapegando de coisas, vícios, manias, propósitos que nos roubam tempo que poderíamos viver.

Gilberto escreveu um livro que nos dá a lição de como viver os melhores últimos dias da vida que começam hoje.

Nas páginas do livro ele deixa o retrato vivo de como foi e continua sendo, o humor com que trata a metástase como se fosse um caranguejo gigante se movimentando dentro dele, a generosidade com que se envolveu em cada uma de suas lutas, a esperança com o futuro ao pensar no neto com quem brinca e em uma neta que não terá tempo de ver; o gosto de viver em pequenas coisas, um concerto de jazz, uma refeição em restaurante fino, um cachorro quente em Nova York, o sanduiche do Bar do Seu Zé que ele escolhe como sua última ceia.

Gilberto já estavana história brasileira como o jornalista de grandes reportagens, descritas com rigor, e sempre uma causa por cima. Agora ele entra na história do jornalismo como o repórter que descreveu seus últimos dias e sua própria morte, como um grande escritor que escreveu um clássico da língua portuguesa.

Um livro imortal pelo tema e pelo texto. Uma obra literária em que o personagem é o autor, sua vida e sua morte. Com uma espectadora participante, Anna Penido, coautora na vida e na arte, apoio nos últimos melhores dias e alavanca da imortalidade de Gilberto.


Os últimos melhores dias da minha vida, Gilberto Dimenstein e Anna Penido (Record, 2020); R$ 34,90

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