Lula cria fundo privado de R$ 20 bi para tentar manter alunos pobres no ensino médio

Plano é pagar, a partir de 2024, para que jovens não abandonem a escola; Fonte de recursos ainda é entrave

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Brasília

O governo Lula (PT) editou uma MP (medida provisória) que cria um fundo privado de financiamento de bolsas para incentivar estudantes pobres a permanecerem no ensino médio.

O fundo receberá até R$ 20 bilhões da União, em recursos do Orçamento, ações de empresas estatais federais ou ações de companhias nas quais o governo tem participação minoritária. No futuro, os leilões do pré-sal também poderão exigir das empresas aportes adicionais como contrapartida social.

O texto da MP, antecipado pela Folha, foi publicado nesta terça-feira (28) em edição extra do Diário Oficial da União. O presidente assinou horas antes de viajar para Dubai, onde participa da cúpula do clima (COP 28).

O plano do governo é, a partir do próximo ano, pagar uma bolsa para que jovens pobres não abandonem a escola. Os alunos poderão retirar uma parcela, que ficará em uma poupança, ao fim do ano letivo ou mesmo receber uma quantia a cada mês.

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O presidente Lula acompanhado do ministro da Educação, Camilo Santana, durante Enem 2023. - Pedro Ladeira/Folhapress

O programa será voltado a jovens de famílias inscritas no Cadastro Único, porta de entrada para programas sociais. O Brasil tem 7,9 milhões de alunos de ensino médio.

Os detalhes sobre valores de bolsas, formas de pagamento e operacionalização serão estipulados em outro texto legal, a ser editado pelo governo.

Apesar do limite do fundo ser de R$ 20 bilhões, o valor do aporte imediato não está definido. E é alvo de negociações internas no governo.

"Não existe nenhum cronograma de quanto vai ser aportado e quando. Não tem nenhuma definição", disse a secretária adjunta do Tesouro Nacional, Viviane Varga.

Além da disponibilidade de dinheiro, o tamanho do orçamento para as bolsas depende das próprias definições do desenho do programa, como o valores para cada aluno, a possibilidade de resgatar recursos mensalmente e a linha de corte de renda que determinará a concessão. Técnicos do MEC desenvolveram um simulador para aferir quanto custaria a política de acordo com as condicionalidades.

Questionado, o MEC (Ministério da Educação) não respondeu.

Também há dúvidas quanto à adequação da medida às regras fiscais em vigor. Sem entrar no mérito da proposta, técnicos da área econômica e especialistas de fora viram na MP uma série de dispositivos controversos. Um deles é a própria criação de um fundo privado para administrar uma política pública.

Outro alvo de críticas é a possibilidade de usar ações para injetar recursos neste fundo, operação que ficaria fora do Orçamento.

Ao optar pela criação de um fundo privado, o governo ganha margem para fazer o aporte apenas em 2023 e concentrar a despesa num ano em que ainda há uma folga em relação ao déficit máximo autorizado pela LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias). Na prática, o governo antecipa uma despesa para evitar que ela piore as contas no futuro.

Para que isso seja viável, porém, a base governista no Senado retomou a ideia de usar recursos desse fundo fora do limite de despesas vigente em 2023. Isso chegou a ser incluído pelo senador Humberto Costa (PT-PE), em um projeto de lei complementar há duas semanas, mas a bancada recuou por resistências da oposição.

Nesta semana, um segundo projeto com o mesmo objetivo entrou na pauta do Senado. A proposta foi protocolada por Costa e é relatada pelo líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). O texto foi aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos nesta terça e está na pauta do plenário desta quarta (29).

O governo trabalhava com uma liberação entre R$ 7 bilhões e R$ 10 bilhões para o ano que vem. O senador Ciro Nogueira (PP-PI) apresentou proposta de emenda que limitaria a R$ 4 bilhões esse recursos.

Varga, do Tesouro Nacional, disse não ter conhecimento do projeto para excluir as despesas do limite. Apesar disso, o próprio secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, já havia admitido anteriormente a possibilidade de descontar esse gasto do limite.

A alternativa de realizar os aportes com ações de empresas, estatais ou nas quais a União tenha participação minoritária, também é controversa.

O uso de ações para fazer aportes em fundos já foi observado no fim do segundo mandato de Lula e durante o governo Dilma Rousseff (PT), quando ações de Petrobras, Eletrobras e bancos públicos foram empregadas para capitalizar o fundo garantidor do Fies —que depois precisou de novos aportes para fazer frente ao aumento da inadimplência dos financiamentos estudantis. Em relatório de 2015, a administração do fundo apontou a baixa liquidez de algumas ações como um entrave à honra de eventuais compromissos.

A criação do programa de incentivo à permanência no ensino médio já havia sido anunciada, mas integrantes do governo, como o ministro da Educação, Camilo Santana, indicaram haver indefinições sobre tocá-lo por projeto de lei ou MP. Também não havia decisão final sobre a composição de um fundo específico.

O texto prevê que o fundo privado será gerido pela Caixa Econômica Federal com participação da União e de outros cotistas, pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado. Ainda há previsão de que estados e municípios possam fazer aportes.

Já o ingresso dos recursos oriundos dos aportes da "comercialização de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos da União" serão vinculados a recursos de leilões realizados a partir de 2024, cujo ingresso de recursos se dê a partir de 2025.

Para receber a bolsa, há contrapartidas, como frequência, aprovação e participação em exames, como o Saeb (avaliação federal da educação básica) e o Enem, no caso de alunos do 3º ano.

O diretor-executivo do Movimento Todos pela Educação, Olavo Nogueira Filho, classifica a iniciativa como pertinente e relevante, mas diz que ela não pode ser vista como "bala de prata" para a evasão. Segundo Nogueira Filho, há evidências sobre o sucesso de políticas como essa, mas depende do desenho final.

"As evidências mostram que para aumentar a chance de efetividade, ele deve ter metas claras e ser focalizado", diz. "Se for focalizado para alunos em situação de pobreza e extrema pobreza, a recorrência de desembolsos também é aspecto importante [e não só uma poupança]".

Ele ressalta a necessidade articulação com outras políticas, como o incentivo à manutenção de alunos em tempo integral. E que também haja avaliação sobre o tamanho do investimento para essa ação.

"Se olharmos para as duas políticas prioritárias do governo, que são alfabetização e tempo integral, tem um valor estimado anual entre R$1 bilhão e R$ 2 bilhões. É importante que se faça análise do custo-benefício e do custo de oportunidade, ainda mais em tempos de orçamento limitado e múltiplas demandas".

O MEC já anunciou iniciativas voltadas à alfabetização e à expansão de escolas de tempo integral. Nos dois casos, o governo patina para levar o dinheiro às redes de ensino e escolas —nenhum centavo dos R$ 1 bilhão previstos neste ano para o novo programa de alfabetização havia sido empenhado até meados de novembro, como a Folha mostrou.

O ensino médio representa um dos maiores gargalos da educação brasileira, com evasão de 8,8% no primeiro ano, segundo dados oficiais. Esse problema é concentrado entre os mais pobres, e pesquisas apontam que muitos jovens saem da escola para trabalhar.

A criação de um programa federal de bolsas no ensino médio foi um compromisso assumido com a então candidata ao Palácio do Planalto, Simone Tebet. Antes de anunciar o apoio a Lula, ela pôs como condição a incorporação dessa promessa ao programa de governo petista. Hoje Tebet é ministra do Planejamento.

Uma MP passa a valer assim que editada, mas precisa ser apreciada pelo Congresso Nacional. O objetivo de iniciar o programa já em 2024 é colocado como argumento de urgência para o ato —critério para a edição de MP.

Na semana passada, integrantes do governo já haviam admitido bancar um programa de incentivo à permanência de alunos no ensino médio fora do limite atual de despesas, uma vez que o remanejamento de recursos no Orçamento é considerado algo não trivial. O Executivo convive neste momento com um bloqueio de R$ 5 bilhões nas despesas para, justamente, evitar o estouro do limite de gastos de 2023.

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