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Mulheres denunciam médicos por gaslighting após diagnósticos errados

Assim como negros, elas têm maior probabilidade de ter seus sintomas menosprezados

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Melinda Wenner Moyer
The New York Times

Jenneh Rishe podia correr com facilidade 10 km em menos de 45 minutos –até que de repente não conseguiu mais. Na primavera de 2019, Rishe, hoje com 35 anos, começou a achar suas corridas diárias muito difíceis.

Anos antes ela havia sido diagnosticada com dois problemas cardíacos congênitos que, segundo ela, os médicos disseram que não afetariam suas atividades cotidianas. Mas ela estava piorando: fortes dores no peito a acordavam à noite, e ela teve que começar a usar uma cadeira de rodas depois de desmaiar várias vezes.

Rishe, que mora em Los Angeles, na costa oeste dos Estados Unidos, encontrou um cardiologista muito recomendado no meio-oeste e viajou até lá para consultá-lo. Ele imediatamente menosprezou seus sintomas, disse ela. "As pessoas que têm esses problemas cardíacos não ficam tão doentes", ela lembra que ele disse. O médico prescreveu um novo medicamento para o coração, disse para ela se exercitar e a mandou para casa.

Estudos mostram como mulheres e negros tem maior probabilidade de ter seus sintomas ignorados por médicos
Estudos mostram como mulheres e negros tem maior probabilidade de ter seus sintomas ignorados por médicos - Marta Monteiro/The New York Times

Insatisfeita com o atendimento, Rishe procurou outro médico, que pediu testes extensos que descobriram que suas artérias estavam tendo espasmos por falta de oxigênio. "Eu estava basicamente tendo mini-infartos toda vez que sentia dor no peito", disse. Dois meses depois, ela passou por uma cirurgia para corrigir o problema, que mais tarde soube que pode ter salvado sua vida.

"Ainda penso com frequência que qualquer corrida que eu fiz podia literalmente ter sido a última", disse Rishe.

Pesquisas sugerem que erros de diagnóstico podem ocorrer em um em cada sete encontros entre um médico e um paciente, e que a maioria desses erros são causados pela falta de conhecimento do médico. As mulheres são mais propensas que os homens a receber diagnósticos errados em diversas situações.

Os pacientes que sentiram que seus sintomas foram inadequadamente considerados sem importância ou psicológicos por médicos usam a expressão "gaslighting médico" [que indica a deslegitimação de posicionamentos femininos como se fossem exagero ou loucura] para descrever suas experiências e compartilhar suas histórias em redes sociais como Instagram. O termo deriva de uma peça chamada "Gaslight" sobre um marido que tenta enlouquecer sua mulher. E muitos pacientes, especialmente mulheres e pessoas não brancas, descrevem como enlouquecedora a busca por um diagnóstico e tratamento corretos.

"Sabemos que as mulheres, especialmente as não brancas, muitas vezes são diagnosticadas e tratadas pelos médicos de modo diferente que os homens, mesmo quando têm as mesmas condições de saúde", disse Karen Lutfey Spencer, pesquisadora que estuda a tomada de decisões médicas na Universidade do Colorado em Denver.

Estudos mostraram que, em comparação com os homens, as mulheres enfrentam períodos mais longos para ser diagnosticadas com câncer e doença cardíaca, são tratadas de maneira menos agressiva de lesão cerebral traumática e têm menor probabilidade de receber medicação contra a dor. As pessoas não brancas muitas vezes também recebem atendimento de qualidade inferior, e os médicos são mais propensos a descrever as pacientes negras como não cooperantes ou reticentes, o que pode afetar a qualidade do tratamento de acordo com a pesquisa.

"Eu me lembro de repassar várias vezes na minha cabeça, tentando lembrar o que eu poderia ter feito para fazê-lo reagir daquela maneira", disse Rishe, que é negra, sobre o cardiologista do meio-oeste. "E, sim, racismo passou pela minha mente."

As mulheres dizem que os médicos frequentemente atribuem seus problemas de saúde à sua saúde mental, excesso de peso ou falta de cuidados próprios, o que pode retardar o tratamento eficaz. Por exemplo, a pesquisa de Spencer sugere que as mulheres têm duas vezes maior probabilidade que os homens de ser diagnosticadas com doença mental quando seus sintomas são compatíveis com doença cardíaca.

Quando Sarah Szczypinski, uma jornalista de Seattle, começou a sentir dor nos joelhos e inchaço, em 2016, depois de ter seu filho, ela disse que um médico lhe falou que estava com depressão pós-parto, enquanto outro lhe disse que precisava perder peso e fazer agachamentos –quando na verdade ela sofria de displasia no quadril exacerbada pela gravidez.

Ela sentiu como se os médicos estivessem lhe dizendo que a dor terrível que sentia "era algo que uma mulher precisa suportar", disse. A condição tinha se agravado tanto que precisou de uma cirurgia, em 2020, que serrou seu fêmur pela metade e o realinhou com o quadril. Quando ela finalmente teve o diagnóstico, se sentiu "vingada de muitas maneiras", disse. Mas afinal "foram necessários três anos para conseguir o diagnóstico e mais dois para ser curada".

Para algumas pacientes é pior

As mulheres podem ser diagnosticadas erroneamente com maior frequência que os homens, em parte porque os cientistas sabem muito menos sobre o corpo feminino do que sobre o masculino, embora "existam diferenças biológicas que chegam ao nível celular", disse Chloe Bird, socióloga na Escola de Graduação Pardee RAND que estuda a saúde das mulheres.

Em 1977, a FDA (agência americana de regulação de drogas e alimentos) dos Estados Unidos começou a recomendar que os cientistas excluíssem as mulheres em anos férteis dos testes clínicos iniciais, temendo que se as participantes engravidassem, a pesquisa pudesse prejudicar seus fetos. Os pesquisadores também estavam preocupados que variações hormonais prejudicassem a exatidão dos resultados.

Hoje –graças em grande parte a uma lei aprovada em 1993 que exige que mulheres e minorias sejam incluídas em pesquisas médicas financiadas pelos NIH (Institutos Nacionais de Saúde do governo dos EUA)– as mulheres são mais incluídas em estudos de forma sistemática, mas ainda há enormes lacunas de conhecimento.

Por exemplo, as mulheres com doença cardíaca muitas vezes têm sintomas diferentes dos homens com o mesmo problema, mas os médicos conhecem muito melhor os sintomas masculinos, segundo a doutora Jennifer Mieres, cardiologista do Northwell Health, em Nova York. Quando "aparecem mulheres com sintomas que não se encaixam no algoritmo que aprendemos na escola de medicina, elas são enganadas e ignoradas", disse ela.

Quando Michelle Cho, 32, foi diagnosticada com lúpus eritematoso sistêmico, doença em que o corpo lentamente ataca seus próprios tecidos, ela havia desenvolvido insuficiência renal, sopro cardíaco e pneumonia, mas o primeiro médico que consultou a diagnosticou com alergia, e o segundo achou que estivesse grávida.

"Saí decepcionada, triste e apreensiva, porque eu sabia que eles não tinham resolvido meu problema ou me ajudado de qualquer maneira, e tinha sido mais um dia desperdiçado", disse Cho, uma estudante de medicina que vive em Nova York. "Senti como se eles dissessem: 'Está tudo na sua cabeça'."

Como melhorar o atendimento

É difícil saber como começar a abordar esses problemas sistêmicos, dizem os especialistas, mas cientistas afirmam que no mínimo precisa haver mais pesquisa sobre as condições de saúde das mulheres.

Os médicos também deveriam passar mais tempo com cada paciente e atender menos pacientes de modo geral, sugeriu Spencer. Pesquisas mostraram que quando as pessoas desempenham muitas tarefas cognitivas simultâneas são mais inclinadas a tomar decisões parciais. Por exemplo, um estudo descobriu que os médicos homens tinham menor probabilidade de prescrever remédios contra dor para pacientes negras com dores nas costas quando os médicos estavam sob estresse.

Os médicos muitas vezes trabalham em condições difíceis, que "facilitam cometer erros e deslizes", disse Spencer. "É como um conjunto de sistemas e processos problemáticos que convidam ao preconceito." Os pesquisadores também pediram mais treinamento na escola de medicina sobre preconceito e racismo inconscientes no atendimento de saúde. Em 2019, a Califórnia aprovou uma lei que exige que os hospitais implementem programas de preconceito implícito para todos os provedores de saúde que oferecem tratamento perinatal.

Até que haja mais mudanças, mulheres e pacientes negras talvez devam levar consigo uma amiga ou parente para as consultas médicas, disse a doutora Alyson McGregor, cofundadora e diretora da divisão de sexo e gênero em medicina emergencial na Universidade Brown. "Realmente ajuda se você tiver um defensor que possa intervir e dizer coisas como 'normalmente ela não sente tanta dor'", disse ela.

"E procure outro médico se você se sentir menosprezada", aconselhou McGregor. Você poderia até procurar uma médica mulher ou um provedor com maior competência cultural, capaz de "entender melhor sua perspectiva e sua língua".

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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