Boxe é usado como tratamento terapêutico por pacientes com Parkinson

Esporte auxilia no equilíbrio, diminui quedas e aumenta a autoconfiança de pessoas com a doença

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​Rachel Fairbank
The New York Times

Para a assistente médica aposentada Cheryl Karian, 72, o boxe é remédio. Karian recebeu um diagnóstico de mal de Parkinson em 2020. Ela não compete nem atua como sparring [pessoa que auxilia o boxeador, simulando o adversário], mas todas as terças e quintas-feiras passa uma hora treinando na Main Street Boxing and Muay Thai, no centro de Houston, nos Estados Unidos.

Antes do diagnóstico, Karian corria, jogava tênis e trabalhava atendendo pacientes no MD Anderson Cancer Center. Isso tudo mudou nos anos que antecederam seu diagnóstico, em 2020, quando ela começou a sofrer dificuldades cognitivas e quedas frequentes. "Não consigo mais fazer o que eu fazia antes", ela explicou um dia após o treino de boxe.

Mulher pratica boxe com o instrutor
Boxe é usado como alternativa no tratamento terpêutico de pessoas com mal de Parkinson - Jack Thompson/The New York Times

Ao lado de outros dois participantes da aula, Karian estava praticando "shadowboxing", dando socos no ar, sob a direção do pugilista profissional Austin Trout, conhecido como No Doubt Trout. O treino integra um programa chamado Rock Steady Boxing, especializado em treino de boxe para pessoas com Parkinson, sem contato físico com um adversário.

Enquanto Trout emitia instruções, Karian dava socos diferentes, desviando-se e movendo a cabeça, enquanto mantinha a postura de boxeador, com as pernas bem abertas.

O treino de boxe sem contato vem ganhando popularidade nos últimos dez anos; 4.000 academias novas surgiram antes da pandemia nos EUA, e mais de 5 milhões de americanos vestiram luvas de boxe em 2020.

Os treinos variados e de alta intensidade do boxe oferecem um misto de condicionamento cardiovascular e de força que melhora a agilidadade, coordenação motora e equilíbrio e que pode ser especialmente benéfico para pessoas com transtornos neurológicos como o mal de Parkinson.

A doença de Parkinson é causada por uma deficiência crônica de dopamina, que desencadeia rigidez muscular crescente, tremores, dificuldades na fala, fadiga, tontura e perda de coordenação motora e equilíbrio.

Os movimentos dos pacientes ficam muito lentos e pequenos. Quedas são um problema sério, especialmente à medida que os sintomas progridem. E, embora não exista cura, nem sequer uma maneira de sustar os sintomas, o treino de boxe sem contato parece oferecer uma maneira de desacelerar os efeitos e aumentar a autoconfiança dos pacientes.

"Se você treinar boxe, verá sua coordenação melhorar, sua agilidade também, seu equilíbrio, idem", disse Trout, ex-campeão mundial dos pesos médios leves. Ele dá aulas de Rock Steady há quatro anos. "Esta é uma maneira de combater a doença de Parkinson fisicamente."

IDEIA CONTRAINTUITIVA

A Rock Steady Boxing foi fundada em 2006 por Scott Newman, promotor de Marion County, Indiana, que descobriu que praticar boxe o ajudava a controlar os sintomas do mal de Parkinson precoce. Num primeiro momento, eram apenas ele e cinco outros pacientes treinando com uma ex-boxeadora profissional, Kristy Follmar.

A estranheza de usar o boxe como terapia não passou despercebida por eles –afinal, o esporte tem um dos mais altos índices de concussão e lesão cerebral. Embora não esteja claro se uma vida inteira passada sofrendo concussões cerebrais possa provocar o mal de Parkinson, ela pode aumentar o risco.

Muhammad Ali, um dos maiores ícones do boxe, desenvolveu a doença de Parkinson após uma carreira profissional na qual ele se celebrixou por levar os melhores pesos-pesados de sua época à exaustão, recebendo socos repetidos.

Nas aulas de Rock Steady, os participantes não levam socos –apenas os dão. Ryan Cotton, diretor científico da Rock Steady Boxing, disse que no início, Newman e Follman trabalharam seguindo sua intuição.

Na época, os especialistas em Parkinson recomendavam enfocar a mobilidade e o equilíbrio, mas evitar o esforço excessivo. A postura de pernas abertas dos boxeadores e o deslocamento de seu centro de gravidade quando dão um soco lhes pareceram perfeitos para treinar equilíbrio e postura.

"Havia a teoria de que isso devia funcionar, mas não havia evidências científicas", disse Cotton. "A ciência acabou confirmando muitas das coisas que intuímos e agora as apoia."

Desde então, pesquisas revelaram que muitas formas de exercício de alta intensidade, e especialmente o boxe, podem desacelerar a progressão dos sintomas do mal de Parkinson. O boxe também parece ajudar com outros transtornos neurológicos, como esclerose múltipla e AVC (acidente vascular cerebral).

A Rock Steady cresceu e pariu mais de 850 programas filiados em 17 países, com programas de treinamento e certificação para treinadores como Trout, que querem trabalhar especificamente com pessoas com mal de Parkinson com sintomas em graus diferentes de gravidade.

Quando Cheryl Karian soube que tinha Parkinson, entendeu como seria seu futuro se ela não fosse proativa. Ela havia visto sua mãe, que também tivera Parkinson, sofrendo durante anos enquanto sua qualidade de vida deteriorava. Mas descobriu que praticar boxe ajuda com seu equilíbrio, coordenação motora e funcionamento mental. "Vou fazer o máximo que eu puder, por quanto tempo eu conseguir", ela disse.

ENCONTRANDO EQUILÍBRIO

Mais ou menos metade de todos os pacientes com mal de Parkinson sofrem quedas em qualquer ano dado, a maioria deles mais de uma vez. Como muitos instrutores de boxe, Trout enfatiza com seus alunos a importância de conservar uma postura estável enquanto mantêm as mãos perto do rosto e os braços dobrados para proteger o corpo e o rosto.

"Este é um treino excepcional para prevenir quedas", comentou o fisioterapeuta Ben Fung, de San Diego, que pratica artes marciais mistas e é especializado em ajudar pacientes, incluindo pacientes com mal de Parkinson, a evitar quedas.

Muitas quedas ocorrem quando uma pessoa está tentando alcançar um objeto ou mudando de direção ou velocidade. Aprender a ficar na postura do boxeador pode ajudar com a manutenção de equilíbrio, e manter as mãos para cima pode proteger o corpo e o rosto na eventualidade de uma queda.

Como parte do currículo da Rock Steady, os participantes treinam quedas. "Acabar no chão é comum para doentes de Parkinson", disse Cotton, cujo pai recebeu o diagnóstico de Parkinson alguns anos depois de ele começar a trabalhar com a Rock Steady. "Nossos boxeadores ainda caem, mas não ficam paralisados pelo medo."

Menos medo pode significar menos quedas. "Um dos maiores fatores de risco para quedas é se a pessoa tem medo de cair", explicou Rebecca Martin, professora de fisioterapia no Hanover College, no Indiana.

Martin não tem vínculos com a Rock Steady Boxing, mas pôde observar sua eficácia. Isso a levou a incorporar técnicas de boxe em seu trabalho, que inclui dar aulas semanais de exercícios físicos a pessoas com o mal de Parkinson.

Um estudo recente sobre o boxe terapêutico constatou que pacientes com mal de Parkinson que treinam duas vezes por semana relatam sofrer menos quedas. O número de quedas aumentou durante os lockdowns da Covid e voltou a cair uma vez que o isolamento foi suspenso e as pessoas puderam voltar a treinar. Isso é algo que Trout viu em primeira mão, quando muitos de seus alunos –ou "lutadores", como ele os chama— voltaram dos lockdowns mais rígidos e trêmulos do que estavam antes.

FORA DO RINGUE

A doença de Parkinson também tem efeitos psicológicos. À medida que os pacientes vão perdendo coordenação motora e equilíbrio, muitos começam a duvidar de suas habilidades e se retraem, distanciando-se de seus amigos e familiares e limitando as saídas de casa, por medo de cair.

"O Parkinson rouba a confiança das pessoas", disse Karian. "É preciso trabalhar isso para conservar sua autoconfiança."

Numa sondagem feita recentemente com mais de 1.700 pessoas com doença de Parkinson, quase três quartos dos participantes da Rock Steady Boxing disseram que o programa melhorou sua vida social e mais de metade disseram que diminuiu sua fadiga, medo de cair, depressão e ansiedade.

"A doença de Parkinson não é apenas uma condição que afeta os sintomas motores, como seu modo de se mover, caminhar e falar. Ela também pode afetar o estado de humor, levando a pessoa a sentir-se solitária ou isolada", explicou a neurologista Danielle Larson, da Northwestern University, no Illinois. Ela é uma das pesquisadoras que realizou a sondagem. Larson também tem vínculos com a Rock Steady, mas disse que hoje frequentemente recomenda a prática do boxe a seus pacientes.

No caso de alguns dos lutadores de Trout, a aula de boxe é o único momento da semana em que saem de casa. A professora aposentada Kathy Smith contou que em suas aulas de ginástica, muitas vezes se sentia constrangida por sua falta de habilidade. Na Rock Steady Boxing, comentou, "o pessoal entende e nos ajuda a adaptar-nos a nossos níveis diferentes de habilidade".

Tradução de Clara Allain

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