Heather Armstrong, pioneira dos blogs sobre maternidade, morre aos 47 anos

Influenciadora falava sobre a vida diária de uma mãe e esposa, além de compartilhar seu tratamento para depressão

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Alex Williams
The New York Times

A americana Heather Armstrong, a estrela emergente por trás do site Dooce, que foi aclamada como a rainha das chamadas mães blogueiras por dar a milhões de leitores visões íntimas de sua odisseia diária na maternidade e no casamento, bem como suas lutas angustiantes contra a depressão, morreu na terça-feira (9) em sua casa em Salt Lake City, nos Estados Unidos. Tinha 47 anos.

Pete Ashdown, seu parceiro de longa data, que encontrou seu corpo em casa, disse que a causa foi suicídio.

Armstrong, nascida Heather Brooke Hamilton, era uma mórmon desistente criada em Bartlett, no Tennessee, um subúrbio de Memphis, que mais tarde se instalou em Salt Lake City (EUA). Ela ganhou destaque quando começaram os blogs pessoais no início dos anos 2000. Seu batismo na área veio depois que ela se formou na Universidade Brigham Young em 1997 e se mudou para Los Angeles, onde aprendeu código HTML sozinha e conseguiu um emprego numa empresa de tecnologia.

Heather Armstrong
Heather Armstrong, uma popular influenciadora americana, morreu aos 47 anos - Daniel Dorsa/The New York Times

Ela fundou o site Dooce em 2001, batizando-o, segundo uma versão, com o apelido que ganhou depois de cometer um erro de digitação ao escrever a palavra "dude" (cara) num bate-papo com amigos no AOL Instant Messenger.

No início, ela explorou suas experiências como um drone tecnológico em busca de material –disparando sarcasmos sobre os absurdos da cultura de startups na crescente bolha das pontocom, publicando, por exemplo, declarações pessoais ouvidas numa festa de Natal da empresa. ("Ruben, cara, você não pode ficar de pé na mesa. Ou no bar.")

Um ano depois, a franqueza de seu blog fez que ela fosse demitida, experiência que inspirou uma frase popular na internet entre os americanos, "Dooced", referindo-se a pessoas que se veem procurando emprego depois de postar comentários imprudentes online. O termo chegou até o programa "Jeopardy!".

Ela se sentiu culpada pela experiência. "Chorei na minha entrevista de saída", lembrou ela. "Minha chefe, que foi alvo de algumas das minhas postagens mais cruéis, sentou-se à minha mesa sem conseguir me olhar no rosto, de tão magoada. Nunca me senti um ser humano tão horrível, embora em minha mente pensasse que estava apenas sendo criativa e engraçada."

Mas esse revés na carreira abriu vastas oportunidades de fortuna e fama. Numa época em que inúmeras pessoas, mulheres em particular, estavam iniciando blogs pessoais –muitas vezes apenas para divertir amigos e parentes–, Armstrong vislumbrou possibilidades comerciais.

À medida que o boom dos blogs se aproximava do auge, em 2009, Armstrong era uma potência da área, aparecendo no "The Oprah Winfrey Show" e atraindo cerca de 8,5 milhões de leitores por mês, segundo um artigo de 2019 no Vox, enquanto obtinha uma enxurrada de dinheiro com anúncios em banners, postagens patrocinadas, livros, taxas de palestras e outras fontes. A mídia a batizou de "a rainha das mães blogueiras".

Ao longo do caminho, a casa de seis quartos numa rua sem saída em Salt Lake City que ela dividia com seu marido e sócio na época, Jon Armstrong, e seus dois filhos, funcionava como um aquário para seus leitores devotos.

Conforme observado num perfil de 2011 de Lisa Belkin na The New York Times Magazine, Armstrong foi a única blogueira apresentada naquele ano na lista da Forbes das mulheres mais influentes na mídia. Ela ficou em 26º lugar, uma posição atrás de Tina Brown, do The Daily Beast. O artigo citou um representante de vendas da Federated Media, empresa que vendia anúncios em seu site, que chamou Armstrong de "um de nossos blogueiros mais bem-sucedidos". E acrescentaou: "Nossos blogueiros mais bem-sucedidos podem faturar US$ 1 milhão".

Como disse Armstrong na entrevista à Vox: "Eu me via como alguém capaz de falar sobre maternidade de uma maneira que muitas mulheres gostariam, mas tinham medo".

Nada parecia fora dos limites, enquanto ela deliciava os leitores sobre "cocô e vômitos", escreveu Belkin. "E vírus estomacais e consertos de máquinas de lavar. E decoração de casas, cachorros nervosos, reality shows, desastres no cano de esgoto e visitas a quiropráticos."

Mas Armstrong não se esquivava de assuntos mais espinhosos, incluindo seu complexo rompimento com a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Em uma postagem de 2017 detalhando por que deixou a igreja, ela lembrou, com certo horror, de um blog que escreveu dois dias após os ataques de 11 de setembro de 2001, comparando os mórmons, em sua devoção à autoridade, com os terroristas islâmicos que atiraram os aviões a jato contra as Torres Gêmeas.

"Não estou particularmente orgulhosa disso", acrescentou. "Eu tinha tomado alguns ou vários martínis quando o escrevi, mas meu pai ficou um pouco chateado e me disse que eu era 'uma criatura nojenta que sucumbiu ao lado negro'."

E os temas ficaram ainda mais sombrios. Em 2009, Armstrong narrou sua luta contra a depressão pós-parto, após o nascimento de seu primeiro filho, num livro de memórias best-seller intitulado "It Sucked and Then I Cried: How I Had a Baby, a Breakdown, and a Much Needed Margarita" (Foi uma droga e então eu chorei: como eu tive um bebê, uma depressão e tomei uma margarita muito necessária, em português).

Poucos leitores estavam preparados, porém, quando ela e o marido, que também tinha um blog, deram a notícia de que estavam se separando, em 2012. A ruptura da família enfureceu muitos seguidores do Dooce, que apreciavam seu retrato de um casamento e vida familiar encantadores. Também pareceu encorajar os críticos anônimos em fóruns da internet que há muito exalavam ressentimento odioso por sua vida aparentemente idílica e seu sucesso financeiro.

Sentindo a pressão de todos os lados, Armstrong reduziu seus esforços no blog e colocou mais foco em sua saúde mental.

Em 2019, publicou "The Valedictorian of Being Dead" (A defensora da morte, em tradução livre), uma lembrança assustadora de suas muitas tentativas de terapias para depressão, incluindo uma em que ela recebeu repetidamente propofol (que chamou de "a droga de Michael Jackson") para induzir um coma. "Eu me senti fantástica!", escreveu. "Quando você quer estar morto, não há nada melhor que estar morto."

Além de Ashdown, ela deixa dois filhos.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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