Descrição de chapéu BBC News Brasil Viver

Feminismo atual é voltado a uma minoria privilegiada, diz filósofa feminista

Para Nancy Fraser, movimento aliado ao neoliberalismo não atende a maior parte das mulheres

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Vinícius Pereira
BBC News Brasil

O feminismo atual é "distante" para a grande maioria das mulheres e só encontra eco entre as "muito privilegiadas". Essa avaliação é feita por Nancy Fraser, filósofa americana e professora titular de ciências políticas e sociais da New School for Social Research, em Nova York.

Feminista, Fraser publicou diversos livros sobre filosofia política e social nos EUA e Brasil, incluindo Feminismo para 99% –um manifesto, e conversou com a BBC News Brasil sobre o debate acerca da diversidade e pautas identitárias que toma conta do cenário político atual.

Ela faz críticas à esquerda sobre representantes de movimentos identitários que, segundo ela, se unem a uma "agenda neoliberal", que teve efeitos negativos no bem-estar social dos trabalhadores em todo o mundo, em uma luta para 1% da população.

Nancy Fraser
'O feminismo atual é um grito distante para a grande maioria e faz eco apenas para essas mulheres muito privilegiadas', diz Nancy Fraser - Divulgação

"O feminismo para os 99%, como entendemos, é um projeto de entender que você não pode separar gênero de raça, classe, sexualidade, ecologia, democracia e políticas econômicas", disse.

Fraser cunhou o termo "neoliberalismo progressista" para tentar descrever uma aliança entre parte da elite capitalista, centrada em Wall Street e no Vale do Silício, e que busca o livre mercado para empresas e a redução da intervenção do Estado, e de liberais de movimentos feministas, antirracistas, ambientalistas e LGBTQIA+.

Para ela, a aliança do "neoliberalismo progressista" dominou a pauta política das últimas décadas e ajudou na ascensão de nomes como Donald Trump, nos EUA, e de Jair Bolsonaro, no Brasil.

Fraser também critica o debate que se formou acerca da indicação do advogado Cristiano Zanin Martins para a vaga no STF (Supremo Tribunal Federal) pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva neste mês. Políticos de esquerda e representantes da sociedade civil afirmaram que a opção deveria ser por uma mulher negra.

Para a filósofa, contudo, as condições de sexo e raça do candidato não devem ser as únicas a serem consideradas para a escolha.

Protesto no Rio pelo Dia Internacional das Mulheres em 8 de março de 2023
Fraser afirma que 'para ter uma sociedade genuinamente justa, precisamos de uma política de inclusão e reconhecimento e de políticas de distribuição igualitárias' - Fabio Teixeira/Anadolu Agency via Getty Images

Confira a entrevista da BBC News Brasil com a filósofa:

Para começar, queria entender melhor a sua definição do "neoliberalismo progressista" e como a senhora vê a atual crise pela qual a democracia passa em países como EUA e Brasil? O neoliberalismo progressista é um termo que cunhei para tentar descrever uma aliança entre uma fração da elite capitalista, centrada em Wall Street, no Vale do Silício e Hollywood, lugares simbólicos do capital hi-tech, e de parte dos liberais mainstream de movimentos feministas, antirracistas, ambientalistas e LGBTQIA+.

Em muitos países, o neoliberalismo se consolidou com esse tipo de aliança com os progressistas. Você poderia citar Ronald Reagan [ex-presidente dos EUA] e Margaret Thatcher [ex-primeira ministra do Reino Unido], tipos originais de conservadores e que introduziram o neoliberalismo nesses países, mas em outros locais, o neoliberalismo foi realmente consolidado por um tipo de política quase que de centro-esquerda.

Falamos, por exemplo, de Bill Clinton que construiu o que chamamos de "Novos Democratas" –uma força política utilizada para marginalizar a ala esquerda do partido Democrata. Podemos citar também o novo Partido Trabalhista de Tony Blair, no Reino Unido, que são os exemplos mais célebres.

Clinton e Blair colocaram, em um mesmo movimento político, feministas, antirracistas, ambientalistas e ativistas LBGTQIA+ de um lado e uma parte muito cosmopolita e super tecnológica dos empresários do outro.

A ideia era realmente promover uma liberalização, mercantilização e financeirização da economia, mas que teve efeitos muito negativos na segurança econômica e no bem-estar social das classes trabalhadoras em todo o mundo.

As forças que desejavam esse tipo de projeto econômico precisavam de algum carisma, algum tipo de toque especial, que faria esse projeto se tornar atrativo e vinculado a algo que poderia obter amplo apoio. Isso, de certa forma, forneceria cobertura perante a sociedade, dado que essa política econômica é feita para os ricos, mas que, com isso, poderia ser vista como algo amigável pelo restante.

Portanto, tal política econômica foi fundida com uma forma de feminismo meritocrático, antirracista e ambientalista. Com isso, essa forma de política socioeconômica conseguiu a imagem de ser algo emancipatória, excitante, que olhava para frente.

Em alguns países, como na Alemanha liderada pelo ex-primeiro-ministro Gerhard Schröder, do SPD, essa política teve muito sucesso, mas acho que nunca houve um nome para isso. Por isso, comecei a definir esse conjunto de políticas como "neoliberalismo progressista", pois eu queria realmente sinalizar o neoliberalismo como um projeto econômico muito inconstante e oportunista.

Manifestantes fazendo passeata segurando cartazes no Dia Internacional da Mulher, em Amstedã, na Holanda, em 8 março de 2023
Para Fraser, em alguns países, como os EUA, 'o feminismo liberal vem sendo hegemônico' - Ana Fernandez/SOPA Images/LightRocket via Getty Images

O "neoliberalismo progressista" fez com que as discussões se tornassem mais identitárias, ao invés de econômicas, tanto nos EUA como no Brasil? Eu distinguiria a discussão entre políticas de distribuição e políticas de reconhecimento. Distribuição é exatamente sobre economia. É sobre trabalho, seguros, salários, sobre também quem paga impostos, quanto as empresas deveriam pagar ou quanto a classe média deveria pagar. Tudo isso é o que eu penso sobre as políticas de distribuição.

Do outro lado, há as políticas de reconhecimento, que tem a ver realmente como nós reconhecemos todos os membros da nossa sociedade. Pessoas que pertencem a grupos que são historicamente marginalizados, como, por exemplo, gays e lésbicas, trans, mulheres negras, imigrantes, minorias religiosas, entre outros.

Essas pessoas serão reconhecidas como membros plenos da nossa sociedade? Eles terão os mesmos direitos? Para mim, você precisa das duas discussões. Para ter uma sociedade genuinamente justa, precisamos de uma política de inclusão e reconhecimento e de políticas de distribuição igualitárias. E, caso haja um desbalanceamento, se focar em um e ignorar o outro, as coisas irão dar errado.

Eu diria que na era do New Deal e da social democracia nos EUA, havia um grande stress sobre políticas mais igualitárias de distribuição, sem uma atenção igual para políticas de reconhecimento. Nas décadas seguintes, em especial nas décadas de 1980, 1990 e 2000, a ênfase mudou apenas para o reconhecimento ou diversidade.

Acredito que, por muito tempo, isso sugou o oxigênio de outras discussões. O foco principal dos movimentos sociais progressistas não estava na parte da distribuição, o que foi um desastre porque foi nessas décadas que o neoliberalismo estava se desenrolando e que era o momento real em que você precisava redobrar a atenção sobre a distribuição de renda.

Ao invés de trabalharmos para que ambas políticas fossem o foco e houvesse uma conexões entre eles, nós tivemos o foco apenas no reconhecimento ou, como você diz, nas pautas identitárias.

Mas, tenho que dizer que recentemente as coisas estão mudando novamente. Eu acho que nós estamos tendo, desde a eleição de Trump nos EUA em 2016, uma mudança das massas, que começam a se virar contra o sistema.

Com essas circunstâncias, há mais atenção sobre distribuição e há versões disso na direita e na esquerda, como Trump e Sanders, nos EUA, por exemplo. Agora, a diferença entre os dois está no reconhecimento. Trump é um branco, nacionalista, anti-imigração, anti-gay e trans, enquanto que do outro lado há inclusão.

Estamos começando a retornar nessa questão de distribuição e reconhecimento e, nos EUA, neste momento, a direita está fomentando uma guerra cultural focada naquilo que podemos falar nas escolas, o que devemos ensinar sobre o racismo nas escolas, dentre outras coisas.

Isso é uma estratégia deliberada para distrair a atenção para longe das políticas econômicas porque os Republicanos, incluindo Trump e seus concorrentes, ainda têm um programa econômico pró-ricos. Eles não querem falar muito sobre isso. Isso é distração.

Então, o desafio para o outro lado é resistir a ser tragado pela guerra cultural e deixar o debate econômico de lado ou, ao menos, entender como conectar essas duas visões novamente.

A diversidade está se tornando uma palavra utilizada apenas pelas empresas. Todas as companhias, toda universidade, tem um departamento de diversidade e essas pessoas são completamente desconectadas de qualquer ideia de como um conteúdo crítico deveria ser. Isso é uma política muito rasa. Não é algo igualitário.

As vezes, aqui nos EUA, nós chamamos "black faces in high places". Então, sem qualquer atenção para a situação da massa das pessoas negras, essa diversidade não possui um conteúdo real e é uma nova distração basicamente.

Manifestando segurando cartaz em que se lê: 'Direitos das Mulheres são direitos humanos' durante marcha pelos direitos das mulheres nos EUA
Para Fraser, é necessário ir além da legalização do aborto - Paul Weaver/SOPA Images/LightRocket via Getty Image

Mas isso ocorreu por causa da própria esquerda ou a extrema-direita pautou o debate? Eu acho que é uma ótima questão, mas muito complicada. Eu venho pensando muito nisso. De um lado, nós não devemos fazer parte dessa política de distração, não podemos deixar com que todos os debates institucionais sejam sobre esses problemas. Nós não podemos jogar o jogo deles.

Ao mesmo tempo, o que eles estão fazendo é tornar alvo e usando de bode expiatório pessoas reais. Então, nós não podemos lidar com um projeto que nega serviços sociais para uma juventude trans, por exemplo, que está em uma situação frágil e vulnerável.

Nós temos que, de alguma forma, estarmos preparados para defender indivíduos que estão sendo usados, ao mesmo tempo que defendemos os direitos de reprodução, que é um outro foco de ataque.

Por isso, deveríamos falar sobre tais pontos, mas a parte difícil é perceber como conectar esses dois problemas. Isso não é fácil.

A senhora acha que esse "neoliberalismo progressista" ajudou na eleição de presidentes da direita radical, como Trump nos EUA e Bolsonaro, no Brasil? Sim, com certeza. Nos EUA não há dúvidas que o bloco do neoliberalismo progressista, que consolidou o neoliberalismo e marginalizou a parte pró-trabalhista do partido Democrata, realmente tem uma grande parte de responsabilidade na deterioração das condições e dos padrões de vida no país.

No Cinturão da Ferrugem, que é historicamente o coração da indústria americana e hoje é um terreno baldio com muitos problemas de vício em opióides e violência armada, o neoliberalismo progressista tem muito o que responder. Eles, basicamente, supervisionaram a transição de uma classe trabalhadora altamente sindicalizada para uma massa de trabalho mal paga e precarizada.

Não há dúvidas que isso ajudou Trump, mas também ajudou Bernie Sanders. Em outras palavras, as pessoas entenderam, em um certo momento, que eles não poderiam seguir essas políticas neoliberais, que eles precisavam de uma alternativa para uma situação que Antonio Gramsci chama de "crise da hegemonia".

Elas perceberam que o establishment não é mais confiável, o senso comum já não era mais persuasivo, então as pessoas estavam olhando para uma alternativa radical. Algumas olharam para Trump, outras para Sanders, e o que é muito interessante é que às vezes elas optavam por Sanders, mas com ele fora da disputa, votaram em Trump, em um fenômeno semelhante ao que ocorreu no Brasil, com o voto "Bolsolula".

Qualquer forma de neoliberalismo se tornou tóxica, politicamente falando. As pessoas começaram a procurar alternativas para esse sistema. Em um país como os EUA, onde o neoliberalismo se aliou aos progressistas, é compreensível que Trump fosse o beneficiário maior dessa busca. Isso porque o neoliberalismo se associou muito ao tema da diversidade e, ao rejeitar esse sistema econômico, acabam por rejeitar também a pauta identitária.

No livro Feminismo para os 99% por que a senhora afirma que "o feminismo liberal está falido" e que "é necessário um feminismo para a grande maioria". O que seria isso? O feminismo sempre foi um movimento com muitas correntes e facções diferentes, ou seja, o feminismo é algo com muitas visões e argumentações. No entanto, em países como os EUA, o feminismo liberal vem sendo hegemônico. Isso se tornou um padrão porque o liberalismo é muito forte na nossa cultura, em geral.

O feminismo surgiu como um movimento radical, em uma nova esquerda, anti-imperialista e anticapitalista, mas assim que a poeira baixou, o feminismo virou um grupo de interesse por assim dizer, e amplamente colado ao partido Democrata nos EUA.

Isso se tornou um assunto normal, uma tendência, e mais e mais focado em como colocar um pequeno número de mulheres em posições de poder dentro de uma hierarquia corporativa, do mundo político e até mesmo na hierarquia militar.

A ideia era que segurar as mulheres embaixo seria uma discriminação e se removessemos essa discriminação, essas super talentosas mulheres poderiam alcançar o topo. Isso é uma visão absurdamente rasa, que ignora completamente as bases da subordinação das mulheres em uma sociedade moderna, que é como dividimos o trabalho produtivo do trabalho de reprodução social, onde pagamos um e o outro não.

Isso é uma característica arraigada profundamente na sociedade, que tem efeitos gigantescos nas chances de vida de homens e mulheres. Então, focaram na ideia de que queremos a meritocracia, da ascensão talentosa, mas a meritocracia não é o mesmo do que igualdade.

Eu acho que nós tivemos evidências suficientes nos últimos 40 anos para ver que esse feminismo realmente não é capaz de garantir uma condição satisfatória e igualitária para mulheres de todas as classes sociais e raças.

Isso foi manejado de maneira perfeita pela classe dominante, que já tem uma boa educação, boa formação cultural e muitos recursos, mas por isso nós tivemos basicamente um "feminismo de uma só questão", focado apenas no gênero de uma mesma classe social.

Então, agora eu acredito que o problema é conseguir entender que não podemos isolar a questão de gênero. Se tentarmos, nós acabaremos no feminismo para 1% da população.

O feminismo atual é um grito distante para a grande maioria e faz eco apenas para essas mulheres muito privilegiadas, que possuem o luxo de dizer que nós não precisamos nos preocupar com classes, cor ou temas econômicos, apenas sobre gênero. O feminismo para os 99%, como entendemos, é um projeto de entender que você não pode separar gênero de raça, classe, sexualidade, ecologia, democracia e políticas econômicas.

Eu acho que sempre houve feministas que praticam esse tipo de feminismo para os 99%, mas que pode ter outros nomes pelo mundo. Nos EUA, os movimentos feministas populares existem, mas são muito marginalizados, enquanto que a mídia foca no feminismo de Hillary Clinton, das atrizes de Hollywood com o movimento "Me too", mesmo que a maioria das vítimas de assédio sexual sejam trabalhadoras de fazendas ou de hotéis, por exemplo.

Quando Hillary Clinton perdeu para Donald Trump, no exato momento em que estávamos escrevendo o livro, pensamos que seria um tipo de chamado, uma derrota do feminismo liberal. Agora, eu não diria que o feminismo liberal está derrotado, mas acho que há mais abertura agora para formar alternativas de feminismo, como o que ocorre no Brasil e Argentina, onde algumas feministas conquistaram grande visibilidade e que representam o que chamamos de feminismo para 99%.

Manifestação pela legalização do aborto em São Paulo
Fraser vê como um erro o foco 'apenas na questão identitária' - Dario Oliveira/NurPhoto via Getty Images

No Brasil, o STF deverá colocar em julgamento a possibilidade do aborto legal ainda neste ano. No mesmo livro, as autoras afirmam que "o aborto legal faz pouco pelas mulheres pobres". O que isso significa? A luta pelo aborto legal, em si, não é suficiente? Eu sou uma forte apoiadora do aborto legal, quero deixar isso bem claro. Mas, se você pensar qual é o objetivo que buscamos alcançar ao tornar o aborto legal é tentar dar as pessoas a liberdade, incluindo os recursos que elas precisam para entender a liberdade e fazer que a decisão de ter um filho seja autônoma. Para que elas consigam organizar suas vidas, elas precisam viver com o poder de decisão, mas também com dignidade, segurança e com suporte de um sistema público forte.

De maneira simples, eu estou dizendo que o fato de podermos interromper a gravidez quando nós quisermos é necessário, mas não o suficiente para ter uma autonomia reprodutiva. Aborto legal é uma condição absolutamente necessária, mas apenas uma. Há outras e precisamos de segurança dos meios de subsistência, moradia decente e acessível, assistência médica e suporte para as crianças, com escolas, etc. Isso faria com que as mulheres tivessem uma decisão realmente empoderada e autônoma.

No momento, as pessoas estão fazendo o seu melhor em termos de tentar dar o poder de decisão sobre a gravidez, mas infelizmente isso não é o ideal. Agpra, é a hora das feministas de esquerda tentar unir o direito ao aborto para o serviço social, com garantia de renda e moradia.

É o mesmo caso da violência contra a mulher. A esquerda entendeu que apenas colocar o parceiro abusador na cadeia não é o suficiente, que é necessário oferecer saídas reais para que as mulheres possam realmente sair de relações abusivas. Elas precisam ter um local seguro para criar suas crianças e reconstruir suas vidas, o que, novamente, é algo para o serviço social e o direito à renda e moradia.

Neste mês, o presidente Lula indicou seu ex-advogado, um homem branco, para a Suprema Corte. Parte da esquerda criticou a indicação apenas por ser um homem branco, enquanto que a outra parte silenciou, mas sem uma discussão acerca das posições políticas do indicado. Como a senhora vê isso? Em uma escolha para uma Suprema Corte, eu acredito que é necessário prestar muita atenção para entender as posições jurídicas e em relação ao mundo do candidato.

Se voltarmos às eleições de 2016 nos EUA, eu apoiei Bernie Sanders contra Hillary Clinton. Eu sou uma feminista. Você acha que eu achei incrível ter mais um homem branco na Casa Branca? Mas o mais importante para mim, naquele momento, era o que Bernie e Hillary representavam. Para ser honesta, as feministas estavam divididas e também existiu esse tipo de debate que surgiu agora no Brasil.

Nós tivemos a experiência de eleger o primeiro presidente negro dos EUA, Barack Obama, e foi um momento de muita esperança, mas que se tornou uma grande decepção. Isso mostra os limites sobre essa discussão de ter que eleger um político que apenas pareça você fisicamente.

Claro que seria incrível ter uma pessoa negra e tenho certeza que há muitos negros e negras qualificados para serem indicados para o STF no Brasil. Mas, eu diria que focar exclusivamente na questão identitária é um problema.

Discussões sobre as escolhas no STF baseada em diversidade também fazem surgir críticas sobre a suposta "americanização" da política brasileira, cada dia mais influenciada e pautada pelos debates e formas dos EUA. A senhora acredita nisso? Eu não tenho certeza. Vocês ao menos têm um partido dos trabalhadores, coisa que não temos por aqui (risos). Eu diria que o que ocorre em todo lugar é a influência das redes sociais e da tecnologia na comunicação política.

Isso é uma mudança no jogo e, com certeza, tem um efeito gigantesco. Se você me perguntar o que fez Trump ter a possibilidade de capitalizar os efeitos negativos do neoliberalismo na classe trabalhadora, eu responderia a mudança radical na estrutura da mídia e na comunicação política.

O que começou lá atrás, com a rádio, depois TVs como a Fox News, se transformou para as redes sociais. Agora, temos um mundo estranho da não-comunicação, fatos alternativos, etc. Discutimos os depoimentos de Trump para a Justiça, mas nas redes a população se divide como eles enxergam isso.

Não sei se as coisas são exatamente assim no Brasil, mas claramente podemos ver como a tecnologia também impacta a política por aí. Quando essa tecnologia de transformação encontra a deterioração das condições de vida da população, coisas como a eleição de Trump, que é um gênio da comunicação e da demagogia, podem ocorrer. Então espero que o Brasil consiga escapar dessa espiral.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.