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Mesmo com avanço do mercado, ainda é difícil encontrar base para tons de pele negra

Especialistas afirmam que falta inclusão na cadeia de produção afeta o desenvolvimento de bons produtos

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São Paulo

A base, como o nome já sugere, é um dos produtos essenciais quando falamos de maquiagem, já que ela uniformiza a pele. Mas que atire a primeira pedra a mulher negra que nunca teve dificuldade para encontrar o tom do produto da sua cor, principalmente as que têm peles retintas.

Ainda que o mercado se mobilize aos poucos para melhorar a questão, empresas cometem erros ao tentar criar novos produtos.

Aconteceu recentemente com a marca americana Youthforia, que lançou uma base basicamente preta. Não havia nenhum subtom —como vermelho, azul ou amarelo— e, quando misturada ao branco, ficava cinza. Uma influenciadora fez o teste, colocando de um lado do rosto uma tinta guache preta e no outro a base da Youthoria. Quase não houve diferença entre as duas.

Influenciadora Juliana Luziê
A influenciadora Juliana Luziê segura uma base da Fenty Beauty, que possui uma grande cartela de cores - Arquivo Pessoal

O que seria visto como inclusão, teve outros efeitos. "Todas as vezes que a gente desenvolve um produto, principalmente quando a gente está falando de tons de pele pretos, você precisa saber quais são as matérias-primas que você vai usar, qual é o plano que você vai abordar", diz Nayara Chalita, especialista em inovação e projetos do mercado cosmético. "Quando a gente fala que é importante ter um grupo diverso dentro da empresa, dentro das áreas técnicas, é por isso também."

As peles são divididas em tons e subtons. No Brasil, por exemplo, existem 38 subtons de pele. Nessa divisão, existem peles com coloração mais quente, mais neutra e outra mais fria. Vários pigmentos, como preto e marrom, são misturados com cores primárias até chegar na cor da base. Por isso, Chalita reforça a importância de saber para quem o produto está sendo feito e a testagem em pessoas que realmente usariam a base.

Para além da cor do cosmético, a especialista ressalta especificidades da base, como textura e acabamento —se é matte ou luminoso. "Quando a gente também fala de pele preta, mesmo sendo dentro de maquiagem, é importante entender que existe uma diferenciação entre ela e uma fisiologia de pele caucasiana", diz.

Segundo Jaci Santana, dermatologista e membro da Skin of Color Society (SOCS), a pele negra tende a ser entre mista e oleosa no rosto e mais seca no corpo. Além disso, tem maior quantidade de melanina. Ela afirma que estudos de desenvolvimento não contemplam pessoas com fototipo mais alto, ou seja, negros de pele escura.

Chalita, que trabalhou com marcas desenvolvendo cartelas de cores pretas para base, conta que já ouviu muitas dizerem que o produto não vende. "Não vende porque a gente não está fazendo o tom certo", diz. Não seria por falta de poder de compra.

Uma pesquisa do Preta Hub, Instituto MAS Pesquisa e Oralab mostra o potencial de mercado consumidor da população negra no Brasil. Ela aponta que, em 2022, o poder de compra dessas pessoas era de R$ 1,46 trilhão considerando o rendimento bruto do trabalho principal.

Falta a intencionalidade de querer que, na sua cartela de cores, tenha uma diversidade real, uma diversidade que vai realmente funcionar. E não passar qualquer cor ali, como uma tinta preta achando que aquilo é uma base

Rosangela Silva

fundadora e curadora da Negra Rosa

Mas a falta de tom da base afasta mulheres negras das prateleiras de maquiagem, que acabam misturando mais de um produto até se aproximar da cor certa ou simplesmente deixando de usar. "Essas consumidoras não estão acostumadas a ter produtos para elas", diz Rosangela Silva, fundadora e curadora da Negra Rosa, marca que foca a beleza negra e surgiu em 2016, após ela notar a falta de produtos que atendessem às necessidades das mulheres negras.

Em 2017, a Negra Rosa lançou cinco tons de base, começando com os mais escuros. "Eu realmente entendia essa necessidade do mercado e, como uma marca que foca a pele negra, eu não poderia fazer igual às outras", afirma. O que falta hoje, ela diz, é vontade da indústria. "Falta a intencionalidade de querer que, na sua cartela de cores, tenha uma diversidade real, uma diversidade que vai realmente funcionar. E não passar qualquer cor ali, como uma tinta preta achando que aquilo é uma base."

Para Silva, a sua base surge como uma forma de amenizar traumas causados pela falta de representatividade no mercado da beleza. "No tempo da minha mãe, das mulheres mais velhas, elas tinham receio de usar base porque ficavam esbranquiçadas. Muitas mulheres que têm suas fotos de casamento feitas há mais de 15 anos aparecem com a base errada."

Tons de base da Negra Rosa
Tons de base da Negra Rosa - Divulgação

O desenvolvimento de produtos voltados às pessoas negras está avançando com marcas como Fenty Beauty e MAC, que apostam em uma grande variedade de tons —ainda que a passos lentos. Mas, para Silva, o movimento não foi tão orgânico assim. "A indústria não mudou porque é boazinha. Mudou porque mulheres negras começaram a ter voz na internet. A indústria teve sofreu pressão porque agora as pessoas comentam nas suas postagens", diz.

A influenciadora Juliana Luziê é uma dessas pessoas. Ela começou a criar conteúdos para a internet em 2016, após sentir falta de ver mulheres com seu tom de pele. Juliana começou dizendo aos seus seguidores que estava ali também para aprender sobre maquiagem. "Até porque eu também sofria para ter bases que atendiam ao meu tom de pele. Era muito difícil", diz. "Eu misturava várias bases com corretivo para tentar chegar no meu tom, mas não chegava."

Ela conta que já usou várias bases que a deixaram cinza e até esverdeada. "O mercado não atendia e eu também não tinha dinheiro para comprar." Isso porque as marcas que mais desenvolviam tonalidades eram de fora, como a MAC, o que acaba sendo inacessível para muitas pessoas.

Hoje ela testa diversos produtos em seus vídeos para mais de um milhão de seguidores no TikTok. Já caiu em roubadas, mas também já se surpreendeu com muitas marcas brasileiras que trazem diferentes cores de base. "Uma marca que lança hoje em dia, em pleno 2024, uma marca com cinco produtos, cinco tons de base, é inviável. Porque não tem como atender a todos os tipos de tonalidades com cinco tons de base", diz.

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