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Pandemia deixa à míngua cidades famosas pelo turismo religioso

Em Juazeiro do Norte, no Ceará, romarias estão proibidas há mais de um ano

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Recife

Pelo segundo ano consecutivo sem realização presencial de eventos devido à pandemia, cidades famosas pelo turismo religioso registram queda na arrecadação, falência de comerciantes e aumento de moradores de rua.

Em Juazeiro do Norte, no Ceará, durante a Semana Santa, mais de 200 mil romeiros visitam o município para render homenagens ao padre Cícero e pagar promessas.

Só na colina do Horto, maior ponto turístico da cidade, onde está a estátua do religioso, há circulação de aproximadamente 2 milhões de pessoas por ano. Sem a entrada dos romeiros, o município cearense, que vive essencialmente do comércio, sente os efeitos em diversos setores.

No entorno da área do Horto, mais de 700 famílias que dependem do comércio para sobreviver estão paradas. As lojas de artigos religiosos estão fechadas. No centro da cidade, não há ninguém nas várias pousadas que normalmente ficam lotadas.

O comerciante José Ronivon dos Santos, dono de um restaurante que costumava vender 120 refeições por dia em época de romaria, teve que fechar as portas.

“Não conseguimos manter funcionando para delivery. Ficamos um pouco distantes do centro e o custo é muito alto. Não temos assistência do poder público e não sabemos como vai ser daqui para frente”, afirma.

Nas contas do prefeito Glêidson Bezerra (Podemos), a cidade deixou de arrecadar aproximadamente R$ 40 milhões. Com o cancelamento das romarias, R$ 580 milhões deixaram de circular no município durante o ano.

“Ainda estamos vivendo a ressaca do desemprego do ano passado. Sem vendas, o mercado informal também para e a cidade fica à míngua”, declara Bezerra.

Ele diz que só restam medidas paliativas, a exemplo de distribuição de cestas básicas e reforço nas cozinhas comunitárias, para tentar amenizar a situação. “Aumentou o número de moradores de rua. O pessoal está passando fome”, alerta.

Desde o início da pandemia, Juazeiro do Norte registrou a morte de 389 pessoas em decorrência do novo coronavírus. No Ceará, a taxa de ocupação de leitos de UTI para pacientes com síndrome respiratória augura grave é de 93%.

O pequeno distrito de Fazenda Nova, no Brejo da Madre de Deus, em Pernambuco, recebia mais de 150 mil pessoas nesta época do ano para conferir o espetáculo da Paixão de Cristo de Nova Jerusalém, o mais famoso do Brasil.

“É lamentável porque, na Semana Santa, todos os anos, era uma grande movimentação de pessoas vindas de vários lugares, seja para assistir, para trabalhar ou participar das encenações”, destaca o padre de Fazenda Nova, Paulo Cesar do Nascimento.

Diante de mais um ano sem a realização das festividades religiosas, ele diz que resta confiar em Deus e na ciência.

“Penso nas pessoas que, nesta época, tinham uma renda extra, seja dentro do teatro ou fora dele”, lamenta.

O vendedor de artigos de couro Clementino dos Santos Silva conta que, durante os dez dias de realização do espetáculo da Paixão de Cristo, conseguia dinheiro para manter a família durante quatro meses.

“Eu moro numa cidade vizinha e, todos os anos, aproveitava a Semana Santa para vender minhas mercadorias em Fazenda Nova. Agora, é esperar a vacina para que a gente possa voltar em 2022”, diz.

Ao todo, 450 atores e figurantes atuam no espetáculo. A Paixão de Cristo de Nova Jerusalém agrega cerca de 600 profissionais, incluindo técnicos, eletricistas, sonoplastas, maquiadores, cabeleireiros e camareiras, entre outros.

Até o ano passado, quando houve o primeiro cancelamento, eram 53 anos de apresentações ininterruptas dentro das muralhas.

O maior teatro ao ar livre do mundo tem 100 mil metros quadrados. É cercado por um grande muro de pedras de quatro metros de altura e com 70 torres de sete metros cada uma. No seu interior, nove palcos-plateias reproduzem cenários naturais, arruados e palácios, além do Templo de Jerusalém.

O presidente da Sociedade Teatral de Fazenda Nova, Robinson Pacheco, afirma que mais de 1.500 empregos diretos foram perdidos por dois anos consecutivos e mais de 8 mil empregos indiretos deixaram de existir.

“Também saíram perdendo o comércio da cidade, os autônomos que negociavam no entorno do teatro e a rede hoteleira do Recife e de Caruaru, que recebiam grande fluxo de hóspedes na Semana Santa”, declara.

Ele ressalta que a paralisação das apresentações deixou a Sociedade Teatral de Fazenda Nova sem a receita necessária para a manutenção da cidade-teatro e também para investir nas futuras apresentações.

“Ainda estamos aguardando um suporte financeiro dos governos estadual e federal para evitar o fechamento em definitivo do maior teatro ao ar livre do mundo, a Nova Jerusalém”, destaca.

O prefeito do Brejo da Madre de Deus, Roberto Asfora (PL), minimiza o impacto. “Na verdade, não há recolhimento para a prefeitura. Financeiramente, não ganhamos nada. A prefeitura gasta com limpeza, por exemplo”, diz.

Assim como outros estados, Pernambuco vive colapso do sistema de saúde. Dados oficiais apontam ocupação de 97% dos leitos de UTI para doentes com sintomas da Covid-19. No interior, a estrutura é menor. Muitos pacientes precisam ser transferidos para a capital.

Em Trindade, em Goiás, além da pandemia, o escândalo envolvendo desvio de recursos de fiéis da obra do novo Santuário Basílica do Divino Pai Eterno, também causou impacto no turismo do município.

A cidade tinha como principal atração as missas do padre Robson de Oliveira Pereira, alvo da Operação Vendilhões, deflagrada pela Promotoria em 21 de agosto do ano passado. No mesmo dia, o pároco foi afastado do cargo de reitor do santuário e da presidência da Afipe (Associação dos Filhos do Pai Eterno), da qual é fundador e que também é investigada.

O religioso negou ter praticado atividade criminosa e disse que todo o dinheiro recebido por associações católicas fundadas e presidida por ele foi usado para a evangelização.

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