Modelo matemático prevê surto de dengue apenas com dados climáticos

O uso efetivo da nova ferramenta depende do interesse de governos e de financiadores

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São Paulo

A cada período de três a cinco anos, em média, cidades e regiões sofrem com um grande surto de dengue. Isso tem muito a ver com a dinâmica da infecção e uma certa proteção de rebanho —quando boa parte da população é infectada e gera anticorpos contra determinados subtipos do vírus.

Além disso, têm influência também nessa dinâmica a quantidade de mosquitos Aedes, o número de criadouros, além de questões climáticas.

Apesar de toda essa complexidade epidemiológica, um estudo do Impa (Instituto de Matemática Pura e Aplicada) mostra que é possível prever um grande surto de dengue apenas a partir de dados meteorológicos. Isso simplifica muito a vida, e pode ajudar diversas cidades a se preparem de acordo com o problema por vir —com uma antecedência de até seis meses.

Mosquito Aedes aegypti, o transmissor da dengue
Mosquito Aedes aegypti, o transmissor da dengue - 5.out.21/Xinhua/CSIRO

Não é possível dizer que o modelo matemático em questão é definitivo, já que a acurácia variou entre as cidades cujos dados meteorológicos foram analisados.

Enquanto para Rio, São Luís e Aracaju o índice de acerto foi de 100%, para Recife foi de apenas 20% —ou seja, nesse caso 80% das previsões estavam erradas. Nas outras cidades testadas, Belo Horizonte, Manaus e Salvador, o modelo acertou 80% das vezes, mesma porcentagem que representa a performance global.

O algoritmo de aprendizado de máquina (machine learning) foi alimentado com dados diários de chuva e de temperatura referente ao período entre 2001 e 2012 para cada uma das cidades. O teste para medir a acurácia foi feito para os anos de 2013 a 2017.

"Normalmente essa é uma análise que necessita de muitos tipos de dados, mas informações, por exemplo, desde o começo do século passado. Aí temos de nos adaptar a essa escassez", conta Caio Souza, primeiro autor do estudo.

Se mal há dados meteorológicos completos, imagine outros, como quantidade de mosquitos e presença de anticorpos na população. Podia ser até interessante considerar essas variáveis no modelo, mas, por conta da indisponibilidade, chuva e temperatura tiveram de fazer o trabalho todo, por assim dizer.

"O legal do machine learning é isso: identificar padrões de coisas que são difíceis de descobrir, como os surtos de dengue, a partir de dados fáceis de obter, como os meteorológicos", afirma Souza, que é engenheiro da computação e estudante de doutorado no Impa.

O legal do machine learning é isso: identificar padrões de coisas que são difíceis de descobrir, como os surtos de dengue, a partir de dados fáceis de obter, como os meteorológicos

Caio Souza

Engenheiro da computação e estudante de doutorado no Impa

O pulo do gato do modelo proposto por Souza e colegas, além de aperfeiçoar um código anterior, reescrevendo-o numa nova linguagem de programação (Python), foi processar o "sinal" gerado pelos conjuntos de dados de chuva e temperatura e usar essa versão modificada na hora de fazer as projeções. "É como transformar um livro em um pequeno resumo, com apenas as informações que o modelo necessita."

Se o que entra nessa caixa-preta são os dados meteorológicos, a saída é do tipo binária: "sim" ou "não" para a ocorrência de um grande surto de dengue nos meses seguintes. Diferentemente de outros tipos de projeção, a proposta por Souza não visa estimar o número de casos.

Outra limitação do modelo, explicam os autores, é que ele não considera se houve ou não medidas que ataquem diretamente os vetores da doença, mosquitos como o Aedes aegypti. Um eficaz morticínio dos insetos, com destruição de criadouros e, junto com eles, ovos e larvas, pode coibir um grande surto numa região, apesar de uma propensão climática.

O trabalho saiu recentemente na revista Expert Systems With Applications, e também é assinado por Pedro Maia, da Universidade do Texas, Lucas Stolerman, da Escola Médica de Harvard, além de Vitor Rolla e Luiz Velho, ambos do Impa.

Tanto o código do programa quanto os dados utilizados estão abertos para outras pessoas que queiram aperfeiçoar o modelo ou utilizá-los para entender outras doenças e condições. Segundo Souza, o código pode ser útil para análises em que séries temporais (a sequência de dados climáticos, por exemplo) tenham alguma relevância, por exemplo malária e febre amarela.

O uso efetivo da nova ferramenta para prever surtos de dengue depende do interesse de governos e de financiadores para que a pesquisa possa ter continuidade.

Casos de dengue, quando identificados precocemente e adequadamente tratados, têm baixa letalidade, menor que 1%. Ainda assim, a doença representa um fardo importante para países da América Latina e da Ásia devido ao grande número de infectados, estimados em 390 milhões no mundo, anualmente, sendo que um quarto apresenta manifestações clínicas.

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