Cientistas apresentam uma nova explicação para a Covid longa

Em alguns pacientes, restos do coronavírus no intestino podem suprimir a produção de serotonina, sugerem pesquisadores

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Pam Belluck
The New York Times

Uma equipe de cientistas está propondo uma nova explicação para alguns casos de Covid longa, com base em descobertas de que os níveis de serotonina estavam mais baixos em pessoas com a condição.

Em seu estudo, publicado nesta segunda-feira no periódico Cell, pesquisadores da Universidade da Pensilvânia sugerem que a redução da serotonina é desencadeada por resquícios do vírus que persistem no intestino. A diminuição da serotonina poderia explicar especialmente problemas de memória e alguns sintomas neurológicos e cognitivos da Covid longa, afirmam.

Imagem de microscopia eletrônica sem data mostra o SARS-CoV-2, o, o vírus que causa a Covid-19, isolado de um paciente nos EUA - NIAID-RML/Divulgação via Reuters

Por que isso importa: novas formas de diagnosticar e tratar a Covid longa

Esse é um dos vários novos estudos que documentam mudanças biológicas distintas nos corpos de pessoas com Covid longa —oferecendo descobertas importantes para uma condição que assume muitas formas e muitas vezes não é detectada em ferramentas padrão de diagnóstico, como raios-X.

A pesquisa poderia apontar o caminho para possíveis tratamentos, incluindo medicamentos que aumentam a serotonina. E os autores dizem que a via biológica que sua pesquisa descreve poderia unir muitas das principais teorias sobre o que causa da Covid longa: restos persistentes do vírus, inflamação, aumento da coagulação sanguínea e disfunção do sistema nervoso autônomo.

"Todas essas diferentes hipóteses podem estar conectadas através da via da serotonina", disse Christoph Thaiss, autor principal do estudo e professor assistente de microbiologia na Escola de Medicina Perelman da Universidade da Pensilvânia.

"Em segundo lugar, mesmo que nem todos experimentem dificuldades na via da serotonina, pelo menos uma parte pode responder a terapias que ativam essa via", disse ele.

"Este é um estudo excelente que identifica níveis mais baixos de serotonina circulante como um mecanismo para a Covid longa", diz Akiko Iwasaki, imunologista da Universidade de Yale. A equipe dela e colegas da Escola de Medicina Icahn no Monte Sinai recentemente publicaram um estudo que identificou outras mudanças biológicas relacionadas a alguns casos dessa condição, incluindo níveis do hormônio cortisol. Esses estudos podem apontar para subtipos específicos de Covid longa ou diferentes indicadores biológicos em diferentes estágios da doença.

O que explica: perturbações desencadeadas por fragmentos de vírus no intestino

Pesquisadores analisaram o sangue de 58 pacientes que estavam experimentando Covid longa por um período entre três e 22 meses desde a infecção. Esses resultados foram comparados à análise de sangue de 30 pessoas sem sintomas pós-Covid e 60 pacientes que estavam na fase aguda inicial da infecção pelo coronavírus.

Maayan Levy, uma das autoras principais e professora assistente de microbiologia na Escola de Medicina Perelman, afirma que os níveis de serotonina e outros metabólitos foram alterados logo após uma infecção pelo coronavírus, algo que também ocorre imediatamente após outras infecções virais.

No entanto, em pessoas com Covid longa, a serotonina foi a única molécula significativa que não se recuperou aos níveis pré-infecção, diz.

A equipe analisou amostras de fezes de alguns dos pacientes com a Covid longa e descobriu que elas continham partículas virais remanescentes. Ao combinar os achados nos pacientes com pesquisas em camundongos e modelos em miniatura do intestino humano, onde a maior parte da serotonina é produzida, a equipe identificou uma via que poderia estar por trás de alguns casos de Covid longa.

A ideia é a seguinte: remanescentes virais estimulam o sistema imunológico a produzir interferons, proteínas de defesa. Os interferons causam inflamação que reduz a capacidade do corpo de absorver triptofano, um aminoácido que ajuda a produzir serotonina no intestino. Coágulos sanguíneos que podem se formar após uma infecção por coronavírus podem prejudicar a capacidade do corpo de circular serotonina.

A falta de serotonina interrompe o sistema nervoso vago, que transmite sinais entre o corpo e o cérebro, afirmam os pesquisadores. A serotonina desempenha um papel na memória de curto prazo, e os estudiosos levantaram que a falta de serotonina poderia levar a problemas de memória e outras alterações cognitivas que muitas pessoas com Covid longa experimentam.

"Eles mostraram que o golpe na via da serotonina leva a disfunção do nervo vago e comprometimento da memória", disse Iwasaki.

Há ressalvas. O estudo não foi extenso, por isso os resultados precisam ser confirmados com outras pesquisas. Participantes de outros estudos sobre Covid longa, nos quais alguns pacientes tiveram sintomas mais leves, nem sempre apresentaram serotonina deficiente, um resultado que Levy diz que pode indicar que a perda ocorreu apenas em pessoas em que a Covid longa envolve múltiplos sintomas graves.

Próximo passo: um ensaio clínico com Prozac

Os cientistas querem encontrar biomarcadores para a Covid longa —mudanças biológicas que podem ser mensuradas para ajudar a diagnosticar a condição. Thaiss diz que o novo estudo sugere três: a presença de remanescentes virais nas fezes, baixa serotonina e altos níveis de interferons.

A maioria dos especialistas acredita que não haverá um único biomarcador para a condição, mas que vários indicadores surgirão e podem variar com base no tipo de sintomas e outros fatores.

Existe uma enorme demanda por formas eficazes de tratar a Covid, e ensaios clínicos de diversos tratamentos estão em andamento. Levy e Thaiss afirmam que vão iniciar um ensaio clínico para testar a fluoxetina, um inibidor seletivo da recaptação de serotonina frequentemente comercializado como Prozac, e possivelmente também o triptofano.

"Se suplementarmos serotonina ou impedirmos a degradação da serotonina, talvez possamos restaurar alguns dos sinais vagais e melhorar a memória e a cognição e assim por diante", diz Levy.

Esta reportagem foi publicada originalmente aqui.

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