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Só 8 estados oferecem cirurgia de redesignação sexual para a população trans

Falta de serviços especializados leva homens e mulheres trans a mudar de estado ou encarar longas viagens

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Goiânia e São Paulo

Só 8 das 27 unidades da Federação dispõem de hospitais que realizam cirurgias de redesignação genital, o que leva homens e mulheres transexuais a abandonar seus estados ou percorrer mensalmente centenas de quilômetros para fazer o procedimento.

Atualmente, a cirurgia é oferecida em hospitais de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco, Goiás, Rio Grande do Sul, Pará e, mais recentemente, Bahia.

"Fiz uma vaquinha para sair do meu estado e vir para cá porque, das pesquisas que fiz, aqui era uma referência no Brasil", conta Erick Amuruz. Homem trans, ele decidiu deixar o Acre porque não havia atendimento para aqueles que desejavam passar pelo processo transexualizador. Seu destino foi Goiânia.

Yasmim Pereira da Silva aguarda há anos a cirurgia de redesignação genital - Zanone Fraissat/Folhapress

A cirurgia é uma parte do processo transexualizador, que engloba um conjunto de serviços voltados a pessoas transexuais e classificados pelo Ministério da Saúde como ambulatoriais ou hospitalares.

"Os serviços ambulatoriais oferecem acompanhamento clínico, pré e pós-operatório, além da hormonização [também conhecida por terapia hormonal ou hormonioterapia], realizados por uma equipe multiprofissional", afirma o Ministério da Saúde.

"A maior demanda é ambulatorial, de acompanhamento clínico", afirma Bianca Lopes Rosa, coordenadora de promoção da equidade e diversidade em saúde da Secretaria de Estado da Saúde de Goiás.

Ainda assim, apenas 13 estados contam com ambulatórios com equipe multidisciplinar, idealmente composta por psicólogo, psiquiatra, endocrinologista, médico clínico, enfermeiro e assistente social.

Estabelecimentos habilitados para cirurgia de redesignação genital
Região UF Cidade Estabelecimento
Norte PA Belém Hospital Jean Bitar
Nordeste PE Recife Hospital das Clínicas
Nordeste BA Salvador Hospital Universitário Prof. Edgard Santos
Centro-Oeste GO Goiânia Hospital Estadual Alberto Rassi
Sudeste SP São Paulo Hospital das Clínicas
Sudeste SP São Paulo Hospital Estadual Mário Covas
Sudeste RJ Rio de Janeiro Hospital Universitário Pedro Ernesto
Sudeste RJ Rio de Janeiro Hospital Universitário Gaffrée e Guinle
Sudeste MG Juiz de Fora Hospital Universitário (estruturando o serviço)
Sul RS Porto Alegre Hospital de Clínicas
Fontes: Ministério da Saúde e secretarias estaduais de Saúde

Os serviços hospitalares, por sua vez, podem oferecer a cirurgia de redesignação genital, para a qual é preciso ter mais de 21 anos de idade e ter passado pelo acompanhamento clínico e hormonal por dois anos.

A estruturação dessa rede de atenção e o pedido de habilitação de novos serviços junto ao ministério competem aos gestores estaduais e municipais. Para isso, a portaria 2.803/13, que trata do processo transexualizador no SUS (Sistema Único de Saúde), estipula uma vistoria no estabelecimento e a aprovação na Comissão Intergestores Bipartite, formada por representantes da secretaria estadual e das secretarias municipais de Saúde.

De 2019 ao fim de 2022, nenhum novo serviço foi habilitado, segundo o Ministério da Saúde. No fim do ano passado, o país contava com 11 estabelecimentos com atendimento especializado, contra 21 atualmente. "Desde o início da atual gestão, em menos de oito meses, o Ministério da Saúde praticamente dobrou o número de serviços habilitados a atender a população trans", diz a pasta.

Apesar do aumento, Amuruz ainda não conseguiu ser atendido pela equipe especializada em Goiânia. "Eu perdi energia, tempo, saúde mental e decidi buscar os meios oficiais", conta, explicando que deseja judicializar o caso.

Também moradora de Goiás, Yasmim Pereira da Silva iniciou o processo em 2016, no Hospital das Clínicas da UFG (Universidade Federal de Goiás), mas o serviço foi descontinuado. "Eles ficam jogando a gente de um lado para o outro e ninguém resolve nada", critica a cuidadora de idosos, que viajava de Morrinhos para Goiânia, um percurso de 130 km, para realizar as consultas.

Rosa afirma que o atendimento hospitalar no estado era realizado no Hospital da UFG, porém, com a morte da coordenadora do projeto, em 2019, a equipe se desfez. Em seguida, veio a pandemia de Covid-19, e as cirurgias eletivas foram suspensas.

Com o fim dos procedimentos no HC-UFG, o Hospital Estadual Alberto Rassi, conhecido como HGG, ficou encarregado do atendimento hospitalar. Porém houve demora na transferência dos dados de uma unidade para outra, confundindo pacientes e atrasando as cirurgias.

"Hoje eu me sinto completamente desanimada. Fico me perguntando quais meios devo procurar para conseguir fazer o procedimento", desabafa Yasmim.

“Eu vou morrer sem nunca fazer essa cirurgia”

Yasmim Pereira da Silva

Mulher trans

Rosa alega que encontrar um profissional, principalmente da equipe cirúrgica, com conhecimento no processo transexualizador não é uma tarefa fácil e que a situação é desafiadora também em outras regiões do país.

"A equipe do HGG tem conseguido operar pelo menos duas pessoas por mês, considerando a redesignação, e para outros procedimentos, como mastectomia masculinizadora e histerectomia [remoção do útero] para homens trans, a demanda já foi quase toda atendida", afirma a coordenadora.

O Hospital das Clínicas afirma que encaminhou as autorizações de internação hospitalar daqueles que aguardavam cirurgia para a Central de Regulação de Goiânia e que está tentando montar uma equipe para voltar a oferecer a genitoplastia.

Julgamento na Corte Interamericana

A falta de locais que oferecem a cirurgia no Brasil será objeto de julgamento na Corte Interamericana de Direitos Humanos. A instituição analisará o caso Luiza Melinho x Brasil, em que houve uma espera de sete anos e, por fim, a paciente teve de obter um empréstimo e realizar o procedimento em um hospital particular.

"O Estado já foi notificado. Agora, os peticionários estão com o prazo aberto para escrever a argumentação que responsabiliza o Estado e pede medidas de reparação para Luiza Melinho e de não repetição em relação ao direito à saúde da população transgênera no Brasil", diz Eduardo Baker, advogado da Justiça Global, copeticionária da ação.

Será o primeiro caso da Corte relacionado à saúde da população trans. A expectativa é que a audiência de julgamento ocorra em 2024.

Qual a situação em cada UF

Acre

Ainda não oferece cirurgia de redesignação.

Amapá

Está discutindo com o ministério a implantação da cirurgia de redesignação.

Bahia

Tem um hospital habilitado para o procedimento: o Hospital Universitário Professor Edgard Santos. Há cerca de duas semanas, a unidade realizou a primeira cirurgia transexualizadora do estado.

Ceará

Conta, desde 2017, com o Serviço Ambulatorial Transdisciplinar para Pessoas Transgênero (Sertrans), que realiza cerca de 250 atendimentos por mês. Em julho deste ano, o estado passou a ofertar hormonioterapia também para mulheres trans custodiadas na Unidade Prisional Irmã Imelda Lima Pontes.

Distrito Federal

Ainda não realiza a cirurgia de redesignação sexual.

Espírito Santo

A Secretaria da Saúde afirma que está em busca de serviços no estado que possam realizar as cirurgias de redesignação sexual para credenciá-los. Os serviços ambulatoriais são oferecidos no Hospital Universitário Cassiano Antonio Moraes, vinculado à Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo).

Goiás

O Hospital Estadual Alberto Rassi (HGG) começou a realizar as cirurgias de redesignação sexual em 2021. Desde então, foram 24 pacientes, sendo seis de janeiro a julho deste ano. Todos os casos foram de genitoplastia feminizante. Goiás não oferece genitoplastia masculinizante.

Mato Grosso

Não tem hospital habilitado para realizar cirurgia de redesignação sexual. Os pacientes que precisam do procedimento são encaminhados via tratamento fora do domicílio para outros estados, e os gastos com locomoção e a ajuda de custo para estadia e alimentação são pagos pela Secretaria de Saúde.

Minas Gerais

Tem três estabelecimentos habilitados na modalidade ambulatorial: Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora, Hospital das Clínicas de Uberlândia e Hospital Eduardo de Menezes (Belo Horizonte). Em 30 de março, o Hospital Universitário de Juiz de Fora foi habilitado também na modalidade hospitalar e está em processo de estruturação do serviço.

Paraíba

Oferece atendimento ambulatorial no Complexo Hospitalar Clementino Fraga, em João Pessoa, e no Hospital de Emergência e Trauma Dom Luiz Gonzaga Fernandes, em Campina Grande. Até agora, a genitoplastia não é oferecida.

Paraná

Tem três serviços na modalidade ambulatorial, entre os quais o Centro de Pesquisa e Atendimento a Travestis e Transexuais.

Pernambuco

O Hospital das Clínicas é habilitado e, até o momento, realizou sete genitoplastias feminizantes, uma por mês. O estado está em discussão com o ministério para ampliar o serviço.

Rio de Janeiro

Duas unidades oferecem o serviço de resignação sexual: o Hospital Universitário Pedro Ernesto e o Hospital Universitário Gaffrée e Guinle, ambas na capital fluminense. As duas realizam tanto a genitoplastia masculinizante quanto a feminizante e, até o momento, foram 30 cirurgias, sendo 24 feminizantes e seis masculinizantes.

Rio Grande do Sul

"O Hospital de Clínicas de Porto Alegre é o hospital que há mais tempo oferece, de forma contínua, a cirurgia feminizante pelo sistema público. Desde 1998, já foram realizadas mais de 300 cirurgias do tipo e, atualmente, fazemos de dois a três procedimentos por mês, além de capacitar cirurgiões de vários estados do país", diz Tiago Rosito, chefe do Serviço de Urologia do HCPA. De 1º de janeiro a 31 de julho, o hospital realizou 20 genitoplasias feminizantes e três masculinizantes.

Roraima

A Secretaria de Saúde afirma que tem feito estudos técnicos para viabilizar a implantação do serviço.

Santa Catarina

Não tem centros habilitados para o procedimento cirúrgico. Os pacientes são encaminhados via TFD (tratamento fora do domicílio) para unidades de atenção especializada em outros estados.

São Paulo

De janeiro a julho de 2023, foram realizadas 22 cirurgias de redesignação no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e no Hospital Estadual Mário Covas.

Tocantins

Não tem nenhum serviço ambulatorial ou hospitalar para o processo transexualizador. A Secretaria de Saúde afirma que está construindo a linha do cuidado para estabelecer protocolos, diretrizes e fluxos de acesso para os usuários que necessitam desse tipo de serviço.

Os demais estados não forneceram informações até a publicação desta reportagem.

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