Especialistas divergem sobre legalidade de hospital não inserir DIU devido à religião

Unidades do Hospital São Camilo não realizam procedimentos contraceptivos por ser uma instituição confessional católica

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São Paulo

A legalidade da diretriz do Hospital São Camilo que veta a realização de procedimentos contraceptivos devido aos valores religiosos da instituição é motivo de desacordo entre especialistas consultados pela reportagem.

De um lado, há o argumento de que a negativa não ofende o direito médico nem os princípios da bioética. "Se não há risco para a integridade da saúde do paciente, o hospital privado pode se negar a realizar o procedimento por preceitos religiosos", diz a advogada Mérces da Silva Nunes, especialista em direito médico.

Em contraponto, o presidente da Comissão de Bioética da OAB-SP, Henderson Fürst, argumenta que a determinação do hospital viola o direito ao planejamento familiar, previsto na Constituição Federal. "O fato de ser um hospital confessional não pode cercear qualquer técnica que viabilize direitos fundamentais de saúde e que viabilize o planejamento familiar, que também é um direito de saúde, que também é um direito fundamental", disse o advogado à reportagem da Folha.

Entrada da unidade Ipiranga, na zona sul de São Paulo, do Hospital São Camilo - Divulgação

A discussão teve início nesta terça-feira (23), após uma paciente do São Camilo em São Paulo revelar em redes sociais que, durante consulta, foi informada pelo médico não poderia fazer inserção de DIU (dispositivo intrauterino) no estabelecimento, que segue valores católicos. O DIU é um pequeno dispositivo que, introduzido no útero, impede a fecundação ou a fixação do óvulo fecundado.

Por meio de nota, o Hospital São Camilo disse que tem como diretriz não realizar procedimentos contraceptivos em homens ou mulheres, e que orienta pacientes a buscarem serviços alternativos na rede referenciada do plano de saúde. "Tais procedimentos são realizados em casos que envolvam riscos à manutenção da vida".

Para Débora Diniz, professora de direito da UnB (Universidade de Brasília) e pesquisadora da área de direitos reprodutivos, o estabelecimento não poderia se negar a fazer esse tipo de procedimento, uma vez que atua dentro de marco constitucional que entende o planejamento familiar como garantia de direito à saúde. "O fato do hospital não fazer para homem e mulher não altera em nada a violação do direito à saúde, a violação do acesso a serviços de saúde", argumenta.

De acordo com a Sociedade Beneficente São Camilo, todos os 30 hospitais mantidos pela instituição seguem a mesma diretriz e não oferecem nenhum procedimento contraceptivo, como laqueadura e vasectomia, exceto em casos de risco à saúde.

Entre os estabelecimentos geridos pela entidade filantrópica, porém, há unidades que recebem repasses de recursos públicos –o que pode ser caracterizado como "lacuna" para a advogada Juliana Hasse, presidente da Comissão Direito Médico e Saúde da OAB-SP, já que os procedimentos são oferecidos gratuitamente pelo SUS (Sistema Único de Saúde).

"O acesso a métodos contraceptivos é parte integrante do direito à saúde, que é garantido pela constituição federal. Por ele [hospital] ter esse lado que envolve recurso público, pode haver algum conflito. E aí pode até ter que haver um posicionamento jurisprudencial, até um posicionamento do próprio judiciário para dirimir esse conflito", afirma Hasse, que diz desconhecer casos de judicialização por este motivo.

Procurado, o Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo) disse que hospitais particulares não têm obrigatoriedade de oferecer métodos contraceptivos, como o DIU, e que cada instituição possui protocolo próprio sobre o procedimento. "Além disso, este é um procedimento que pode ser realizado em consultório médico, de modo que nem todos os planos de saúde cobrem sua inserção e internação em hospitais", diz nota da entidade.

Colaborou Victoria Damasceno, de São Paulo

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