'Tem momentos em que Tite é o chefe; em outros, eu sou o chefe', diz Edu Gaspar

Coordenador de seleções da CBF liderará maior delegação do Brasil em Copas

Sérgio Rangel
Rio de Janeiro

Edu Gaspar conquistou títulos importantes pela seleção brasileira. Campeão da Copa América de 2004 e Copa das Confederações de 2005, o volante era nome praticamente garantido na convocação de Carlos Alberto Parreira para a Copa de 2006.

Então com 27 anos, o ex-corintiano só não esperava sofrer uma grave lesão no joelho sete meses antes do início do Mundial da Alemanha. O sonho virou decepção.

“Quando caí no chão, já sabia que era grave e estava fora da seleção. O mais curioso é que não fiquei desesperado. Tinha certeza que disputaria uma Copa. E estou aqui hoje”, afirmou o paulista no início da tarde de quarta (16), dia em que completou 40 anos.

A partir desta segunda (21), o hoje coordenador de seleções da CBF, vai encarar o que considera “o maior desafio” da sua carreira: comandar a delegação brasileira em uma maratona de quase dois meses em busca do hexa.

Edu Gaspar, coordenador de seleções da CBF, durante entrevista para a Folha
Edu Gaspar, coordenador de seleções da CBF, durante entrevista para a Folha - Ricardo Borges/Folhapress

Nos últimos seis meses planejou toda a operação. Fechou com o Tottenham o uso do novo centro de treinamento do clube para treinos da seleção, marcou os amistosos com Croácia e Áustria, e escolheu o luxuoso hotel em Sochi onde será a concentração da seleção no início do Mundial.

Sentado em sua ampla sala na sede da CBF, no Rio, ele nem parece um ex-jogador. Gosta mesmo é de usar terno, comandar reuniões e de criar processos administrativos.

“Gosto de dizer que trouxe a realidade corporativa para o mundo do futebol”, diz o executivo, que comanda um grupo de quase 40 funcionários.

Além de cuidar do time de Tite, ele também é responsável pelas seleções de base.

“Processos, metas, objetivos, organização, hierarquia. Trouxe isso para dentro da realidade da seleção”, acrescenta o ex-volante, que fez curso de gestão esportiva na Inglaterra.

Contratado pela CBF em junho de 2016, junto com o técnico Tite, seu parceiro nos anos mais vitoriosos do Corinthians, Gaspar mudou a rotina de trabalho na confederação.

Edu Gaspar conversa com Tite durante treino do Corinthians, em 2016
Edu Gaspar conversa com Tite durante treino do Corinthians, em 2016 - Daniel Augusto Jr. -12.mar.2016/Ag. Corinthians

Até então, os treinadores e integrantes da comissão técnica não trabalhavam diariamente na sede da entidade.

Os dois últimos comandantes da seleção, Dunga e Luiz Felipe Scolari moravam fora do Rio. Só apareciam na CBF dias antes das convocações.

“Essa dinâmica agiliza bastante o trabalho, estamos sempre trocando experiências, acompanhando os jogadores. Tem trabalho todo dia”, diz o coordenador de seleções.

Após a publicação da reportagem, a assessoria de imprensa de Luiz Felipe Scolari afirmou que o técnico dava expediente diário na CBF, no Rio de Janeiro, entre 2013 e 2014. 

Gaspar encerrou a carreira de jogador aos 32 anos, no Corinthians, clube que o revelou, sob o comando de Tite. Menos de um mês depois, foi anunciado como gerente de futebol do clube alvinegro. Depois disso, não parou mais.

Apesar de ter sempre um projeto na cabeça, ele quer esperar o final da Copa para definir o seu futuro. A diretoria da entidade não escondeu que pretende mantê-lo no cargo.

“Vamos deixar essa discussão mais para frente”, afirma.

 

Você mudou bastante a estrutura do departamento de seleções. Colocou o estafe da comissão técnica e das seleções de base para trabalhar diariamente na CBF. Essa dinâmica agiliza bastante o trabalho, estamos sempre trocando experiências, acompanhando os jogadores. Tem trabalho todo dia. Aqui [na CBF] tem quase 40 pessoas na minha responsabilidade. Todos têm autonomia, mas gosto de participar das principais decisões. Preciso sempre trocar ideias. Não sabemos tudo na vida. Mas se me perguntar sobre a programação dos jogos, vi e decidi.

O que espera encontrar na Rússia? Pela responsabilidade da posição que estou, sem dúvida é o maior desafio da minha carreira. Sei que as decisões que tomo vão impactar diretamente a seleção. O pilar disso é o Tite. Ele é soberano nas decisões técnicas, mas as cobranças também recaem sobre mim. Tenho a minha importância. Na segunda-feira, após a convocação final, abri um vinho com a minha mulher e me emocionei.

O que você fez para convencer os dirigentes da CBF a mudar a forma como se trabalhava na confederação? Eu trouxe a realidade corporativa para a seleção. Processos, metas, objetivos, organização, hierarquia. Precisávamos disso.

Quando jogava, já gostava desse mundo. Tinha uma representação de uma empresa dos Estados Unidos de pisos, comprava terrenos e construía prédios. Fiz um condomínio de casas de veraneio no litoral norte de São Paulo. Tinha uma funcionária para cuidar dos meus imóveis alugados.

Edu Gaspar durante jogo do Corinthians contra o Santo André, pelo Brasileiro de 2009
Edu Gaspar durante jogo do Corinthians contra o Santo André, pelo Brasileiro de 2009 - Fabio Braga - 8.nov.09/Folha Imagem

Quando deixei de ser atleta, abri um escritório para cuidar de todas essas coisas. Gosto de ir lá e conversar com arquitetos, construtores, investidores, banco. São assuntos diferentes, aprendo coisas legais. Nem todos os meus negócios dão certo. Tomo uma paulada de vez em quando, mas gosto desse lado administrativo.

Quem faz a sua cabeça no meu corporativo? Não tenho isso. Gosto muito de ler sobre o assunto, estou sempre me informando, mas não de seguir uma pessoa. Quando tenho dificuldade, vou atrás, consulto especialistas, faço cursos.

O que está faltando na seleção para a Copa? A Copa está praticamente pronta. Toda a parte administrativa, logística, está planejada. Quero ver agora as coisas funcionando. 

Você está levando para a Rússia a maior comissão técnica da história da seleção em Copas. Mais pessoas não resulta em mais problemas? Por isso, os processos são importantes. Se os 65 [integrantes da delegação] forem comer juntos, não terei um almoço, mas um evento diário. Mas dividimos a delegação. O Mundial do Corinthians me deu essa experiência. Defino quem pode entrar no ônibus, quem vai almoçar com os atletas... Já programo tudo antes, para evitar constrangimento. Isso é o que causa problemas. Todos vão saber antes o que fazer.

Você foi contratado pelo Marco Polo Del Nero, que no mês passado foi banido pela Fifa após denúncias de corrupção. Como era trabalhar com ele? Fomos atendidos em tudo o que pedimos no início do nosso trabalho, como implementação de tecnologia, novos investimentos, contratação de profissionais, investimentos em viagens, entre outros. Assim como é hoje, tenho total autonomia para cuidar do futebol. Foi muito bom o tratamento no dia a dia.

Você fez faculdade? Qual é a sua formação? Não tive tempo. Minha família toda tem formação acadêmica. Meu irmão é mestre em filosofia. Minha irmã [morta em 2000, num acidente automobilístico] era formada em educação física. Meu pai foi músico e professor. Não consegui terminar o Ensino Médio. Subi para o profissional com 17 anos. Chega um momento que você tem que parar de estudar porque a rotina de treinos, concentrações e jogos consome o seu tempo. Mas estou sempre me atualizando.

Como é o seu trabalho com o Tite? Decidimos tudo juntos. Brincamos sobre isso. Tem momentos em que ele é o chefe; em outros, eu sou o chefe. Dividimos a chefia.

Na escolha da concentração, quem decidiu? Apresentei a ele todos os detalhes. Mas o aval foi dele. Se tivesse divergência, íamos buscar uma alternativa. O tempo de trabalho junto nos ajuda muito. Ele sabe como é a minha cabeça e eu sei muito mais como funciona a dele. Todas as decisões que tomo fora da área técnica, penso com a cabeça dele. Por isso, nos damos bem. O Tite pensa na essência dele, que é o campo, e eu penso o que é essencial para ele. Faço o trabalho que ele não gosta com a cabeça dele.

Você vai continuar na CBF depois da Copa? Eu tenho contrato até o final do Mundial. Sou funcionário da CBF, mas fizemos um acordo de rever o trabalho após a competição. A CBF ainda não me chamou para conversar, mas não está no tempo. Vamos deixar essa discussão mais para frente.
 
O Brasil não vence a Copa há 16 anos. O título vai vir agora? O resultado depende de outros fatores, mas vamos prontos fazer o nosso melhor.

Parreira ocupou cargo de Edu Gaspar na Copa-2014

Antes de Edu Gaspar, a CBF contou com outros medalhões para trabalhar em função semelhante à do ex-corintiano, mas que não tiveram sucesso.

Na Copa de 2014, o técnico Carlos Alberto Parreira era o coordenador da seleção comandada por Luiz Felipe Scolari. Além de auxiliar Felipão no campo, a CBF queria que Parreira, com sua experiência, também ajudasse na complicada operação do Mundial disputado no país.

No organograma, Parreira ocupava o cargo principal da comissão técnica, mas não tinha uma participação tão efetiva nos bastidores quanto Gaspar. O responsável pela logística era o mineiro Guilherme Ribeiro.

Na Copa de 2002, a última vencida pelo Brasil, Antônio Lopes tinha função semelhante à do ex-volante. Ele havia sido contrato dois anos antes, após o fiasco do time de Vanderlei Luxemburgo na Olimpíada de Sydney-2000.

Ex-delegado da polícia do Rio, Lopes era o chefe, mas não se envolvia nas questões operacionais. Ele repassava o trabalho para o supervisor Américo Faria.

Raio-x

Edu Gaspar, 40
Nascido em São Paulo, começou a  carreira aos 17 anos como volante do Corinthians. Após passar 
por Arsenal e Valencia, voltou ao clube em 2009 e se aposentou no fim de 2010. No ano seguinte, assumiu cargo de gerente de futebol e trabalhou nos bastidores em uma das épocas mais vitoriosas do time, com Tite como técnico. Quando o treinador foi para a seleção, em 2016, Gaspar foi junto e se tornou coordenador de seleções da CBF.

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