Irineu Franco Perpetuo

Assim como vodca e balalaica, mujique é uma daquelas palavras russas que entraram no dicionário brasileiro. O Houaiss define como "camponês russo, de antes da revolução de 1917", o que significa a maioria esmagadora da população do país, já que a Rússia pré-revolucionária era essencialmente agrária.

Os mujiques russos viviam em regime de trabalho servil e eram designados como "almas" —como sabe quem já leu o clássico "Almas Mortas" (1842), de Nikolai Gógol (1809-1852).

Sua condição foi constantemente denunciada pela literatura russa do século 19, e a obra fundamental para a abolição da servidão pelo czar Alexandre 2º, em 1861, foi "Memórias de Um Caçador" (1852), de Ivan Turguêniev (1818-1883).  

Ele foi um escritor cujo bicentenário de nascimento o meio literário russo festeja em 2018 e que, com sutil elegância, contrapunha o caráter humano do mujique à superficialidade e violência dos proprietários rurais aos quais eles estavam submetidos.

O fim do regime servil, contudo, não resolveu as dificuldades do mujique russo, nem aboliu a inquietação da intelligentsia com sua situação.

Na obra-prima "Anna Kariênina" (1877), Lev Tolstói (1828-1910) —fã confesso das "Memórias" de Turguêniev— projeta suas preocupações em seu alter ego, o personagem Lióvin, que tenta elaborar um tratado teórico sobre agricultura no qual "o principal elemento da propriedade era o trabalhador", ou seja, o mujique.

A Revolução de 1917, inicialmente, atendeu as demandas do campesinato russo, para depois esmagá-lo implacavelmente durante a brutal coletivização empreendida por Stálin na década de 1930.

Irineu Franco Perpetuo

Jornalista e tradutor brasileiro.

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