Descrição de chapéu Copa do Mundo

Pais fazem malabarismo com crianças em dias de jogos da seleção na Copa

Escolas dispensaram alunos e obrigaram famílias a se virar com essas mudanças

Marcella Franco
São Paulo

Se Coutinho e Neymar não tivessem consertado o placar da partida contra a Costa Rica aos literais 46 do segundo tempo, na sexta (22), a euforia brasileira entraria a semana fortemente abalada.

A rotina de mães e pais de crianças pequenas, por sua vez, poderia, diante da proximidade de uma trágica e precoce eliminação da Copa, ensaiar uma volta à normalidade --e certamente isso ocorreria sem reclamações.

Com os pequenos matriculados em escolas que mexeram no calendário de aulas, dispensando os alunos por algumas horas (ou até mesmo o dia todo, em certos casos), essas famílias se viram às voltas com a necessidade de adaptar a rotina. Por mais que isso pareça algo simples e corriqueiro, é, na verdade, uma situação com potencial de transtorno dentro de casa.

 

Sem babás ou funcionários domésticos a quem recorrer, e precisando trabalhar normalmente também nos dias de jogos, alguns paulistanos elaboraram verdadeiros esquemas de guerra para não deixar ninguém na mão.

A motorista Patricia Leal, 46, é mãe de uma adolescente de 16 anos e de um garoto de oito. Precisou apelar para a avó das crianças para não faltar ao serviço. Patrícia é cadastrada em um aplicativo de transporte exclusivo para passageiras mulheres. Em dias normais, ela dirige das 7h às 17h. Com a partida agendada para as 9h de sexta, foi necessário um malabarismo.

"A Stephanie já é grande e pode ficar sozinha em casa, mas, em relação ao Victor, eu fiquei preocupada. A escola avisou com 20 dias de antecedência que não funcionaria nessa data, então tive que pensar em um plano B. Não posso não trabalhar e tenho passageiras que contam comigo independentemente de ser jogo do Brasil", explica.

Patrícia e o filho saíram cedo de casa, antes do jogo, e partiram para o outro lado da cidade, onde mora a mãe da motorista. "Pelo menos ficando lá estou segura de que ele estará bem, em um lugar que conhece. Tenho que buscar no fim da tarde e, por isso, vou ter que trabalhar menos."

Daniele Mello, 40, não foi a única a se revoltar com a decisão do colégio do filho de não abrir as portas nos dias em que o Brasil entra em campo.

"Quando fui buscá-lo, na quarta (20), havia um monte de mães reclamando", conta a empresária, mãe de Murilo, 12, e Maria Fernanda, 18, e que toca, por conta própria, uma marca de cosméticos naturais.

"A professora avisou que eles até estavam tentando colocar uma profissional em esquema de plantão, sendo que eu não aceito isso. Pago a mensalidade e não rola aula? Todas nós precisamos trabalhar", queixa-se a empresária.

Danielle, que participa de bazares como expositora, ministraria na manhã de sexta uma oficina em uma multinacional. "Como é que eu cancelo um negócio desses?"

A avó, que geralmente toma conta do garoto quando a mãe tem compromissos de trabalho, dessa vez estaria fora de São Paulo, e restou à empresária pedir ao pai de Murilo, profissional autônomo, que cancelasse sua agenda até a hora do almoço para olhar o filho.

Agora, passado o sufoco da segunda partida da seleção, ela já pensa em como serão os dias em que o Brasil jogará novamente. "A escola não vai mudar nada em sua decisão, mesmo com a reclamação das mães. Não vou agendar nada, mas, também, não terei como desmarcar se alguém me pedir algo de trabalho. Infelizmente, a gente tem que se virar de algum jeito."

E esse "jeito", muitas vezes, infelizmente envolve driblar a lei para que não se perca o emprego, por exemplo.

Embora só seja permitido deixar um filho ou filha sozinhos a partir dos 12 anos de idade, em muitas famílias é comum que as crianças passem algumas horas do dia por conta própria, enquanto os pais não voltam do trabalho.

É o caso da manicure Sônia (nome ficitício), 38, que, para poder comparecer no dia do jogo ao salão, precisou deixar a filha de nove anos sem companhia em casa. Ela pediu para não ser identificada.

"Ela fica com um celular e me liga de hora em hora. Deixo a comida pronta, só precisa esquentar no micro-ondas. Não aviso aos vizinhos, porque tenho medo de que façam alguma maldade. Dói o coração, mas é a nossa realidade."

Em Vinhedo (SP), na casa de Aline Salvi Schmidt, 37, a sexta também foi de remanejamento da rotina. Ela é mãe de um menino de quatro anos.

Para evitar que o problema se repetisse nos dias de novas partidas, Aline sugeriu ao colégio que mantivesse as aulas, parando apenas para fazer a transmissão dos jogos para alunos e funcionários.

Deu certo. Já a partir de quarta (27), quando o Brasil enfrentará a Sérvia, às 15h, os pequenos contribuirão com pipoca, adereços e almofadas.

Localizado na zona oeste da capital, o colégio Dante Alighieri tomou decisão parecida. "Pensamos em proporcionar um momento de união em torno de um objetivo comum, e montamos um telão e transmitimos em classe, explica a diretora-geral pedagógica, Silvana Leporace.

A escolha agradou em cheio à coach Regina Nogueira, 55, mãe de dois alunos.

"Fiquei impressionada ao ver a escola se posicionando de maneira cidadã. Sei que a Copa é um momento de diversão para as pessoas, mas o Brasil não pode parar."

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