Como no futebol brasileiro comemorar gol virou algo proibido

Com mais rigor do que na Copa, arbitragem aplica cartão em celebrações

Alexandre de Aquino
São Paulo | Agora

Marcar um gol é atingir o principal objetivo durante uma partida de futebol. Ao chegar nele é comum jogadores celebrarem, dançarem, irem para a torcida e, com frequência ultimamente, tomarem cartão amarelo por isso.

Na atual edição do Brasileiro, 20 atletas foram punidos em comemorações de gols. O cartão em casos assim está previsto nas regras do futebol. Em nenhum lugar, porém, a norma parece ser seguida tão à risca como no Brasil.

O item 12 das regras do futebol, válido em todo o mundo, prevê a punição com cartão em quatro casos: quando o jogador sobe em equipamentos de proteção e se se aproximar dos espectadores; ao fazer gestos ou praticar ações provocativas; se cobre a cabeça ou o rosto com máscara ou outro artigo semelhante; quando tira a camisa.

No Brasil, a regra é aplicada sem perdão. O que não ocorreu, por exemplo, durante a Copa do Mundo de 2018.

Na Rússia, foram apenas dois cartões aplicados por infrações após a marcação de gols. Ambos saíram porque os jogadores tiraram a camisa.

O suíço Shaqiri, na vitória por 2 a 1 da Suíça sobre a Sérvia, foi um deles. O outro caso teve Vida, da Croácia, punido no triunfo sobre a Inglaterra. Curiosamente, o árbitro neste último duelo foi o brasileiro Sandro Meira Ricci.

Outras situações foram ignoradas. Rebic, da Croácia, levou as mãos às orelhas para provocar a torcida argentina após abrir o placar na vitória croata por 3 a 0, na primeira fase do torneio. O zagueiro colombiano e ex-palmeirense Yerry Mina foi abraçar a torcida após empatar duelo contra a Inglaterra, nas oitavas. Nenhum foi punido.

Casos parecidos no Brasil receberam outro tratamento.

Diego, do Flamengo, foi comemorar com a torcida após marcar gol contra o Ceará, na terceira rodada do Nacional.

Lucas Lima, do Palmeiras, balançou a rede no empate por 1 a 1 com Santos, em jogo válido pela 13ª rodada, correu em direção à bandeira de escanteio e apontou para sua camisa. O ato foi visto como provocação e o jogador levou cartão amarelo.
O presidente da Comissão de Arbitragem da CBF, Coronel Marcos Marinho, defende o rigor aplicado no Brasil.

“Não existe orientação para que se faça diferente do que está na regra. O árbitro é quem faz a leitura do jogo e do campo e toma as providências”, afirma Marinho.
Na visão dele, o Mundial não pode ser usado como parâmetro de comparação, já que as competições locais têm as suas peculiaridades.

“É outro tipo de público. Clássico regional, por exemplo, torcedor tem outro tipo de atitude. No Brasil é preciso ter uma série de cuidados”, defendeu Marinho.

No caso do gol rubro-negro feito por Diego, ele diz que houve risco para segurança. “Pode haver esmagamento, morrer por sufocamento. E aí? Aí vão cobrar os responsáveis. É bonito, mas tem consequências. E se fizeram esse texto na regra é porque já houve precedentes”, completa.

Até o atacante português Cristiano Ronaldo poderia ter problemas por aqui se estivesse disputando um clássico de torcida única e fizesse sua tradicional comemoração de apontar para si mesmo com os dedos indicadores e depois para o campo, como quem diz: “aqui mando eu”.

“É outra realidade. Aqui o Cristiano Ronaldo não teria a liberdade que tem na Europa. É outra cultura, outra realidade. O gesto pode ser interpretado como provocativo, e os jogadores e a torcida se irritarem. No Ba-Vi, no Baiano deste ano, deu pancadaria entre os jogadores por causa de uma dancinha provocativa”, afirma Marinho.

Jogadores e ex-árbitros discordam e querem que a CBF seja mais maleável.

“Existe um exagero, a CBF está tirando a alegria do gol e torna o árbitro antipático. Há um excesso no que diz a regra”, afirmou o ex-árbitro Sálvio Spinola, comentarista de arbitragem da ESPN Brasil.

Sálvio questiona, por exemplo, punições dadas em em situações abertas à interpretação. Caso dos cartões amarelos levados por Moisés e Luan no jogo entre Palmeiras e Atlético-MG, na 14ª rodada, no Allianz Parque. Na ocasião, ambos foram punidos por perderem tempo excessivo na comemoração.

“No clássico São Paulo e Corinthians, os jogadores demoraram muito mais em todas as comemorações do que o Luan, do Atlético-MG. Então o que é demorar na hora de comemorar? Isso é subjetivo e é preciso ter bom senso”, pondera o ex-árbitro.

Punido contra o Galo, Moisés reclamou.“É uma vergonha. O Lucas [Lima] foi punido em um jogo de torcida única. Ele tem que comemorar em algum lugar, não pode ser proibido isso. Hoje, não pode tirar a camisa, subir no alambrado. Meus pais estão atrás do gol, fui fazer uma festa para eles e tomei um cartão amarelo”, afirmou o palmeirense. Lucas Lima também se defendeu na época do cartão.

“Ele [árbitro] falou que comemorei com a torcida, mas é torcida única, não tem o que fazer. Fui para o lado que estava virado, era muita emoção. Não entendi [o cartão]”, afirmou o meia.

Cartões  amarelos

724
cartões amarelos foram dados em 147 jogos do Brasileiro

20
deles por comemoração de gols —2,76% do total

219
cartões amarelos foram dados nos 64 jogos da Copa

2
em comemorações —0,91%

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