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Reza e créditos de gols a Deus dominam comemorações no futebol

Mais da metade das comemorações dos grandes clubes de SP teve gesto religioso

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Carlos Eduardo, do Palmeiras, comemora seu gol contra a equipe do São Paulo

Carlos Eduardo, do Palmeiras, comemora seu gol contra a equipe do São Paulo Cesar Greco/Agência Palmeiras/Divulgação

São Paulo

Enquanto o meia Murilo Henrique corria para cobrar o pênalti do Novorizontino sobre o Palmeiras, no primeiro jogo das quartas de final do Paulista, o zagueiro Everton Sena, próximo à linha do meio-campo, com os dois braços apontados para o céu, orava para que o companheiro acertasse a finalização.

Certeiro no seu canto direito, Fernando Prass conseguiu fazer a defesa e mostrou que só rezar com fervor não basta para que um gol aconteça.

Mesmo assim, a prática de atribuir à intervenção divina sucessos e fracassos nos campos de futebol é rotineira.

Em 29 das 55 comemorações de gols dos quatro grandes clubes de São Paulo, semifinalistas do Paulista, na primeira fase do torneio, houve manifestação religiosa.

O Palmeiras se destacou nesse sentido, com 10 comemorações de cunho religioso em 13 gols. No Santos, o número foi de 8 em 19 gols feitos, semelhante ao Corinthians, com 4 em 10 gols. O São Paulo, com as mesmas 4 celebrações religiosas, mas em 13 gols anotados, vem logo atrás.

“É algo extremamente contraditório, pois ganhar ou perder depende de inúmeras variáveis. Porém, no futebol, os jogadores agradecem as vitórias e, nas derrotas, acreditam que a crise foi enviada por Deus para que aprendam alguma lição”, afirma Clodoaldo Gonçalves Lemes, 44, doutor em Ciência da Religião pela PUC-SP e autor de pesquisa sobre a religião no futebol.

Para escrever sua tese “É Gol! Deus é 10 — A religiosidade no futebol profissional paulista e a sociedade de risco”, Clodoaldo frequentou cinco clubes paulistas (Corinthians, Palmeiras, Santos, São Caetano e São Paulo) em 2005. Neles, percebeu que muitas vezes o fervor religioso dos jogadores estava associado a uma condição de vulnerabilidade social em sua origem.

“Um atleta pode virar milionário da noite para o dia. Por isso, eles são muito mais exigidos e carregam uma pressão enorme, de clubes, mídia e torcida. Muitas vezes, eles não têm estrutura suficiente para suportar as dificuldades, então procuram isso no apoio religioso e no apelo ao sobrenatural”, afirma.

Ex-jogador do Palmeiras e da seleção brasileira, César Sampaio, 51, costumava comemorar os gols que marcava apontando para o céu. Foi assim, por exemplo, que ele vibrou ao anotar o primeiro gol do Brasil na vitória por 2 a 1 sobre a Escócia, na estreia da seleção na Copa de 1998.

“Eu não fiz tantos gols assim”, brinca. “Mas eu não pedia para Deus me ajudar a fazer os gols. Eu agradecia por estar com saúde, pensava nos meus familiares, que estavam orando por mim enquanto eu estava jogando, e por poder fazer o que eu mais gostava, que era jogar futebol”, conta.

Nas equipes em que foi capitão, sempre que podia César Sampaio levava uma Bíblia aos jogos para entregar ao atleta que carregava a faixa no adversário. Hoje, ele vê um pouco de exagero na forma como encarava a religião.

“Era Deus no céu e o pastor na terra. Reconheço que me deixei levar por um certo fanatismo. O meu modo de encarar a religião mudou muito e posso dizer que sou um evangélico mais consciente”, afirma.

O ex-jogador de handebol Marcos Grava, 50, presidente da associação Atletas de Cristo, formada por esportistas de várias denominações cristãs e que teve forte presença no futebol nos anos 1980 e 1990, vê um certo exagero na forma como alguns atletas manifestam sua religiosidade.

“Particularmente, acredito que fora do ambiente de jogo, as reações de um atleta maduro e conhecedor daquilo que afirma crer, seriam bem diferentes dos exageros que temos visto”, afirma o ex-atleta.

César Sampaio concorda que alguns atletas passam do ponto nas comemorações hoje em dia.

“Hoje tem marketing, redes sociais e outras tantas coisas que envolvem os jogadores. Então é muito fácil que pessoas com interesse comercial, até na religião, se aproximem deles para se promoverem”, diz, frisando que nem todas as manifestações religiosas dos atletas são feitas com o intuito de promoção pessoal.

A Fifa determinou, em 2010, que estão proibidas, durante as partidas, as manifestações religiosas que possam denotar discriminação a outras religiões durante as partidas. 

“É algo extremamente delicado e precisa ser analisado caso a caso. Se for algo discreto, apenas como liberdade de expressão do atleta, como manifestação pessoal, sem ofender outra religião, a Fifa não vai punir”, afirma Eduardo Carlezzo, 40, advogado especialista em direito esportivo internacional.

“Mas imagine que a partida é na Arábia Saudita, um país muçulmano, e os jogadores comemoram fazendo o sinal da cruz. A Fifa pode entender como uma ofensa e punir”, completa.

Desde então, a única punição por manifestação religiosa imprópria foi à Federação Iraniana de Futebol, por ter promovido cerimônia antes e no intervalo de partida das eliminatórias para a Copa do Mundo da Rússia. Além disso, um drone sobrevoou o estádio com propaganda ao islã. 

O advogado ressalta que a Fifa não se preocupa apenas com manifestações religiosas, mas também com mensagens políticas e ações que denotem discriminação sexual, homofobia ou racismo.

Dirigentes e clubes ouvidos pela Folha veem com bons olhos a influência da religião nos seus jogadores. Eles avaliam que a liberação de cerimônias religiosas nas concentrações, por exemplo, pode ajudar a diminuir a indisciplina.

A prática, porém, é polêmica e não agrada a todos. Quando assumiu o Santos, em junho de 2017, o técnico Levir Culpi (hoje no Atlético-MG) chegou a proibir manifestações religiosas na concentração.

Na seleção brasileira, a presença de religiosos também já foi motivo de controvérsia. Um pastor teve trânsito livre na concentração da Granja Comary, em Teresópolis, nas Copas de 2002, 2006 e 2010. A partir de 2014, porém, a CBF vetou a presença dele no local.

Colaborou Klaus Richmond

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