Descrição de chapéu Tóquio 2020

Flavia Saraiva conta com a mãe para treinar em casa na quarentena

Fabia Brito largou o trabalho para acompanhar sonho da filha na ginástica artística

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São Paulo

Fabia Brito Lopes Saraiva vê a filha pegar o celular e já se preocupa. “Vai me gravar de novo, Flavia?”.

A mãe não gosta de aparecer, mas a filha Flavia Saraiva, 20, integrante da seleção brasileira de ginástica artística e com vaga garantida na Olimpíada de Tóquio, adiada para 2021, não se importa. Grava mesmo assim.

Fabia, mãe da ginasta Flavia Saraiva, ajuda a filha nos exercícios. Flavia segura o cachorro Pipoca
Fabia, mãe da ginasta Flavia Saraiva, ajuda a filha nos exercícios. Flavia segura o cachorro Pipoca - Divulgação

Em casa o dia inteiro por causa das medidas de distanciamento social provocadas pelo novo coronavírus, Flavia tem de arranjar um jeito de gastar sua inesgotável energia. Ela conta que treina, lê, vê televisão, brinca com os cachorros Hulk e Pipoca, treina mais um pouco. Para por alguns segundos e repete tudo de novo.

Até o início da pandemia, em março, ela gastava sete horas por dia em treinos no Rio de Janeiro, na preparação para os Jogos Olímpicos. Agora as atividades são em casa com apetrechos cedidos pela CBG (Confederação Brasileira de Ginástica), observada via Zoom (aplicativo de videoconferências) pelos treinadores da seleção.

Para todas as necessidades, está lá Fabia. Com 1,45 m de altura, Flavia precisa de auxílio para subir em aparelhos emprestados e fazer alguns exercícios. A mãe também entra em ação na hora de arrumar a bagunça que fica na casa quando tudo termina.

“Toda quarta-feira tem teste físico, e em alguns exercícios eu preciso que ela me ajude. Sempre gravamos, mas ela fica com vergonha. A casa fica de cabeça para baixo depois que acaba. E minha mãe precisa ir lá arrumar”, se diverte Flavia ao contar.

A ginasta é elétrica, fala pelos cotovelos e precisa estar sempre em atividade. A mãe parece ser tímida. Segundo Flavia, só parece. “Ela não é calada assim, não. É porque não te conhece”, diz ao repórter.

A participação dos pais vai muito além da ajuda da mãe em alguns exercícios ou ao arrumar a bagunça em casa. A filha não teria vida no esporte sem eles.

Flavia Saraiva começou aos 8 anos, depois de passar por teste em ONG administrada por Georgette Vidor, ex-coordenadora da CBG. A menina impressionou e foi aprovada depois de poucos minutos. Os treinos demandavam viagens de quatro horas diárias, entre idas e voltas, até a Barra da Tijuca, zona norte do Rio.

“Eu ficava sentada lá, olhando ela pular para um lado e para o outro”, lembra Fabia.

Fez mais do que isso. Como a garota disse que aquele era o seu sonho, a mãe abandonou o emprego de vendedora. De manhã a levava para a escola, voltava para preparar o almoço e em seguida a acompanhava ao treino. Só chegavam de volta em casa à noite, para fazer tudo de novo no dia seguinte. O pai, João, também vendedor, ficou como o único provedor da família.

“Foi uma época difícil, tivemos de vender coisas [que tinham em casa]. Olha, nem te conto… Eles deixaram de lado muita coisa por causa do meu sonho”, afirma Flavia.

Flavia Saraiva (à dir) e a mãe Flavia se exercitam na casa delas, no Rio
Flavia Saraiva (à dir) e a mãe Flavia se exercitam na casa delas, no Rio - Divulgação

A conclusão delas é que ajudar nos treinos em casa é bem mais fácil do que sacolejar por horas em um trem lotado para chegar ao local do treinamento.

“Eu sempre fiz parte da preparação, de certa forma. Quando ela precisava de qualquer coisa, eu sempre estava lá. Ajuda na alimentação, a escolher roupa, tudo. No início eu dizia: ‘filha, isso não tem futuro, a gente precisa trabalhar’. Mas como ela falava que tinha esse sonho, fomos em frente”, recorda a mãe.

Era uma aposta, como sempre ocorre em casos assim, que poderia dar errado. Fabia percebeu pela primeira vez que tinha valido a pena em 2014, quando a menina, aos 14 anos, conquistou três medalhas (uma delas o ouro no solo) nos Jogos Olímpicos da Juventude em Nanquim, na China.

Depois veio a Olimpíada de 2016, no Rio, sua cidade. A mãe não esquece do orgulho ao ver a filha no maior evento esportivo do mundo e do nervosismo indescritível que sentiu. Flavia ficou em quinto lugar na trave, mas impressionou tanto que a americana Simone Biles, ganhadora de quatro ouro nos Jogos, disse que a brasileira merecia o bronze.

A ansiedade foi tão marcante que a mãe nem planeja ir a Tóquio em 2021 para ver as competições de ginástica. “Mas você vai ver pela televisão e vai ficar nervosa igual”, desdenha de brincadeira a filha.

“Está tudo bem. Muita gente no caminho falou para a gente desistir disso. Escutava cada uma… Mas teve muita gente boa também. Porque ela é assim. As pessoas quando a conhecem querem pegá-la no colo”, diz Fabia, ao lado da filha na entrevista feita pela tela de um celular.

Flavia sorri. “Eu sou assim porque sou feliz”.

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