Descrição de chapéu The New York Times

Mike Tyson volta aos ringues porque nostalgia é sucesso de bilheteria

Ex-campeão mundial enfrentará Roy Jones Jr, outro veterano, em duelo de exibição

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Jonathan Abrams
The New York Times

Mike Tyson está de volta para uma luta em pay-per-view. Bem, não exatamente uma luta. É um combate de exibição entre dois ex-campeões, disse, com aparente irritação, Andy Foster, o diretor executivo da Comissão Atlética Estadual da Califórnia. “Não existe outra maneira de descrever o que vai acontecer."

De alguma forma, ver Tyson de volta ao ringue parece coroar naturalmente o ano de 2020. Um documentário com 10 episódios, lançado no segundo trimestre, permitiu que milhões de pessoas vissem o Chicago Bulls de Michael Jordan de novo na quadra.

Will Smith está de volta a Bel Air no especial do seriado “Um Maluco no Pedaço”, em companhia da atriz que interpretava a tia Viv na versão original. O príncipe Akeem em breve voltará de Zamunda para Nova York, por cortesia de Eddie Murphy.

A era que vivemos está saturada de nostalgia e repleta de retornos, a serviço de nossa necessidade de entretenimento seguro e constante durante a pandemia.

Mike Tyson durante evento em Las Vegas
Mike Tyson durante evento em Las Vegas - Steve Marcus - 22.fev.2020/Reuters

Os ciclos noticiosos implacáveis tornam difícil imaginar um amanhã cheio de esperança. Por isso, abraçamos a familiaridade daquilo que já conhecemos.

Nenhum desses retornos, porém, exigia muita coisa em termos físicos. Jordan só precisou apertar os laços do tênis para participar de entrevistas.

Tyson tem 54 anos. Ronald Reagan ainda ocupava o Gabinete Oval quando Tyson destroçou Trevor Barbick em 1986 e se tornou o campeão de pesos pesados mais jovem de todos os tempos, aos 20 anos.

George W. Bush era o presidente na despedida oficial de Tyson do boxe, uma derrota dolorosa para um pugilista mediano chamado Kevin McBride que serviu para deixar claro que, aos 39 anos, o antigo campeão já não era visto como o “Iron Mike” (Mike de ferro, em inglês) por pugilistas sérios.

No sábado (28), ele enfrentará Roy Jones Jr., 51, outro boxeador um dia talentoso que já passou do auge da forma há muito, muito tempo. “Consigo entender os atrativos dessa luta de exibição”, disse Steve Farhood, comentarista de pugilismo no canal Showtime de TV a cabo. “Mas grandes expectativas não são possíveis. O boxeador pode treinar o quanto quiser, mas continuará a ter 50 e poucos anos de idade."

Mas nostalgia vende, e Tyson sempre foi sucesso de bilheteria.

E se você acha que o antigo campeão está agindo assim porque precisa do dinheiro, não, aparentemente não é esse o motivo. A empresa que ele criou para comercializar produtos de cannabis parece lucrativa. A luta —“se você sabe alguma coisa sobre a carreira dele no boxe, deve saber que ela acabou há um bom tempo”, disse Louis Moore, historiador do boxe e professor na Universidade Estadual de Grand Valley— vai gerar fundos para diversas organizações de caridade que são beneficiárias da Mike Tyson Cares Foundation.

“Por que não posso fazer algo maior do que eu?”, disse Tyson em uma recente conversa por telefone, embora admitisse que sempre foi conhecido como um sujeito egoísta. “Como eu mesmo já disse, por que preciso pensar sempre em mim? Por que não posso pensar em alguém mais, pelo menos uma vez na vida?”.

A origem da luta de exibição, que vai ser realizada no Staples Center, em Los Angeles, teve o mesmo catalisador que já levou muitos outros homens à queda.

“Ego”, disse Tyson, e não “insanidade temporária”, ao contrário do que afirmou o ex-pugilista George Foreman.

“Tudo tem uma razão, em minha vida”, disse Tyson. “Tudo que faço, faço por uma razão."

Ele disse que estava com mais de 45 quilos de excesso de peso, se sentia esgotado ao andar um quarteirão e não gostava de sua aparência ao se olhar no espelho. Adotou uma dieta vegana e começou de novo a treinar no ringue. De repente, percebeu um sentimento muito familiar.

“Da primeira vez que boxeei, bum, levei um soco no flanco e minhas costelas se partiram”, disse Tyson. “Bum. Levei dois socos na mandíbula. E você sabe o que aconteceu? Jamais questionei o que estava fazendo lá. Na verdade, eu disse para mim mesmo que estava no lugar certo."

Ele postou dois vídeos que o mostravam treinando com um boxeador, e os dois rapidamente se tornaram sucesso viral.

“Eu não fazia ideia de que obteria 2,5 bilhões de visitas ou algo assim”, disse Tyson. “Não achei que fosse tão importante. Para mim, era difícil entender aquilo. Não sou um cara muito de internet. Não compreendo aquele mundo. Você sabe do que estou falando?”.

Sim.

“Não tinha ideia alguma sobre como funcionava. Não vejo vídeos no YouTube. Na verdade, eu estava começando só agora a procurar música no YouTube. Não sabia que existiam tantas histórias lá."

Oportunidades e convites começaram a surgir. “Olha só”, disse Tyson. “No começo era uma luta de MMA contra Bob Sapp. Depois Tyson Fury. Depois, Shannon Briggs, e agora Roy Jones. Eu não sei bem como fomos de Sapp para Roy Jones Jr., mas o caminho foi esse”.

Montagem com fotos de Roy Jones Jr e Mike Tyson, que voltam aos ringues neste sábado (28)
Montagem com fotos de Roy Jones Jr e Mike Tyson, que voltam aos ringues neste sábado (28) - Randy Shropshire - 15.jul.17 e Joe Scarnici - 2.ago.19/AFP

O Conselho Mundial de Boxe anunciou a criação de ainda mais um cinturão para premiar o vencedor da luta do sábado à noite, o Cinturão da Batalha em Linha de Frente. O evento principal está programado para ter oito assaltos de dois minutos de duração cada um.

A noitada não será transmitida por uma das redes tradicionais que cobrem o boxe, mas pelo Triller, um app de vídeo social que arrecadou dinheiro no mundo do entretenimento com a proposta de estabelecer uma alternativa americana ao TikTok.

A luta entre Tyson e Jones é a culminação calculada de uma noite inteira de espetáculo. Rappers como DaBaby, Lil Wayne e French Montana devem cantar ao vivo. Ne-Yo cantará o hino dos Estados Unidos. Há mercadorias temáticas à venda.

A luta entre Tyson pode nem ser a mais implausível do programa. Haverá antes um combate entre Jake Paul, personalidade do YouTube, e Nate Robinson, antigo jogador de basquete do New York Knicks conhecido por suas enterradas audazes.

O evento é o primeiro em uma série, que será produzida por uma nova empresa chamada Mike Tyson’s Legends Only League, controlada por Tyson e pela Eros Innovations, da executiva de mídia Sophie Watts.

O objetivo da empresa é voltar a promover competições entre atletas aposentados de diversas modalidades – F1, tênis, basquete.

“Foi ideia de Mike usar uma luta dele para dar a largada ao projeto”, disse Watts, acrescentando que ela está planejando um calendário com quatro eventos para 2021.

Durante a entrevista, Tyson falou sobre a participação de outros boxeadores em combates como objetivo de arrecadar dinheiro para caridade, como Fury, Deontay Wilder, Floyd Mayweather e Oscar de la Hoya. “Seria muito forte”, ele disse. “Meu ego não significaria coisa alguma. Se todos nos unirmos, meu ego não terá importância”.

Estamos diante de um novo capítulo na sinuosa trajetória de Tyson, que agora chegou a uma idade que ele talvez não imaginasse que atingiria. “Sei que existe uma diferença entre a pessoa que eu era antes e a pessoa em que estou me tornando e tentando me tornar na vida, e é assim que as coisas estão”, ele disse. “Não escolhi esse caminho. Aprendi a ser grato."

A primeira estreia de Tyson o introduziu como “o caçador, como o pugilista de alta pressão que se puder tentará afundar a cartilagem do nariz do oponente para dentro de seu cérebro, como ele disse certa vez”, afirmou Farhood.

Uma condenação por estupro e uma passagem pela prisão representaram uma queda forte. Três décadas mais tarde, o ambiente de silêncio tolerante com relação a abusos, no mundo do esporte e entretenimento, parece ter mudado radicalmente.

“Na época em que aquilo aconteceu, era bem frequente, mas não costumava haver denúncias” contra os homens famosos do esporte, disse Miki Turner, antiga colunista esportiva que se tornou professora assistente de jornalismo na Universidade do Sul da Califórnia. Ela acrescentou que “estou feliz por esse momento ter emergido e sacudido as coisas”.

Tyson disse que ele era egocêntrico demais, antes de sua queda. “Eu não queria ser humilde. Mas fui forçado a sê-lo. A vida me subjugou”, ele disse. “Perdi meus filhos, perdi pessoas que amava, e as coisas... tive de me realinhar, me tornar dono de meus pensamentos. E eu podia desaparecer. Amanhã ou daqui a 10 minutos. Sabe o que quero dizer? Não sou fanático religioso, cara, não me entenda mal."

A carreira de Tyson terminou depois que ele foi nocauteado por pugilistas medíocres em lutas consecutivas, e começou a enfrentar problemas financeiros. Depois veio uma participação especial memorável em “Se Beber, Não Case!”, de 2009, seguida por um livro, um documentário, um “one-man show” no teatro, e por sua participação, muitas vezes introspectiva, como apresentador de um podcast.

“Sei que existe algo maior que eu”, ele disse. “Está lá em cima em algum lugar, sabe? De alguma maneira."

Sobre os boxeadores atuais, Tyson acredita que a categoria peso pesado poderia ser mais empolgante se os maiores nomes do esporte lutassem com mais frequência.

“O boxe sempre terá superastros, mega-astros”, disse Tyson. “Mas não importa o quanto eles sejam grandes, ainda assim não são maiores do que o boxe; o boxe sobreviverá."

Em um mundo ideal, Tyson diz que estaria viajando com seu filho, Miguel, que visitou o Haiti com um missionário.

“Ele visita países devastados por terremotos e pela guerra, alimenta as pessoas e constrói represas para elas, com o missionário”, disse o boxeador. “Em um mundo perfeito, é onde eu estaria. Em um mundo perfeito."

Mas estamos em 2020, o que quer dizer que o mundo não é perfeito. No entanto, a noite de sábado pode ser pelo menos interessante.

Mike Tyson tem uma luta marcada. “Nossa esperança é que seja uma exibição combativa, uma boa mostra de técnica pugilística, mas ainda assim uma exibição”, disse Foster.

O objetivo de Tyson, como há 30 anos, é acertar o maior número possível de socos, com a maior força que puder.

“Ninguém vai sair decepcionado”, ele disse.

Mike Tyson x Roy Jones Jr.

Quando: sábado (25), a partir das 21h15 (Brasília)
Como assistir no Brasil: Canal Combate —a assinatura custa R$ 69,90 por mês
Reprise: a Rede Globo transmitirá a luta gravada assim que o evento ao vivo terminar

Tradução de Paulo Migliacci

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