Empreendedor americano vê liga de clubes brasileira como 'corrida espacial'

Grupo que negocia investimento no Campeonato Brasileiro enxerga grande oportunidade

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Tariq Panja
Nova York | The New York Times

​Sempre que Rodolfo Landim ligava a televisão para assistir às partidas da Copa América, nas últimas semanas, seus sentimentos eram contraditórios.

Como presidente do clube mais popular do Brasil, o Flamengo, sentia orgulho por ter cinco integrantes de seu time escalados em seleções nacionais participantes do torneio. Mas também sentia uma frustração crescente porque o Flamengo teve de passar um mês sem contar com esses cinco jogadores chave no Campeonato Brasileiro.

Isso acontece porque, para grande irritação de Landim e dos líderes dos demais grandes clubes brasileiros, a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) insistiu em que o campeonato prosseguisse mesmo em datas nas quais as seleções sul-americanas estavam jogando, em competições como a Copa América, que acontece este mês no Brasil, e a Olimpíada de Tóquio, que começa daqui a 15 dias, e deixará o Flamengo sem os serviços de dois de seus jovens talentos por diversas semanas.

Gabriel, a serviço da seleção, não tem jogado pelo Flamengo - Juan Mabromata - 20.abr.21/AFP

O ressentimento que fervilha com relação a essas decisões –não só entre os times que perderam jogadores em jogos importantes da Série A mas também pelos clubes sentirem que suas atividades não são importantes para os líderes do futebol no país– resultou em uma revolta.

Depois de uma reunião que durou o dia inteiro em 15 de junho, da qual participaram 19 dos 20 clubes que disputam a Série A –o presidente do Sport Recife estava renunciando naquele dia e não participou–, Landim foi à sede da CBF em um dos subúrbios praianos elegantes do Rio de Janeiro e entregou uma carta à liderança da federação. Nela, os clubes exigem controle da liga e o direito de decidir quando os jogos serão realizados e sob que condições.

Essencialmente, os clubes disseram que estavam preparados para abandonar as estruturas que sustentam o futebol brasileiro desde sempre, estruturas que agora dizem não funcionar para eles, e criar uma nova competição.

Embora os principais clubes brasileiros venham discutindo se afastar da CBF há algum tempo, disseram Landin e outros executivos de clubes, uma crise que criou um vácuo de liderança na CBF neste ano acelerou o processo. A confederação brasileira está sendo comandada por um presidente interino, Antônio Carlos Nunes, durante uma investigação sobre acusações de assédio sexual e intimidação contra o presidente eleito, Rogerio Caboclo.

Gravações de áudio secretas divulgadas recentemente também revelaram que Marco Polo del Nero, ex-presidente da CBF excluído da Fifa pelo resto da vida e indiciado nos Estados Unidos por acusações de corrupção, vinha influenciando algumas das decisões mais importantes da organização.

“Creio que a ideia estava amadurecendo havia alguns anos entre os presidentes de clubes”, disse Landim, em entrevista por telefone. Mas a recente cascata de escândalos, acrescentou, pode ter “ajudado os clubes a decidir que basta”: “Temos de nos organizar”.

O confronto na sede da federação no mês passado pouco fez para dissuadi-los. Logo que Landim e os demais dirigentes de clubes explicaram por que desejavam falar com a liderança da CBF, Nunes declarou que não estava se sentindo bem e deixou a reunião. A carta dos clubes foi entregue em lugar disso a Fernando Sarney, o vice-presidente sênior da organização.

O plano dos clubes, ao menos inicialmente, era formar uma liga com a aprovação da CBF, disse Julio Casares, presidente de outro dos grandes clubes, o São Paulo. Diversos outros presidentes de grandes clubes entrevistados pelo The New York Times afirmam que a CBF está tão preocupada com a seleção brasileira, um símbolo do Brasil em todo o mundo e uma grande instituição do esporte, que permitiu que o futebol de clubes minguasse. “Mas os jogadores não nascem na seleção; nascem nos clubes”, disse Casares.

“Não queremos uma ruptura com a CBF. Queremos trabalhar com eles”, afirmou o dirigente.

Crise institucional na CBF abriu porta para os clubes criarem a liga - Ricardo Borges - 28.mai.15/Folhapress

O argumento dos clubes é o de que eles podem atender melhor às suas necessidades se a gestão da liga for profissionalizada –o sistema de séries do futebol brasileiro é hoje administrado pela CBF– e por meio da contratação de executivos cuja única missão seria promover o sucesso da liga. Eles por exemplo não permitiriam que a maior rede de TV do Brasil, a Globo, insista em que os jogos de meio de semana comecem bem depois das 21h, para que não conflitem com as populares novelas da emissora.

Embora uma cisão oficial não tenha sido anunciada, o nível de consenso é diferente do que existia em esforços passados dos clubes para estabelecer uma liga separada. Depois que os clubes da Série A concordaram em princípio quanto à organização de seu próprio campeonato, uma segunda reunião foi realizada em São Paulo em 28 de junho, com 20 times da Série B. Esses clubes também se declararam ansiosos por participar da organização de um novo sistema formado por duas divisões.

A intenção dos clubes de ir em frente com o projeto fica clara em seu cronograma. Eles dizem que querem formalizar os arranjos em 120 dias e dar os primeiros passos para estruturar a nova liga já no ano que vem.

Alguns contratos de televisão ainda em vigor significam que o processo pode demorar pelo menos até 2024, antes que eles possam comercializar plenamente um campeonato que veem como capaz de rivalizar com torneios europeus como o da Ligue 1, na França, bem como com dezenas de campeonatos de segunda linha em todo o planeta que atraíram talentos brasileiros com salários muito maiores do que os jogadores conseguem obter em seu país.

No começo do mês, os clubes assistiram a apresentações de grupos nacionais e internacionais ansiosos por tomar parte do novo campeonato, que eles acreditam possa movimentar valores muitas vezes mais altos do que os atuais. Em uma conversa via Zoom, um grupo que incluía Charlie Stillitano, empreendedor esportivo norte-americano conectado à Relevent Sports, do bilionário Steve Ross, e Ricardo Fort, ex-vice presidente de marketing esportivo da Coca-Cola, propôs um plano que incluiria a venda de 20% da liga a grupos de capital privado, em troca de pelo menos US$ 1 bilhão (R$ 5,23 bilhões, na cotação atual).

O dinheiro seria usado para liquidar as imensas dívidas acumuladas por alguns dos clubes graças a anos de gestão incompetente. O grupo, montado pelo advogado esportivo brasileiro Flavio Zveiter, e que também inclui ex-executivos importantes da Fifa e da ESPN, discutiu a maneira pela qual os times brasileiros poderiam seguir o exemplo da Premier League. A liga, criada pelos principais clubes ingleses em um rompimento com a federação do país em 1992, tornou-se o campeonato nacional mais popular do planeta.

“Nós olhamos para a situação e definimos o projeto como uma corrida espacial”, disse Stillitano. “Quanto mais eu estudava, mais eu percebia que, se agirmos direito e conseguirmos fazer o que pretendemos, a oportunidade será incrível.”

O grupo até entrou em contato com Rick Parry, o primeiro presidente-executivo da Premier League, para descobrir o que precisava ser feito.

Nem todos os males do futebol brasileiro podem ser atribuídos à CBF, é claro. Os clubes, em geral organizações controladas por sócios que elegem os presidentes, são frequentemente mal geridos, com dívidas crescentes relacionadas a impostos não recolhidos e salários e transferências de jogadores não pagos. Qualquer injeção de dinheiro, qualquer reformulação, portanto, precisa ter a regulamentação em posição central, disse Romildo Bolzan Júnior, presidente do Grêmio, um dos maiores clubes brasileiros.

“O dinheiro, em si, não significa uma organização melhor”, disse ele. “Tudo isso precisa vir acompanhado de uma mudança de cultura, gestão melhor dentro dos clubes e regras de governança mais fortes.”

Bolzan afirmou que o processo de formação da nova liga ainda era frágil e recordou momentos no começo do século em que ideias semelhantes desabaram em meio ao que ele descreve como “dificuldades políticas”. “Todo o mundo quer manter seus privilégios, mas, se agirmos assim, a liga não terá sucesso.”

Se os clubes acertarem, porém, o futebol brasileiro pode se ver em uma trajetória ascendente de que não desfruta há décadas. Os torcedores se acostumaram a ver seus times e sua liga como fábricas de talentos para clubes de outros países.

Na noite de segunda-feira (5), por exemplo, Landim assistiu com sentimentos agridoces à vitória do Brasil contra uma seleção peruana batalhadora, para chegar à final da Copa América, que ocorre no sábado (10), no Rio. O gol da vitória foi marcado por Lucas Paquetá, jogador formado no Flamengo.

Paquetá jogou apenas duas temporadas no Flamengo antes de ser vendido ao Milan, aos 21 anos. Vinícius Júnior, seu colega no time, já tinha fechado um contrato com o Real Madrid antes de jogar sua primeira partida profissional pelo Flamengo. Reinier, outro adolescente de talento prodigioso, fez a mesma jornada um ano depois. A maioria desses jogadores exportados só voltará a jogar no Brasil quando o pico de suas carreiras tiver passado.

Tradução de Paulo Migliacc

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