Argentina adota o nós contra o mundo, no melhor estilo de Maradona

'Que mirás, bobo?': frase de Messi a holandês resume sentimento da seleção ao ser acusada de soberba

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Doha (Qatar)

"Que mirás, bobo?"

Em questão de minutos, a pergunta em tom de desafio de Lionel Messi para Wout Weghorst correu o mundo, virou meme nas redes sociais e motivou discussão entre torcedores.

Tratou-se de um chamado às armas. Classificado para a semifinal da Copa do Mundo, a frase do camisa 10 para o atacante rival, este "ta olhando o que, bobão?", virou um emblema da seleção que adotou a ideia de que, agora, são eles contra o mundo. Como Diego Maradona faria.

"Festejei na cara deles porque havia um jogador da Holanda que a cada pênalti vinha e dizia coisas a um dos nossos jogadores", disse o zagueiro Nicolás Otamendi após a Argentina derrotar a Holanda nos pênaltis na última sexta-feira (9) pelas quartas de final.

Imagem que ficou famosa mostra os jogadores da Argentina provocando os da Holanda logo após o fim das cobranças de pênalti, no estádio Lusail, no Qatar - Franck Fife - 9.dez.22/AFP

Da mesma forma que o vídeo de Messi intimando Weghorst, a foto de jogadores argentinos, com Otamendi à frente, zombando dos adversários quando acabou a partida, viralizou.

"A imagem foi tirada de contexto e foi uma resposta nossa ao que aconteceu", definiu o defensor.

No jogo mais emocionante e cheio de reviravoltas do Mundial do Qatar, a Argentina tinha vantagem de dois gols, levou empate no 55º minuto do segundo tempo e venceu nos tiros da marca penal. O confronto também teve dezenas de provocações, troca de empurrões e chute proposital em direção aos atletas do banco holandês.

Publicações europeias criticaram o comportamento dos sul-americanos, acusando-os de "soberba" e de não saberem se comportar com dignidade na vitória.

Para os jogadores argentinos que tiveram contato com a imprensa, é um julgamento injusto.

"O árbitro deu tudo para eles", reclamou o goleiro Emiliano Martínez, herói da disputa de pênaltis com duas defesas.

O principal artífice das provocações holandesas foi o lateral Denzel Dumfries. A declaração do técnico Louis van Gaal de que a Holanda teria vantagem se o confronto fosse para os penais, também irritou bastante a alviceleste. Martínez foi tomar satisfação quando acabou o jogo e xingou o treinador.

O ar desafiador encanta os milhares de torcedores da Argentina que estão no Qatar para a Copa do Mundo. No caminho de saída do estádio de Lusail e na fila do metrô, eles cantavam e gritavam os nomes de Lionel Messi, Emiliano Martínez e Nicolás Otamendi. Os que mais saíram em defesa do comportamento da equipe em campo.

"Senti-me ofendido por Van Gaal e seus comentários prévios à partida. Alguns jogadores deles falaram demais", reclamou Messi. Ele também ironizou o fato de o holandês ser considerado um representante do futebol bonito e ter passado o segundo tempo com seu ataque lançando balões para a área em busca de cabeçadas.

Atrair inimizade e hostilidades para ganhar força interior é antiga tática maradoniana. O zagueiro Oscar Ruggeri lembra que, quando a seleção eliminou a Iugoslávia nas quartas de final de 1990, Maradona avisou-lhe para prestar atenção na confusão que aprontaria em seguida.

Na entrevista que aconteceu em seguida, a primeira antes da semifinal contra a Itália, dona da casa, o camisa 10 pediu para o hino argentino não ser vaiado.

"O norte nunca considerou os napolitanos italianos de verdade e agora querem o apoio deles para a seleção da Itália", cutucou.

Maradona era ídolo, dono e senhor de Napoli. Ele não perdeu a chance de também lembrar que, quando sua equipe jogava em Turim, Milão e Verona, as torcidas locais penduravam faixas dizendo que napolitamos deveriam "se lavar".

O hino da Argentina não foi hostilizado e os sul-americanos se classificaram nos pênaltis.

A seleção de 2022 está fechada em si mesmo e entre os seus apoiadores porque terá pela frente a Croácia, sua algoz na fase de grupos de 2018, na Rússia. A derrota por 3 a 0 quase elimina de maneira precoce a equipe.

Em caso de vitória nesta terça, há o confronto em potencial com a França na decisão. Um Messi x Mbappé que seria um duelo de gerações.

Lionel assume cada vez mais o papel do irascível capitão argentino. Algo que jamais teve vontade de encarnar no passado, mas onde agora se sente à vontade. Mais do que isso, identifica-se com o torcedor do país ao fazer isso.

Alguns deles, na saída de Lusail reviam o passe mágico do camisa 10 para Molina fazer o primeiro gol contra os holandeses. Mas também assistiam às confusões do jogo, o "que mirás, bobo?" e o atacante comemorando seu gol olhando para van Gaal, em ar de desafio, com as mãos espalmadas atrás das orelhas.

Foi um gesto de pura simbologia.

Lionel Messi comemora a classificação da Argentina para as quartas de final da Copa do Mundo em um gesto de provocação ao técnico holandês Van Gaal - Franck Fife - 9.dez.22/AFP

Era Messi respondendo ao treinador que no passado disse que ele sozinho não ganhava títulos e ironizava o título de "melhor jogador do mundo" que haviam dado ao argentino. O gesto de Lionel remetia a Topo Giggio, personagem de desenho infantil de orelhas grandes.

Juan Román Riquelme o fez em um Boca Juniors e River Plate, em 2001, ao marcar um gol e comemorar em frente ao mandatário do clube e futuro presidente da Argentina, Maurício Macri. Era uma briga pela renovação de contrato, mas entrou para a história.

Mas há a parte de Van Gaal nesta confusão. O holandês não deu a Riquelme muitas chances em 2002, quando ambos estavam no Barcelona.

"Quando você tem a bola, é o melhor do nosso time. Mas quando não tem, é como se jogássemos com um a menos", desesperou-se o treinador, ao acreditar que a genialidade de Riquelme, um dos maiores de sua geração, não era o bastante se não houvesse entrega tática na marcação.

Ángel Di María também detesta Van Gaal pelo tempo que compartilharam juntos no Manchester United, entre 2015 e 2016.

A arbitragem na Copa também fez esquentar o clima e ampliar o sentimento de todos contra a Argentina.

"O árbitro queria que eles [a Holanda] empatassem. Ganhamos apenas porque tivemos paixão e coração. Como Espanha foi eliminada, querem nos eliminar também", acusou Emiliano Martínez, referindo-se à nacionalidade do árbitro Mateo Lahoz, que apitou as quartas de final.

No sábado (10), após se eliminado por Marrocos, o luso-brasileiro Pepe disparou em tom de teoria conspiratória. "De 8 ou 9 árbitros que tivemos aqui hoje no jogo, 5 são argentinos. Posso estar muito errado, mas tenho muita experiência disso. Posso dizer que eles vão dar o título para a Argentina."

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