Guerra do Kosovo de novo paira sobre partida entre Suíça e Sérvia na Copa

Equipe suíça tem atletas de origem albanesa que provocaram os sérvios no último Mundial

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Doha (Qatar)

Perseguido por jornalistas em todo o caminho da zona mista, a área de entrevistas, o atacante Xheridan Shaqiri fez sinal com a mão. Não falaria nada após a derrota da Suíça para o Brasil.

"É um jogo importante para a nossa classificação. Nada mais", disse o meia Granit Xhaka, em seguida.

O silêncio de um e o desconversar de outro se deram por causa da partida seguinte. Nesta sexta-feira (2), às 16h (de Brasília), a Suíça enfrenta a Sérvia, pela última rodada do Grupo G da Copa do Mundo, jogo que vale vaga nas oitavas de final.

A seleção do ora calado Shaqiri joga pelo empate para avançar ao mata-mata. Em caso de vitória, poderá até tirar a primeira colocação do Brasil, que está classificado. Os sérvios precisam triunfar para sobreviver.

Ao contrário do que disse Xhaka, há muito mais do que futebol no confronto, o que ficou provado na rodada inicial. Na estreia da Sérvia, contra o Brasil, foi fotografada no vestiário do time uma bandeira que reproduzia o mapa do país incluindo o território de Kosovo, que declarou independência em 2008. O objeto exibia a frase: "Não haverá rendição".

Bandeira de Kosovo com a inscrição em sérvio 'Não nos rendemos' estendida no vestiário da seleção sérvia na partida contra o Brasil, na estreia da Copa do Mundo do Qatar
Bandeira exibida no vestiário da Sérvia causou revolta - Reprodução Twitter

A Fifa (Federação Internacional de Futebol) iniciou procedimento disciplinar para investigar o episódio. O ministro do Esporte de Kosovo, Hajrulla Ceku, disse que imagem continha "mensagens odiosas, xenófobas e genocidas, usando a Copa do Mundo como plataforma.

Conhecida pela neutralidade e distante cerca de mil quilômetros da Sérvia, a Suíça foi colocada no meio de uma disputa nos Bálcãs por causa de Shaqiri e Xhaka.

Cada um marcou uma vez na vitória dos suíços sobre os sérvios no Mundial de 2018, na Rússia. Na celebração dos lances, ambos fizeram gestos com as mãos em referência à águia de duas cabeças, símbolo presente na bandeira da Albânia –país de origem de boa parte da população do Kosovo.

A Fifa aplicou a cada atleta multa de 10 mil francos suíços (R$ 54,5 mil em valores atuais). Um grupo de empresários de Kosovo pagou a quantia. A equipe avançou até as oitavas de final, deixando a Sérvia para trás, e acabou sendo eliminada pela Suécia.

Shaqiri celebrou gol contra a Sérvia, na Copa de 2018, fazendo com as mãos o símbolo da águia de duas cabeças, presente na bandeira da Albânia - Gonzalo Fuentes - 24.jun.18/Reuters

Os dois jogadores eram adolescentes quando Kosovo declarou sua independência, há 14 anos. Uma separação que o governo sérvio não reconhece.

"Este jogo foi há quatro anos, e não há nada mais por trás disso. Nós somos a Suíça, eles são a Sérvia. É isso. Estamos aqui para jogar futebol. Eles, também", insistiu Xhaka, diante da repetição da pergunta às vésperas de mais um duelo.

Desta vez em silêncio, Shaqiri tentou em outras ocasiões minimizar a polêmica e chegou a dizer que, se alguém tinha se ofendido, pedia desculpa. Ele sabe que enfrentará uma avalanche de xingamentos de torcedores sérvios no estádio 974, em Doha.

Shaqiri nasceu no Kosovo. Xhaka tem origem albanesa. Como é de origem albanesa 92% da população do Kosovo, território envolvido nas guerras nos Bálcãs na década de 1998. A Guerra do Kosovo, entre 1998 e 1999, matou cerca de 12 mil locais. Outro 1,5 milhão teve de deixar suas residências.

O pai de Xhaka, Ragip, ficou preso por seis anos por ter feito parte de protestos estudantis contra o governo da então Iugoslávia. Shaqiri costuma usar chuteiras com a bandeira do Kosovo.

O pano de fundo da polêmica que extrapolou o futebol é a série de conflitos que fragmentaram a Iugoslávia entre 1991 e 2001, após o fim da União Soviética. Houve embates entre sérvios e pessoas de outras regiões que desejavam a independência.

O território da Iugoslávia hoje está dividido: Bósnia, Croácia, Eslovênia, Kosovo, Macedônia do Norte, Montenegro e Sérvia.

No Mundial do Qatar, como ocorrera outras vezes, a Sérvia tem apresentado mais polêmica do que futebol Com um ponto em duas rodadas, a equipe se viu envolvida em questões sobre a vida sexual do atacante Dusan Vlahovic e do meia Nemanja Gudelj. Ambos tiveram de negar casos extraconjugais com mulheres de companheiros de seleção.

No passado, o time da Iugoslávia acumulou problemas de relacionamento entre os atletas por motivos étnicos. Em vários casos, sérvios não se davam bem com croatas. Havia também os atletas de origem bósnia. E os do Kosovo. Isso contribuiu para que gerações talentosas não alcançassem resultados expresisvos.

Uma delas apareceu entre os anos 1980 e 1990. Tinha como um dos principais nomes o meia Dragan Stojkovic, hoje treinador da Sérvia no Qatar.

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