Mulher aprendeu iaidô na internet e agora é da seleção brasileira

Aulas online na pandemia levaram Irailde Souza, de 59 anos, a desenvolver sua técnica

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Edison Veiga
Bled (Eslovênia)

A advogada Irailde Carvalho Souza, de 59 anos, aprendeu a arte marcial japonesa iaidô pela internet e hoje é a única mulher na seleção brasileira da modalidade. Ela faturou o bronze em sua categoria na primeira edição do campeonato latino-americano da modalidade, em Lima, no Peru, na semana passada.

Iaidô é o nome de uma arte marcial japonesa, na qual o praticante precisa aplicar técnicas e executar movimentos precisos para desembainhar uma espada. Irailde, que não tem antepassados nipônicos nem parentesco com orientais, nutria admiração pela arte desde a infância.

"Ainda criança, eu gostava de ler revistas de kung fu, e os primeiros filmes a que assisti na vida foram sobre artes marciais, principalmente os do Bruce Lee", afirmou, recordando o artista marcial, ator, diretor, produtor e roteirista sino-americano que viveu entre 1940 e 1973.

Irailde demonstra uma de suas técnicas no iaidô - Divulgação

Nascida em Catolândia, na Bahia, Irailde foi criada em Rondonópolis, Mato Grosso, para onde sua família se mudou quando ela tinha dois anos. Vive na mesma cidade até hoje. "Quando surgiu a oportunidade, comecei a treinar karatê. Consegui chegar à faixa marrom", disse. "Logo conheci o kendô, o iaidô e o jodô."

Kendô é uma arte marcial que consiste na luta com espadas. Jodô é a arte de utilizar um bastão para se defender de um adversário com espada. Irailde aprendeu e treinou os dois. Mas sua obsessão era o iaidô. "Ficava vendo vídeos antigos na internet. E, quanto mais eu via, mais me interessava. Fiquei encantada."

Na falta de um sensei em Rondonópolis, o YouTube era seu mestre. "E, como moro longe dos grandes centros onde há a prática de iaidô, era difícil fazer viagens para ter aulas presenciais com um professor. Então, ficava assistindo aos vídeos e tentando repetir os movimentos. Mas de forma errada", lembrou.

Aí, veio a pandemia de Covid-19, e as atividades virtuais se tornaram bem mais comuns. Irailde deixou de ser uma solitária praticante de iaidô na frente do computador e encontrou um grupo que também passou a treinar online.

Ela se recorda bem da data, 4 de setembro de 2020.

O engenheiro químico Silvio Pedroso Yoshikawa, sensei que vive em São Bernardo do Campo, na região metropolitana de São Paulo, decidiu conduzir treinos por uma plataforma de videoconferência. Vice-presidente da Federação Paulista de Kendô e diretor técnico de iaidô da Confederação Brasileira de Kendô, ele é também o atual técnico da seleção brasileira de iaidô.

Yoshikawa conhecera Irailde um ano antes, quando ela havia realizado um exame de kendô em São Paulo.

"Naquele dia, eu fiz uma apresentação de iaidô como parte da abertura dos eventos. E foi então que eu a vi sozinha tentando repetir, de maneira bem precária, os movimentos que ela havia visto durante a apresentação. Apenas observei, sem fazer qualquer comentário. Não é comum na arte você oferecer comentários sem que esses sejam solicitados", disse.

"Depois de algum tempo, passei por ela novamente e percebi que ela continuava a tentar repetir os movimentos", acrescentou.

Então, Yoshikawa perguntou para Irailde quem era seu professor. Para seu espanto, ouviu um "ninguém" como resposta e lhe deu instruções básicas.

Quando, no auge da pandemia, o sensei decidiu criar um grupo de treinos online, veio a lembrança daquela mulher obstinada de Mato Grosso. "Resolvi convidá-la para esse treinamento virtual."

Eram duas horas por semana, sem nenhuma falta de Irailde.

"Ao final dos treinos, sempre havia algumas recomendações que eram passadas como forma de exercícios de casa. E percebi que todas essas tarefas eram cumpridas de maneira muito diligente por ela, que demonstrava um franco progresso a cada semana e muita atenção aos detalhes", observou Yoshikawa.

Para Irailde, o iaidô é "mais do que filosofia", "é vida" - Divulgação

Em julho deste ano, Irailde participou de seu primeiro campeonato, o brasileiro de iaidô, realizado em São Paulo. Faturou a segunda colocação, o que a habilitou a integrar a seleção que disputou o latino-americano no Peru.

"Ter sido selecionada foi muito gratificante e emocionante", afirmou, na condição de única mulher na equipe. "Espero conseguir dar o meu melhor e inspirar outras mulheres a seguir este extraordinário caminho da espada."

Três anos de treinamento a sério deixaram Irailde mais apaixonada ainda pela arte.

"É uma das modalidades de arte marcial mais difíceis, na minha opinião. É preciso ter muita dedicação, muito treino e muita perseverança. É um processo lento, sem estagnação. Demora anos para alcançar esse objetivo. E eu ainda estou no começo do começo. Mas, aos poucos, venho progredindo", afirmou.

Segundo ela, o esporte tem "imponência e muita beleza" e é "mais do que filosofia atividade física ou disciplina". "O iaidô ensina seus praticantes a vencer a si mesmos. Pois, quanto mais se exploram as técnicas, mais fortes nos sentimos. Assim, passamos a melhorar nossa saúde mental, física e espiritual."

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