Descrição de chapéu The New York Times

Extrema-direita da Alemanha usa MMA para treinamento e recrutamento

Grupos neonazistas tentam utilizar esportes de luta como ferramenta para angariar simpatizantes e combatentes

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Catie Edmondson
Berlim | The New York Times

Lutador profissional de MMA radicado em Berlim, Niko Samsonidse acrescentou um ritual à sua preparação para os torneios nos últimos anos: verificar o evento para garantir que ele não seja organizado por extremistas de direita.

Incentivando outros lutadores e treinadores a fazer o mesmo, Samsonidse tem se manifestado abertamente em seus esforços para denunciar tentativas de exploração do crescente cenário das artes marciais para a promoção de ideologias radicais.

O MMA "está se tornando muito mais popular na Alemanha, e a maioria não tem nada a ver com extremismo", diz Samsonidse, que é também mestre em serviço social e escreveu uma tese sobre o combate à radicalização nos esportes de luta.

"A maioria das pessoas não está ciente do que está acontecendo ao lado delas", acrescenta.

Grupos neonazistas na Alemanha e em toda a Europa têm trabalhado para usar as artes marciais como ferramenta de treinamento e recrutamento —sediando festivais de alto nível e oferecendo oportunidades locais para a prática do esporte— na tentativa de ampliar o apelo dos grupos.

Faz parte de uma estratégia maior para tornar a face do extremismo mais popular. Organizadores promovem seus eventos de forma que os torna difíceis de distinguir dos demais torneios regulares de combate. Em seguida, usam os festivais como uma porta de entrada para seduzir simpatizantes para sua ideologia.

An image from an undated video from the YouTube page of “Kampf der Nibelungen” or “Battle of the Nibelungs,” a far-right combat sports tournament that was moved to Hungary after it was banned in Germany.
Batalha dos Nibelungos é notório torneio organizado por extremistas - Reprodução/YouTube

Os torneios —muitas vezes declarados como eventos políticos, tornando-os assim mais difíceis de proibir e garantindo que qualquer lucro seja isento de impostos— geralmente apresentam palestras ou seminários de extrema-direita, de acordo com Hans-Jakob Schindler, diretor sênior em Berlim do Counter Extremism Project. Enquanto os torneios de MMA na Europa geralmente apresentam lutadores de diferentes grupos raciais, esses eventos permitem apenas a participação de pessoas brancas.

"Eles estão tentando ampliar a área de captura", diz Schindler. "Se você consegue fazer as pessoas comprarem a camiseta, pode fazê-las ir a um dos festivais. E aos poucos você começa a falar com elas sobre como o sistema político é ruim. E assim você as atrai de forma mais sutil do que no passado."

Nos vídeos promocionais do maior torneio de combate de extrema-direita, chamado "Kampf der Nibelungen" ou "Batalha dos Nibelungos", não há símbolos ou slogans de extrema-direita em exibição. Com garotas animando o intervalo e lutadores tatuados, a única indicação de que o evento está fora do circuito regular é que os rostos dos participantes aparecem borrados.

Mas a mensagem promovida nos eventos, segundo Alexander Ritzmann, consultor sênior do Counter-Extremism Project, é clara: "Os brancos estão ameaçados em todos os níveis".

Alguns dos participantes têm apresentado seus esforços para aprender artes marciais abertamente como uma preparação para lutar contra aqueles que eles consideram uma ameaça à identidade europeia branca, relatou o jornal Frankfurt Roundup, citando um lutador que participou da Batalha dos Nibelungos, o torneio de esportes de combate de extrema-direita mais notório da Alemanha.

"Nesta época atual, é tão óbvio que nosso povo está com as costas contra a parede, e todos nós temos preocupações com a nossa sobrevivência", disse um lutador não identificado em um podcast de extrema-direita em 2015, acrescentando que chegaria o dia de entrar "no ringue com todas essas pessoas multiculturais".

Na Turíngia, região da antiga Alemanha Oriental, quatro homens com entre 21 e 25 de idade anos foram indiciados por agredir policiais durante protestos contra ações de lockdown na pandemia de Covid-19.

Procuradores federais afirmam que os homens lideravam um grupo extremista de artes marciais chamado Knockout 51 e "atraíam jovens com mentalidade nacionalista, doutrinavam-nos deliberadamente com ideias radicais de extrema-direita e os treinavam para confrontos físicos com policiais, figuras da cena política de esquerda e outras pessoas a ser combatidas".

O grupo, segundo os promotores, realizava sessões regulares de treinamento de artes marciais no escritório local do Partido Nacional Democrata —partido neonazista da Alemanha—, além de "treinamento ideológico" que incluía patrulhar o bairro em busca de oponentes políticos. Eles buscavam matar indivíduos associados à "cena extremista de esquerda".

Em um episódio registrado em 2020, segundo os procuradores, membros do grupo chutaram um policial no estômago durante um protesto contra o lockdown em Berlim; meses depois, em protesto em Leipzig, um integrante jogou uma garrafa em policiais, ferindo um pedestre.

Steffen Hammer, advogado do réu principal, tentou anular o julgamento dizendo que os procuradores obrigaram seu cliente a fornecer informações de outro caso, o que teria fortalecido as acusações contra ele.

Hammer, ex-vocalista de uma banda de rock de extrema-direita, negou que seu cliente lidere um coletivo neonazista, argumentando que o grupo de artes marciais era apolítico e vítima de uma acusação exagerada, segundo relatou o jornal Der Spiegel.

Organizações e eventos de artes marciais em grande escala têm proliferado há anos na Alemanha, sendo o principal deles a Batalha dos Nibelungos, que atrai centenas de extremistas de direita de toda a Europa e dos Estados Unidos. O nome é uma referência ao poema épico "Canção dos Nibelungos", um texto frequentemente venerado e referenciado na propaganda nazista durante a Segunda Guerra Mundial.

A Batalha dos Nibelungos, que se mudou para a Hungria depois de ser proibida na cidade alemã de Ostritz em 2019, é organizada "por jovens alemães unidos pela dedicação e entusiasmo pelo 'seu' esporte e que não querem estar sujeitos ao jugo da corrente dominante", de acordo com a página da organização no YouTube.

Na tentativa de reprimir tais grupos, as autoridades policiais alemãs já realizaram extensas operações contra membros dos clubes de artes marciais e, em alguns casos, proibiram os próprios clubes ou eventos. Os quatro homens associados ao Knockout 51 que atualmente enfrentam acusações na Turíngia foram presos depois que 800 policiais fizeram buscas nas casas de 50 suspeitos de extremismo, em abril.

Grupos de MMA com inclinações radicais estão se espalhando pela Europa e pelos Estados Unidos. Ritzmann afirma que 23 clubes de artes marciais de extrema-direita já operam apenas na França.

"Isso não significa que todos se tornarão neonazistas", disse. "Muitos, eu acredito, podem desistir em algum momento. Mas, realmente, normalizar essa abordagem aos esportes de combate pode ser um divisor de águas."

Na Alemanha, líderes da comunidade de artes marciais têm buscado resistir por conta própria.

Daniel Koehler, diretor do Instituto Alemão de Estudos de Radicalização e Desradicalização, uma entidade sem fins lucrativos, fundou uma rede de escolas de artes marciais contra a violência extremista que busca monitorar sinais de radicalização em seus estúdios e manter seus alunos longe desses ambientes.

Vários anos atrás, disse Koehler, os estúdios de sua rede discutiam "regularmente" sobre membros de suas academias que eles mais tarde souberam que tinham tatuagens ou roupas com símbolos de extrema-direita.

"Eles teriam que decidir se era uma pessoa que estava conosco havia muito tempo e precisaríamos iniciar uma intervenção", disse. "Ou se era alguém que tinha aparecido recentemente e poderíamos afastar."

Sua rede tenta garantir que as academias filiadas "não participem por coincidência de um torneio de que, por exemplo, a extrema-direita se beneficiaria", disse Koehler.

Samsonidse, lutador profissional de MMA, disse que os programas que dão aos jovens a oportunidade de praticar esportes de combate e transmitir valores positivos podem ser uma maneira importante de evitar o crescimento do extremismo de direita na modalidade.

"Há um grande potencial nas artes marciais em si, para compartilhar bons valores, respeito e controle das emoções, que podem ser realmente úteis no trabalho com jovens", disse. "Mas também pode ser utilizado para o mal."

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