Flamengo prefere apagar e esquecer a tragédia, diz diretor de série sobre incêndio no clube

Produção da Netflix sobre morte de garotos da base mostra a busca das famílias por justiça

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São Paulo

Cinco anos após o incêndio que matou dez jovens jogadores no Ninho do Urubu, centro de treinamento do Flamengo, nenhuma pessoa foi punida criminalmente, uma das famílias ainda não chegou a um acordo de reparação diretamente com o clube e os sobreviventes convivem com traumas provocados pela tragédia.

Com o objetivo de fomentar o debate sobre como os dirigentes do time carioca deveriam ter agido, a série "O Ninho: Futebol & Tragédia", lançada nesta quarta-feira (13) pela Netflix, contextualiza o drama dos garotos da base rubro-negra ao mesmo tempo que indica como os fatos ocorridos em fevereiro de 2019 poderiam ter sido evitados e, posteriormente, reparados.

"Essa tragédia faz parte da história do clube da mesma maneira que as conquistas do Flamengo", diz à Folha Pedro Asbeg, o diretor da produção documental. "O Flamengo institucionalmente, as pessoas que dirigem o clube, preferem tomar um caminho que, infelizmente, é do apagamento, do esquecimento. Por isso é importante que essa série exista, para dar visibilidade e evitar que essa tragédia seja esquecida."

A obra, realizada pela A Fábrica com ideia original do UOL, é dividida em três episódios, com depoimento de sobreviventes, familiares das vítimas e jornalistas do portal envolvidos na investigação. Nos relatos, os parentes dos garotos afirmam que não tinham conhecimento sobre as condições precárias do alojamento que acabou pegando fogo.

Cena da série o Ninho: Futebol e Tragédia, da Netflix
Cena da série o Ninho: Futebol e Tragédia, da Netflix - Divulgação Netflix

Por outro lado, reportagens produzidas pelo portal desde o incêndio apontam que o Flamengo sabia dos riscos aos quais os garotos estavam sujeitos, como os problemas nas instalações elétricas, que foram a principal causa apontada para o ocorrido.

Oito pessoas respondem a uma ação penal proposta pelo MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) por dez homicídios culposos e três crimes de lesões corporais.

De acordo com Pedro, a produção da série fez esforços para ouvir os envolvidos ou seus representantes legais, mas alguns não responderam aos pedidos de entrevistas, enquanto outros ignoraram os contatos.

"A partir do momento em que você está, de alguma forma, ligado àquilo [tragédia] e você prefere não falar, você prefere não se posicionar na câmera, você prefere não dar a sua versão, você está se posicionando", afirma o diretor.

No dia 7 de fevereiro deste ano, quando completou cinco anos do incêndio, o Flamengo divulgou uma nota em que lamentava o ocorrido, além de ressaltar que o clube não tem intenção de apagar da memória do clube a tragédia.

"Perdemos dez jovens atletas e não podemos, nem queremos, esquecer disso. Temos que rememorar nossos jovens eternamente, a cada dez minutos de cada jogo e sempre", escreveu o clube.

A produção também buscou imagens inéditas do incêndio, além de recriar alguns momentos em forma de simulação, com objetivo de jogar luz sobre as causas do ocorrido.

"Nosso olhar, a nossa busca, foi sempre pela humanização, para dar voz, rosto e nome a essas pessoas. Tanto aos pais e mães que perderam os seus filhos, quanto aos 16 jovens que sobreviveram, quanto ao Benedito Ferreira, o segurança do Flamengo, que salvou três jovens", diz Pedro.

Benedito acabou demitido do clube e, atualmente, tem dificuldade para sustentar, pois laudos médicos apontam que ele não reúne condições psicológicas para trabalhar devido ao trauma que sofreu na noite do incêndio.

"Até hoje eu lembro quando me perguntaram se os garotos estavam dormindo na hora que pegou fogo", ele lembra durante um trecho da entrevista que deu para a série.

A obra também conta que nove das dez famílias das vítimas fatais entraram em acordo com a equipe carioca. Os familiares do goleiro Christian Esmério ganharam ação indenizatória na Justiça, em fevereiro deste, em uma decisão da qual ainda cabe recurso.

De acordo com Pedro Asbeg, o pai de Christian deve receber uma indenização de cerca de R$ 1,4 milhão, valor idêntico ao que também deverá ser pago à mãe do goleiro.

Na mesma nota divulgada em fevereiro, o Flamengo confirmou que fez um acordo com nove famílias e que uma delas recebe uma pensão todos os meses independentemente do processo judicial e que o clube está aberto para chegar a um acordo.

"O Flamengo pode e deve dar mais visibilidade para essa tragédia como uma forma mesmo de preservar a memória desses jovens. O Flamengo construiu uma capela dentro do Ninho do Urubu e não tem qualquer menção a esses meninos. Supostamente ela foi inaugurada num dos aniversários da tragédia, ela tem dez quadradinhos ali, mas nada além disso. O Flamengo inaugurou um museu e não tem qualquer menção a essa tragédia", critica o diretor da série.

Ele diz esperar, ainda, que sua obra incentive a torcida rubro-negra a "cobrar da diretoria [do clube] um olhar e uma postura mais humana para essas famílias que perderam seus filhos".

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